A insistência da direção do PSDB em deixar para “os idos de março” a indicação do nome do partido que disputará a eleição presidencial em 2010 pode ser o fio shakespeariano de uma consequência política surpreendente: a desistência de José Serra à sua grande ambição política.
Até agora o governador de São Paulo, pela projeção das pesquisas de intenções de voto, é o nome que arrasta a maioria tucana. Some-se a isso o trânsito que ele tem como pré-candidato junto ao influente empresariado paulista. Influência política e econômica.
Mas e o opositor Aécio Neves?
Para o tucanato paulista, o governador de Minas é apenas um intruso no processo. Isso parece verdade. Para o PSDB, ele nunca teve chances de se tornar o candidato do partido à Presidência da República.
Os tucanos agiram como os carrascos de outros tempos agiam com os condenados especiais, para os quais encomendavam uma missa. Comportaram-se assim ao aceitarem a realização das prévias que escolheriam o nome do partido. Aceitá-las era parte do processo de liquidação da candidatura de Aécio. Serra nunca se dispôs a ser incomodado pela massa de filiados.
Aécio inicialmente parecia vitorioso. Mas, na sequência, percebeu que o PSDB tinha se tornado, para ele, um centro de abutres e não um ninho de tucanos.
A insistência de Serra em deixar para março de 2010 a indicação do partido era um golpe político. Março, a apenas sete meses da eleição, é uma data eleitoralmente próxima demais. Até lá todas as coalizões terão sido definidas e estará descartada a possibilidade de adesão à coligação PSDB-DEM. Além, é claro, do inexpressivo PPS.
Nesse caso, só restaria uma alternativa para a esperança eleitoral tucana. A possibilidade de formar a dobradinha Serra-Aécio. A união dos dois maiores colégios eleitorais do País para tentar bater a candidatura petista de Dilma Rousseff.
Aécio sempre foi o objeto de desejo de Serra. Ele agora, em movimento de antecipação, desfez essa possibilidade. Desistiu das prévias e anunciou a intenção de disputar o Senado.
Sem Aécio como vice é pouco provável, muito pouco provável, que Serra dispute a cadeira presidencial.
Aécio Neves fez a opção na hora certa e livrou-se da armadilha.
O governador mineiro fugiu astuciosamente de uma traição. Quem o teria alertado? Talvez a pesquisa pragmática encomendada, no momento adequado, pelo tucano e ex-banqueiro Ronaldo Cesar Coelho seja a resposta. Nota do redator: o pragmatismo, como se sabe, pode degenerar-se facilmente em falta de princípios.
Na pesquisa mencionada, a dobradinha Serra-Aécio, testada de forma favorável, tem muito bom desempenho.
Esperar março de 2010 para negar a formação dessa chapa puro-sangue deixaria Aécio Neves em posição absolutamente desconfortável dentro e fora do PSDB. E o preço político da decisão seria incalculável. O mais evidente seria o de enfrentar a pesada pecha de traidor.
Traição é mote desse episódio e o mês de março, especialmente, tem um grande significado nos processos políticos. Seja fato ou ficção. O golpe militar de março de 1964, no Brasil, é um fato. A ficção contém a esplendorosa tragédia Júlio César, escrita por William Shakespeare. Março ou, mais precisamente, os “Idos de Março” (Idibus Martius) marcam a traição sofrida por Caio Júlio César apunhalado pelos senadores romanos, com a participação do filho adotivo Brutus.
Talvez Aécio não queira pronunciar a frase: “Até tu, Serra?
CartaCapital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário