Leandro Fortes
Na manhã de 23 de agosto, um pequeno grupo de funcionários do DFTrans, órgão responsável pela fiscalização e controle do transporte urbano do Distrito Federal, reuniu-se para esperar uma visita do ex-diretor do órgão Paulo Henrique Munhoz da Rocha. Ex-dirigente do DEM do Paraná, Rocha teve uma trajetória trepidante no mandato do governador cassado José Roberto Arruda, com quem caiu em desgraça ao também ser flagrado no festival de propinas revelado em áudio e vídeo pela Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009. Sumido desde então, o ex-diretor não deu as caras em Brasília. Não foi por menos.
Rocha, chamado pelos amigos de “Pile”, era esperado na sede do DFTrans, em Brasília, para responder a nada menos que dez sindicâncias internas referentes a assinaturas de contratos fraudulentos, multas ilícitas, extravio de equipamentos, superfaturamento, convênios fantasmas e mais uma dúzia de irregularidades administrativas. Citado em três ocasiões pelo inquérito da Caixa de Pandora, o político aparece em uma das fitas de Durval Barbosa a receber estimados 20 mil reais para, segundo o delator, direcionar licitações de interesse de empresas de informática, muitas das quais apontadas pelo Ministério Público Federal como principais lavanderias de dinheiro do esquema de corrupção do DEM.
Bisneto e neto de ex-governadores paranaenses (Caetano e Bento Munhoz da Rocha, respectivamente), “Pile” é, porém, o elo mais visível de uma conexão montada por Arruda e o DEM do Paraná desde os primeiros dias de governo. Rocha tem a vida e a carreira política ligadas a dois dos principais caciques do DEM paranaense, o ex-governador Jaime Lerner e o deputado federal e ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi. Este último, secretário de Desenvolvimento Urbano do DF até a derrocada do governador, era apontado como “cérebro” da administração Arruda e peça fundamental na sustentação do mais lucrativo movimento político do período, a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de Brasília.
A linha de investigação da PF e do Ministério Público em relação ao PDOT se baseia em um depoimento de Barbosa sobre a votação do projeto na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Aos procuradores federais, Barbosa afirmou que a aprovação do PDOT rendeu 20 milhões de reais ao esquema de corrupção do DEM. O dinheiro, afirmou, foi repartido entre um grupo ligado ao governador Arruda, outro ao então vice-governador Paulo Octávio Pereira (também do DEM), e um terceiro, formado por deputados distritais. Segundo o delator, José Geraldo Maciel, à época chefe da Casa Civil de Arruda, pagou propinas de 420 mil reais a cada um dos 18 deputados da base aliada que votaram a favor do PDOT. Contra o projeto ficaram apenas quatro deputados do PT e um do PDT.
Rocha conseguiu montar um esquema periférico no DFTrans. Com base apenas nos contratos detectados até agora pela comissão de sindicância do órgão, o esquema pode ter arrecadado cerca de 50 milhões de reais. Expulso do partido depois de flagrado no vídeo da propina, o ex-diretor do DFTrans sumiu de circulação e nunca conseguiu ser localizado pela comissão de sindicância. Também passou a ser renegado pelos padrinhos políticos, embora os fatos façam essa ligação por si.
Entre 1995 e 1997, no governo paranaense de Jaime Lerner, Rocha foi diretor do Departamento de Administração do Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPE). Depois, passou a trabalhar diretamente na prefeitura de Curitiba, nos dois mandatos de Taniguchi, entre 1997 e 2004. Lá, foi diretor-administrativo-financeiro do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), superintendente do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC), além de presidente do Instituto Curitiba de Saúde (ICS) e da Companhia de Desenvolvimento de Curitiba (CIC).
Taniguchi não quis falar diretamente sobre Rocha. Conselheiro informal da campanha do tucano Beto Richa ao governo do Paraná, ele desistiu de se candidatar novamente à Câmara dos Deputados, oficialmente para retomar seus trabalhos como urbanista em Curitiba. O fato é que Taniguchi virou ficha suja ao ser condenado, em 20 de maio deste ano, no Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade. Quando prefeito de Curitiba, entre 1997 e 1998, ele usou 4,9 milhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), destinado à melhoria de transportes na capital paranaense, para -pagar precatórios (dívidas judiciais) a credores escolhidos de forma seletiva.
Segundo Patrício Macedo, seu assessor de imprensa, embora Rocha tenha mesmo trabalhado com o ex-prefeito, a indicação dele para a direção do DFTrans foi feita por outro demista do Paraná, Alberto Lupion. Já o deputado Lupion afirma ter indicado o nome de Rocha ao então secretário de Transportes do DF, Alberto Fraga, durante uma reunião na Câmara na qual Taniguchi estava presente. “Falei com ele (Rocha), há dois meses, e ele me disse que estava montando uma empresa em Camboriú (litoral de Santa Catarina)”, conta Lupion.
A Conexão Paraná montada no governo Arruda, também investigada pela Caixa de Pandora, foi reflexo direto da situação política do DEM pós-eleições de 2006. Em 1º de janeiro de 2007, o Distrito Federal se transformou na meca do partido, cuja sobrevivência sempre dependeu da adesão aos cargos e recursos do governo federal. Asfixiado política e financeiramente pela distância do poder desde a chegada do PT ao Palácio do Planalto, em 2003, o DEM vislumbrou na eleição de Arruda um porto seguro para o renascimento da sigla. O problema, como demonstrou a operação da PF, foi a sede excessiva.
A convocação dos demistas paranaenses por Arruda foi uma tentativa de fazer do assédio aos cofres públicos do Distrito Federal uma ação qualitativa, tocada por quadros descolados da tradicional estrutura nordestina do DEM, mais do que manjada pela mídia e pelo Judiciário. Assim foram acertadas as nomeações dos deputados Alceni Guerra, que chegou a ser secretário especial de Educação Integral, e Taniguchi, herdeiro político do ex-governador paranaense Jaime Lerner. Uma das primeiras medidas tomadas por Taniguchi foi, aliás, arranjar um bom contrato para o badalado escritório de arquitetura do mentor político.
Empossado como secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Taniguchi tratou de fechar, sem licitação, um contrato de 2 milhões de reais com a empresa Jaime Lerner Arquitetos Associados para a “prestação de serviços de consultoria em desenvolvimento”. Fechado em maio de 2007, o contrato previa a realização de estudos e pesquisas para a implantação do Parque Burle Marx, uma área de Cerrado localizada, coincidentemente, ao lado do Setor Noroeste de Brasília, principal tesouro levantado pelo PDOT. Trata-se, atualmente, do metro quadrado mais caro do País, onde o ex-vice-governador Paulo Octávio investiu mais de 30 milhões de reais.
Entre os contratos assinados por Rocha no DFTrans há um relativo à compra de 800 câmeras de vídeo a serem instaladas nos ônibus do DF para combate à criminalidade no transporte público. Valor: 8,5 milhões de reais. A empresa Sync, contratada por Rocha, pertence ao ex-presidente da Câmara Distrital Leonardo Prudente, o deputado do DEM notabilizado ao ser flagrado em um dos vídeos de Barbosa enquanto colocava maços de dinheiro nas meias.
A Sync participava ainda de consórcios em parceria com a Minauro Informática, do Paraná, contratada pelo DFTrans para criar, a um custo de 21 milhões de reais ao ano, uma “solução tecnológica integrada de gestão de informações de transporte”. Na verdade, um nome pomposo para denominar um programa de computador considerado ruim pelos administradores do órgão. A Minauro Informática não aparece no esquema à toa: é uma velha conhecida de administrações do DEM no governo do Paraná e na prefeitura de Curitiba.
Outra empresa contratada por Rocha, a Flexdoc, forneceu arquivos, estantes e armários ao DFTrans por 2,6 milhões de reais, sem licitação. A sindicância descobriu que os móveis nem sequer pertenciam à empresa – haviam sido terceirizados. Por essa razão, o órgão foi obrigado a renovar de forma emergencial o contrato para não ficar sem ter onde guardar papéis e documentos até conseguir resolver o problema.
Todos os demais contratos fechados na gestão de Rocha foram suspensos. De acordo com a assessoria de imprensa do DFTrans, cujo diretor atual é Marcos Antônio Nunes de Oliveira, mesmo sem ter aparecido para prestar esclarecimentos, Rocha não vai se livrar do processo administrativo decorrente das sindicâncias, com previsão de término para daqui a três meses. Caso constatada a responsabilidade do ex-dirigente, informa a assessoria, o processo resultará em “tomadas de contas especial” com o objetivo de garantir ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro usado irregularmente.
Leandro Fortes
Na manhã de 23 de agosto, um pequeno grupo de funcionários do DFTrans, órgão responsável pela fiscalização e controle do transporte urbano do Distrito Federal, reuniu-se para esperar uma visita do ex-diretor do órgão Paulo Henrique Munhoz da Rocha. Ex-dirigente do DEM do Paraná, Rocha teve uma trajetória trepidante no mandato do governador cassado José Roberto Arruda, com quem caiu em desgraça ao também ser flagrado no festival de propinas revelado em áudio e vídeo pela Operação Caixa de Pandora, em novembro de 2009. Sumido desde então, o ex-diretor não deu as caras em Brasília. Não foi por menos.
Rocha, chamado pelos amigos de “Pile”, era esperado na sede do DFTrans, em Brasília, para responder a nada menos que dez sindicâncias internas referentes a assinaturas de contratos fraudulentos, multas ilícitas, extravio de equipamentos, superfaturamento, convênios fantasmas e mais uma dúzia de irregularidades administrativas. Citado em três ocasiões pelo inquérito da Caixa de Pandora, o político aparece em uma das fitas de Durval Barbosa a receber estimados 20 mil reais para, segundo o delator, direcionar licitações de interesse de empresas de informática, muitas das quais apontadas pelo Ministério Público Federal como principais lavanderias de dinheiro do esquema de corrupção do DEM.
Bisneto e neto de ex-governadores paranaenses (Caetano e Bento Munhoz da Rocha, respectivamente), “Pile” é, porém, o elo mais visível de uma conexão montada por Arruda e o DEM do Paraná desde os primeiros dias de governo. Rocha tem a vida e a carreira política ligadas a dois dos principais caciques do DEM paranaense, o ex-governador Jaime Lerner e o deputado federal e ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi. Este último, secretário de Desenvolvimento Urbano do DF até a derrocada do governador, era apontado como “cérebro” da administração Arruda e peça fundamental na sustentação do mais lucrativo movimento político do período, a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de Brasília.
A linha de investigação da PF e do Ministério Público em relação ao PDOT se baseia em um depoimento de Barbosa sobre a votação do projeto na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Aos procuradores federais, Barbosa afirmou que a aprovação do PDOT rendeu 20 milhões de reais ao esquema de corrupção do DEM. O dinheiro, afirmou, foi repartido entre um grupo ligado ao governador Arruda, outro ao então vice-governador Paulo Octávio Pereira (também do DEM), e um terceiro, formado por deputados distritais. Segundo o delator, José Geraldo Maciel, à época chefe da Casa Civil de Arruda, pagou propinas de 420 mil reais a cada um dos 18 deputados da base aliada que votaram a favor do PDOT. Contra o projeto ficaram apenas quatro deputados do PT e um do PDT.
Rocha conseguiu montar um esquema periférico no DFTrans. Com base apenas nos contratos detectados até agora pela comissão de sindicância do órgão, o esquema pode ter arrecadado cerca de 50 milhões de reais. Expulso do partido depois de flagrado no vídeo da propina, o ex-diretor do DFTrans sumiu de circulação e nunca conseguiu ser localizado pela comissão de sindicância. Também passou a ser renegado pelos padrinhos políticos, embora os fatos façam essa ligação por si.
Entre 1995 e 1997, no governo paranaense de Jaime Lerner, Rocha foi diretor do Departamento de Administração do Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPE). Depois, passou a trabalhar diretamente na prefeitura de Curitiba, nos dois mandatos de Taniguchi, entre 1997 e 2004. Lá, foi diretor-administrativo-financeiro do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), superintendente do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC), além de presidente do Instituto Curitiba de Saúde (ICS) e da Companhia de Desenvolvimento de Curitiba (CIC).
Taniguchi não quis falar diretamente sobre Rocha. Conselheiro informal da campanha do tucano Beto Richa ao governo do Paraná, ele desistiu de se candidatar novamente à Câmara dos Deputados, oficialmente para retomar seus trabalhos como urbanista em Curitiba. O fato é que Taniguchi virou ficha suja ao ser condenado, em 20 de maio deste ano, no Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade. Quando prefeito de Curitiba, entre 1997 e 1998, ele usou 4,9 milhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), destinado à melhoria de transportes na capital paranaense, para -pagar precatórios (dívidas judiciais) a credores escolhidos de forma seletiva.
Segundo Patrício Macedo, seu assessor de imprensa, embora Rocha tenha mesmo trabalhado com o ex-prefeito, a indicação dele para a direção do DFTrans foi feita por outro demista do Paraná, Alberto Lupion. Já o deputado Lupion afirma ter indicado o nome de Rocha ao então secretário de Transportes do DF, Alberto Fraga, durante uma reunião na Câmara na qual Taniguchi estava presente. “Falei com ele (Rocha), há dois meses, e ele me disse que estava montando uma empresa em Camboriú (litoral de Santa Catarina)”, conta Lupion.
A Conexão Paraná montada no governo Arruda, também investigada pela Caixa de Pandora, foi reflexo direto da situação política do DEM pós-eleições de 2006. Em 1º de janeiro de 2007, o Distrito Federal se transformou na meca do partido, cuja sobrevivência sempre dependeu da adesão aos cargos e recursos do governo federal. Asfixiado política e financeiramente pela distância do poder desde a chegada do PT ao Palácio do Planalto, em 2003, o DEM vislumbrou na eleição de Arruda um porto seguro para o renascimento da sigla. O problema, como demonstrou a operação da PF, foi a sede excessiva.
A convocação dos demistas paranaenses por Arruda foi uma tentativa de fazer do assédio aos cofres públicos do Distrito Federal uma ação qualitativa, tocada por quadros descolados da tradicional estrutura nordestina do DEM, mais do que manjada pela mídia e pelo Judiciário. Assim foram acertadas as nomeações dos deputados Alceni Guerra, que chegou a ser secretário especial de Educação Integral, e Taniguchi, herdeiro político do ex-governador paranaense Jaime Lerner. Uma das primeiras medidas tomadas por Taniguchi foi, aliás, arranjar um bom contrato para o badalado escritório de arquitetura do mentor político.
Empossado como secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Taniguchi tratou de fechar, sem licitação, um contrato de 2 milhões de reais com a empresa Jaime Lerner Arquitetos Associados para a “prestação de serviços de consultoria em desenvolvimento”. Fechado em maio de 2007, o contrato previa a realização de estudos e pesquisas para a implantação do Parque Burle Marx, uma área de Cerrado localizada, coincidentemente, ao lado do Setor Noroeste de Brasília, principal tesouro levantado pelo PDOT. Trata-se, atualmente, do metro quadrado mais caro do País, onde o ex-vice-governador Paulo Octávio investiu mais de 30 milhões de reais.
Entre os contratos assinados por Rocha no DFTrans há um relativo à compra de 800 câmeras de vídeo a serem instaladas nos ônibus do DF para combate à criminalidade no transporte público. Valor: 8,5 milhões de reais. A empresa Sync, contratada por Rocha, pertence ao ex-presidente da Câmara Distrital Leonardo Prudente, o deputado do DEM notabilizado ao ser flagrado em um dos vídeos de Barbosa enquanto colocava maços de dinheiro nas meias.
A Sync participava ainda de consórcios em parceria com a Minauro Informática, do Paraná, contratada pelo DFTrans para criar, a um custo de 21 milhões de reais ao ano, uma “solução tecnológica integrada de gestão de informações de transporte”. Na verdade, um nome pomposo para denominar um programa de computador considerado ruim pelos administradores do órgão. A Minauro Informática não aparece no esquema à toa: é uma velha conhecida de administrações do DEM no governo do Paraná e na prefeitura de Curitiba.
Outra empresa contratada por Rocha, a Flexdoc, forneceu arquivos, estantes e armários ao DFTrans por 2,6 milhões de reais, sem licitação. A sindicância descobriu que os móveis nem sequer pertenciam à empresa – haviam sido terceirizados. Por essa razão, o órgão foi obrigado a renovar de forma emergencial o contrato para não ficar sem ter onde guardar papéis e documentos até conseguir resolver o problema.
Todos os demais contratos fechados na gestão de Rocha foram suspensos. De acordo com a assessoria de imprensa do DFTrans, cujo diretor atual é Marcos Antônio Nunes de Oliveira, mesmo sem ter aparecido para prestar esclarecimentos, Rocha não vai se livrar do processo administrativo decorrente das sindicâncias, com previsão de término para daqui a três meses. Caso constatada a responsabilidade do ex-dirigente, informa a assessoria, o processo resultará em “tomadas de contas especial” com o objetivo de garantir ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro usado irregularmente.
Leandro Fortes
Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Mantém um blog chamado Brasília eu Vi. http://brasiliaeuvi.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário