Rodrigo Martins
José Gomes Temporão, o ministro da Saúde, rebate as críticas do presidenciável tucano e faz um, balanço de sua gestão. Republicamos a entrevista concedida a Rodrigo Martins, hoje, publicada originalmente em 30 de agosto.
José Gomes Temporão, o ministro da Saúde, rebate as críticas do presidenciável tucano e faz um, balanço de sua gestão. Republicamos a entrevista concedida a Rodrigo Martins, hoje, publicada originalmente em 30 de agosto.
Nos últimos meses, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, está na berlinda. Não que seu trabalho desagrade ao governo, mas a sua gestão virou alvo de críticas ferrenhas da oposição. Especialmente de José Serra, candidato do PSDB à Presidência, que faz campanha muito focada no tema.
A CartaCapital, Temporão fez um balanço de seus três anos e cinco meses à frente do Ministério. E contesta as críticas do candidato tucano, a quem acusa de fazer “populismo sanitário” com indicadores pontuais. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
CartaCapital: Nos últimos meses, o ex-ministro José Serra, hoje candidato à Presidência, passou a atacar a gestão da saúde. Diz que o governo pecou na prevenção e na promoção da saúde.
José Gomes Temporão: Ele fala, mas não apresenta dados. Diz que recuamos na prevenção, na saúde da mulher. Mas o que exatamente? Aumentamos o número de pré-natal. Só no ano passado distribuímos mais de 500 milhões de preservativos. Serra se coloca como pai do programa de combate à Aids, mas a primeira quebra de patente da história do Brasil foi durante o governo Lula, não foi o Serra nem o presidente Fernando Henrique. E nós incorporamos novos medicamentos ao coquetel anti-Aids. Como dizer que não houve avanços?
CC: Há também a crítica da interrupção dos mutirões para cirurgias eletivas, como as de correção da catarata.
JGT: Mutirão é para atacar um problema agudo, específico, que demanda uma ação pontual para resolver. Transformar isso numa política permanente é descabido, é reconhecer que o sistema de saúde é um fracasso. Eu chamei isso, em 2006, de “populismo sanitário”. Pegamos as quatro cirurgias que eram feitas em mutirões e incluímos num rol de 90 tipos diferentes de cirurgias. Resultado: 500 mil cirurgias a mais que o governo anterior. Estruturamos uma política, definimos os critérios, financiamos os procedimentos do SUS. Mas quem define as metas, onde serão feitas as cirurgias, em que quantidade, é o gestor municipal. Cirurgia eletiva é uma atribuição municipal, a União financia.
CC: E o acesso à medicação?
JGT: Criamos as farmácias populares, com remédios subsidiados. São 534 estabelecimentos que vendem medicamentos a preço de custo, cerca de 105 drogas e preservativos, especialmente remédios para hipertensão, diabetes, colesterol, pílula anticoncepcional, insulina. Além disso, no fim de 2002, a participação dos genéricos no mercado de medicamentos era de 5%. Neste ano vai fechar em 22%. Na medida em que aumenta o poder de consumo da população brasileira, cresce o consumo de medicamentos genéricos. Tanto que esse mercado está crescendo a uma média de 15% ao ano. Houve um forte aumento dos genéricos no governo Lula e isso deve crescer ainda mais. Nos EUA, esse tipo de medicação domina 60% do mercado. Também fizemos as duas maiores campanhas de imunização do País: 67 milhões de vacinados contra a rubéola, em 2008, e 89 milhões agora contra H1N1. Erradicamos o cólera em 2005, a transmissão da doença de Chagas em 2006, a rubéola em 2009.
CC: O Brasil conseguiu eliminar a transmissão da doença de Chagas, mas não obteve êxito no combate à dengue e à malária. Por quê?
JGT: O vetor da doença de Chagas se reproduz em paredes de taipa (barro). Só de mudar o padrão de habitação interrompemos a transmissão. O Aedes aegypti, da dengue, se reproduz em qualquer poça de água. No calor, ele diminui o tempo de incubação das suas larvas. Em média, 60% dos focos de dengue estão dentro das residências. São 100 milhões de casos em todo o mundo.
CC: Então não tem solução?
JGT: A esperança é uma vacina, capaz de combater os quatro sorotipos da dengue. Daqui a quatro ou cinco anos chegaremos a ela. Há vários protótipos sendo testados.
CC: E quanto à malária?
JGT: O foco da transmissão é na Amazônia, em áreas de difícil acesso. Por isso, descentralizamos radicalmente o diagnóstico, o que permite iniciar o tratamento mais cedo. A probabilidade de complicações e morte reduz muito. É o que está acontecendo. Ainda há surtos localizados. Mas, em média, a tendência é de queda no contágio.
CC: No plano da assistência médica, persiste o impasse das longas filas de espera para cirurgias e exames complexos.
JGT: Nenhum sistema de saúde do mundo é imune a filas. Na Inglaterra, a espera por uma cirurgia eletiva pode chegar a 8 meses. Porque a demanda em saúde é muito elástica. Dou razão num ponto: os exames e os procedimentos de certas especialidades, como neurologia, dermatologia e urologia, são excessivos. Só que, no Brasil, essa é uma questão heterogênea. Há cidades em Santa Catarina que praticamente não possuem fila. Em outras, de médio porte, no interior do Nordeste, a longíssimas esperas. É muito difícil ter equipamentos e especialistas em número suficiente, até por falta de dinheiro. Só que este não é o único problema. Temos dificuldade de redistribuir os médicos pelo território nacional, hoje concentrados no Sul e no Sudeste. Falta de dinheiro, falta equipamentos, falta especialistas. É preciso criar arranjos regionais para garantir o atendimento de toda a população, já que é impossível ampliar muito a oferta,
CC: Qual é a marca da sua gestão?
JGT: Trabalho com o conceito de determinação social da saúde. Ou seja, a saúde está relacionada a questões como acesso a educação, emprego, habitação. Qualquer estratégia consistente de saúde tem de estar articulada à melhor distribuição da renda. E nisso o governo Lula fez a diferença. Trinta milhões de brasileiros ascenderam socialmente. Criaram-se novos padrões de consumo. Por isso não podemos olhar para a questão da saúde com foco exclusivo na assistência médica. Deste ponto de vista, colocamos um vetor de transformação que não vinha sendo percebido em épocas anteriores: redução de desigualdades. Porque a assistência médica, por si só, não tem condições de resolver as questões estruturais do País, de adoecimento e morte da população.
CC: A redução das desigualdades é política de saúde?
JGT: Não podemos olhar para a questão da saúde com foco exclusivo na assistência médica. Mas também avançamos nas políticas específicas. Aumentamos em 60% a cobertura do Programa Saúde da Família (PSF). Com isso, criamos uma rede capilarizada de médicos, enfermeiros e agentes comunitários. É um verdadeiro Exército, hoje temos praticamente 240 mil agentes. São 100 milhões de brasileiros cobertos. Além dos aspectos de cuidado médico, o programa avança na promoção da saúde.
CC: Há resultados perceptíveis?
JGT: Um dos resultados mais visíveis seria a redução da mortalidade infantil. Estudos publicados em revistas internacionais mostram que a cada 10% de aumento da cobertura do PSF a mortalidade infantil é reduzida em 4%. Entre 2003 e 2008, a proporção de mortes em cada mil crianças nascidas vivas baixou de 23,6 para 19. E antes de 2015 vamos cumprir a Meta do Milênio, de chegar a 15. Houve ainda uma redução de internações por algumas causas, como insuficiência cardíaca, crise hipertensiva, diabetes.
CC: Êxito na prevenção, é isso?
JGT: Está melhor. Criamos, por exemplo, o serviço do SAMU, que não existia. Concebido com base na experiência francesa, ele tem uma central de regulação de médicos e enfermeiros que atendem por um número nacional, o 192. Esses profissionais se deslocam com ambulâncias às residências ou para a rua para prestar um primeiro atendimento. Chegaremos a dezembro com 162 milhões de brasileiros cobertos. Se o problema é menos complexo, resolve logo ali. Se é mais grave, leva-se o paciente ao hospital ou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), dependendo da gravidade. Já temos 431 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), para casos de baixa ou média complexidade. Serão mil unidades até 2013, para atender todos.
CC: Uma estratégia para desafogar os hospitais?
JGT: É preciso acabar com essa visão hospitalocêntrica. Estudos mostram que países com foco na atenção primária, como Canadá e Reino Unido, resolvem 80% dos problemas fora dos hospitais. Programas com foco na promoção da saúde são mais eficientes, a relação custo-benefício é melhor e os indicadores de saúde, idem. Basta comparar os índices de saúde dos EUA com a Inglaterra. Os EUA gastam 17% do PIB e a Inglaterra gasta 8%. E todos os indicadores de saúde ingleses são melhores que os americanos. Expectativa de vida, mortalidade infantil, taxa de infecção hospitalar etc. Por quê? Foco na atenção primária.
CC: E a questão da falta de recursos para a saúde?
JGT: O orçamento do Ministério da Saúde é de 60 bilhões de reais. Temos outros 60 bilhões em gastos estaduais e municipais. Isso dá mais ou menos uns 650 reais per capita ao ano. Quando eu pego os gastos da classe média com seguro saúde, dá 1,4 mil reais per capita ao ano. Na Inglaterra, 80% do gasto em saúde é público. No Brasil, é o inverso: 40% do gasto é público e 60%, privado. Se a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, como diz a Constituição, como explicar que a maior parcela do investimento é privada? É preciso inverter essa estrutura de investimento.
CC: O governo federal não poderia equilibrar melhor essa conta?
JGT: A Emenda 29 estabeleceu que 12% das receitas dos estados e 15% dos municípios devem ir para a saúde. Na prática, as cidades todas gastam mais, mas nem todos os estados investem o que deveriam, porque não está definido claramente o que é gasto com saúde. Exemplo: os 70 milhões de reais gastos pelo Paraná com distribuição de leite para as crianças. O estado coloca isso na contabilidade de saúde. Isso não deveria acontecer, porque senão tudo pode ser gasto em saúde. A regra que vale para a União segue uma fórmula: o gasto do ano anterior corrigido pela variação do PIB. Num ano de crescimento econômico, isso é bom. Num ano de crise, é péssimo. A demanda por saúde não para de crescer, aumenta 2% ao ano.
CC: O impacto do fim da CPMF continua pesando?
JGT: Teríamos 40 bilhões de reais a mais atualmente. Por isso o governo propôs um novo tributo, a Contribuição Social da Saúde. Mas ninguém quer aprovar um novo imposto em ano eleitoral. O positivo é que todos os candidatos à Presidência da República explicitaram em seus discursos a necessidade de regulamentar a emenda 29. Mas ainda há uma interrogação: de onde sairão os recursos adicionais para a saúde? Trocando em miúdos, nenhuma alternativa que não garanta ao menos 40 bilhões de reais a mais terá um efeito significativo para a saúde, que está subfinanciado.
CC: Muitos especialistas criticam a existência de uma dupla porta de entrada em hospitais públicos, com atendimento diferenciado a quem é bancado pelo SUS e a quem tem plano de saúde.
JGT: Eu, particularmente, sou contra a dupla porta. Acho que hospital público não deve ter duas portas, deve atender todo mundo sem distinção. A grande maioria dos hospitais particulares atende tanto o SUS como a rede privada. A hotelaria com certeza é diferente. Mas o mesmo tomógrafo é usado pelo paciente do SUS ou da rede privada. O mesmo centro cirúrgico e por aí vai. Se houver critérios diferenciados de acesso, como menor tempo de espera para exames e cirurgias, isso é ilegal. É crime.
CC: Com o problema da desnutrição superado, o elevado crescimento da obesidade no Brasil preocupa especialistas. Mas o governo parece vacilante na hora de impor regras à indústria alimentícia, que oferece produtos calóricos e gordurosos demais.
JGT: Criamos um fórum com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e pactuamos um prazo para a redução dos percentuais de gordura trans nos alimentos. Estamos discutindo a redução do sal e do açúcar. Por que optamos por esse caminho? Há questões tecnológicas envolvidas. As indústrias possuem portes e tecnologias diferentes. É preciso oferecer um prazo de adaptação, porque uma medida mais radical poderia comprometer todo um setor da economia brasileira. O caminho da regulação estrita esbarraria na incapacidade da indústria se adequar.
CC: A Anvisa publicou uma portaria que regulamenta a publicidade de alimentos, mas não aprovou regras específicas da propaganda dirigida a crianças, como pretendia antes. Por quê?
JGT: Houve uma gritaria enorme. Transformaram uma questão de saúde pública em atentado contra a liberdade de expressão. Mas eu não consigo entender como um bichinho pulando numa tela e dizendo para as crianças “coma isso” pode ser interpretado como liberdade de expressão. A Anvisa recuou porque entrou uma questão relacionada não à legitimidade da proposta, e sim à sua legalidade. O argumento de que apenas o Congresso pode regular isso por meio de lei. É o mesmo que ocorreu no caso da cerveja. Mandamos um projeto para regulamentar a publicidade das bebidas alcoólicas e ele dorme em berço esplendido nalguma gaveta do Parlamento. E de lá não sairá, porque os interesses econômicos são fortíssimos. Fiquei chocado de ver, por exemplo, a seleção brasileira ser patrocinada por uma cerveja.
CC: Qual o maior fracasso da sua gestão?
JGT: A incapacidade de regulamentar a Emenda 29. Sou um militante da reforma sanitária e, como ministro, pensei: “Agora vai”. Mas não foi possível. Não conseguimos equacionar o problema do subfinanciamento crônico da saúde.
Rodrigo Martins
Rodrigo Martins é repórter da revista CartaCapital há quatro anos. Trabalhou como editor assistente do portal UOL e já escreveu para as revistas Foco Economia e Negócios, Sustenta!,Ensino Superior e Revista da Cultura, entre outras publicações. Em 2008 foi um dos vencedores do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Fonte:CartaCapital
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