Rodrigo Haidar, iG Brasília
BRASÍLIA - A justificativa encontrada pela defesa do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), pode encrencar seu futuro. Arruda foi filmado recebendo R$ 50 mil em dinheiro de seu ex-secretário Durval Barbosa. Sua defesa diz que o dinheiro foi usado em 2006 para fazer ações sociais, como a distribuição de panetones, e que houve prestação de contas ao Tribunal Regional Eleitoral.
Se houve prestação de contas à Justiça Eleitoral, a ação foi feita em período de campanha e pode ser enquadrada como compra de votos. Se foi fora do período eleitoral, mas o dinheiro não tem origem explicada ou veio de empresas que têm negócios com o governo, com quem Durval Barbosa se relacionava, pode caracterizar crime de improbidade administrativa.
Em entrevista ao iG, o advogado Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral, explica tecnicamente quais são as condutas permitidas e proibidas a candidatos em plena campanha e agente público eleitos, fora da época eleitoral.
Leia entrevista com Ricardo Penteado:
iG — Fora do período eleitoral, um agente público eleito, como um deputado ou governador, pode arrecadar dinheiro para fazer ações sociais?
Ricardo Penteado — Do ponto de vista eleitoral, não há qualquer irregularidade. Mas a origem do dinheiro tem de ser clara. Qualquer cidadão tem de explicar a origem do dinheiro que tem. O rapaz preso no aeroporto há alguns anos com dólares na cueca não era candidato nem ocupava cargo eletivo, mas não soube explicar a origem do dinheiro que portava. Isso pode configurar crime.
iG — Quais crimes?
Ricardo Penteado — A classificação penal depende das investigações sobre o caso concreto. Mas não explicar a origem de dinheiro pode dar margem a ser enquadrado na lei do colarinho branco (Lei 7.492/86) ou a acusações de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Explicada a origem, não é crime levar dinheiro no bolso ou arrecadar para ajudar a população carente.
iG — E durante o período eleitoral?
Ricardo Penteado — Não pode. Desde 2006, a entrega de brindes ou o oferecimento de vantagens, como a distribuição de cestas básicas, são proibidos. O parágrafo 6° do artigo 39 da Lei 9.504/97, a Lei Eleitoral, não deixa dúvidas em relação a isso: “É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor”.
iG — Isso é considerado compra de votos?
Ricardo Penteado — A punição por compra de votos, a chamada captação de sufrágio, está prevista no artigo 41-A: “Constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma”.
iG — É proibido prometer vantagem? Mas é isso que o candidato faz o tempo todo, não?
Ricardo Penteado — Há a diferença entre a promessa genérica e a específica. Prometer melhorar as condições de transporte em um bairro é permitido. É para isso que o sujeito se elege e por isso que o cidadão vota nele. Já prometer um emprego determinado do caso de vitória é comprar voto.
iG — Se a compra de votos só vem à tona anos depois das eleições, é possível cassar o mandato?
Ricardo Penteado — A cassação na esfera eleitoral depende de processo que tem de ser apresentado, no máximo, 15 dias depois da diplomação do candidato. Depois disso, não há mais como contestar o ato na Justiça Eleitoral. Mas um agente político pode perder o mandato por diversos outros motivos. Por exemplo: um prefeito que não cometeu nenhum ilícito eleitoral comete um crime comum. Se ele é condenado pelo crime comum, como qualquer outro cidadão, ele perde os direitos políticos. Isso leva à perda automática do mandato.
iG — Mas a compra de votos fica impune?
Ricardo Penteado — Não. O sujeito pode ser processado pelo crime descrito no artigo 299 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), que se aplica para qualquer cidadão, não apenas para os candidatos. O artigo determina que seja punido com até quatro anos de reclusão quem “der, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”. Esse artigo se aplica a qualquer pessoa. Eu posso ser punido mesmo que não seja candidato. Basta oferecer uma cesta básica a uma pessoa para que ela vote no candidato que eu indiquei.
iG — Como controlar o dinheiro que circula em uma campanha eleitoral?
Ricardo Penteado — Para ter esse controle, a lei obriga que todo o movimento financeiro seja feito por meio de conta bancária. Todo o dinheiro da campanha tem de circular por essa conta identificada.
iG — Depois que o dinheiro passa por essa conta, é permitido sacá-lo para pagar despesas de campanha?
Ricardo Penteado — Os pagamentos têm de ser feitos direto da conta do candidato ou do comitê para a conta do fornecedor. Não se admite pagamento em espécie. O parágrafo 3° do artigo 22 da Lei Eleitoral dispõe expressamente que “o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta especificam implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato”.
iG — Não há exceções?
Ricardo Penteado — Poucas. Apenas para pagamentos pequenos, do dia a dia. Por exemplo, um caixa para custear a condução de um motoboy ou a compra de uma resma de papel. As últimas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral foram até criticadas por não fixarem uma quantia para fluxo de caixa porque isso cria dificuldades para os candidatos. Mas a Justiça faz exceções nos casos de despesas correntes. Por exemplo, não é razoável punir um candidato a deputado federal que movimentou R$ 3 mil em dinheiro vivo em três meses de campanha. Afinal, durante a campanha, ele tem de comer, beber etc. Diante de uma prestação de contas esclarecedora, as pequenas despesas são permitidas.
iG — Ações sociais feitas fora do período eleitoral têm de ser declaradas à Justiça Eleitoral?
Ricardo Penteado — Não. Tudo o que você declara na prestação de contas diz respeito ao período eleitoral. Não existe previsão legal para declaração de qualquer ato que não esteja vinculado à campanha eleitoral. Ações sociais declaradas à Justiça Eleitoral são ações de campanha e podem complicar a vida do candidato exatamente por conta do que fixa o artigo 41-A.
iG — Os candidatos podem declarar despesas de campanha depois das eleições, para regularizar sua situação?
Ricardo Penteado — Até o julgamento da prestação de contas, sim. A Justiça admite pequenas retificações. Existem casos em que acaba a campanha e o candidato fica devendo dinheiro a fornecedores. Ele, então, precisa arrecadar recursos para quitar seus compromissos. Por isso, retifica depois a prestação de contas. Mas depois de anos das eleições, isso não é permitido. Não pode retificar a prestação de contas porque foi pego de calças curtas.
iG — Na área fiscal, mesmo que eu deixe de declarar algo à Receita Federal ou de recolher algum imposto, se eu regularizo a situação antes da denúncia do Ministério Público, eu me livro da ação criminal. Isso também acontece na área eleitoral?
Ricardo Penteado — Não. No caso de imposto, isso é permitido porque há uma compensação. Você deixa de ser punido, mas paga o que deve com multas e juros. A sociedade ganhou com isso. Na esfera eleitoral, só você ganha com a regularização tardia. Por isso, tem de declarar tudo antes de ser acusado.
iG — Funcionário público pode receber dinheiro além do salário, se a origem é explicada?
Ricardo Penteado — Depende. O agente público deve maior satisfação à sociedade do que o cidadão comum em razão da função que ele ocupa. Então, o agente público não pode receber dinheiro de uma empresa para usar como quiser quando essa empresa tem interesse em licitações ou mesmo contratos com o governo. Isso é crime de improbidade administrativa. É diferente se a empresa que tem contratos com o governo apóia, de forma transparente, uma fundação ou um projeto social. Mas entregar dinheiro na mão do agente ou funcionário público sem o controle de como isso será feito.
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