quinta-feira, 3 de março de 2011

Consolidar os partidos


As primeiras discussões da comissão do Senado sobre a reforma política deixam clara a ambiguidade com que os partidos são percebidos em nossa cultura. Todos concordam que são fundamentais para a vida democrática, mas poucos os levam verdadeiramente a sério.

É possível, no entanto, que a legislação partidária seja a área que mais deveria merecer o esforço da comissão. Se de seu trabalho saíssem unicamente a revisão das regras para a criação e o funcionamento dos partidos, já seria suficiente, e ela daria uma imensa contribuição ao aperfeiçoamento de nossas instituições.O Brasil não é o único país democrático onde não existem partidos bem enraizados na sociedade. Todos aqueles saídos de longos ciclos de ditaduras e regimes autoritários são parecidos nesse particular. Nenhum tem uma estrutura partidária consolidada.

Que diferença das democracias maduras. No Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema partidário vem do século XIX e permaneceu estável, apesar de diversas transformações. Novas regras, novas relações com o eleitorado e mesmo novos partidos surgiram, mas a estabilidade do sistema predominou.

Com o passar do tempo, a sociedade veio a reconhecê-los como veículos para a expressão de seus interesses e pontos de vista. Formaram-se identidades, pessoais e familiares, transmitidas de uma geração à outra. Nas cidades e nos bairros, tornou-se possível saber se uma casa era republicana ou democrata, trabalhista ou conservadora.

Aqui, o inverso. A estrutura partidária que temos hoje, ainda que pareça improvisada e precária, é a mais duradoura que tivemos em nossa história como democracia. Nascida no apagar das luzes do ciclo militar e institucionalizada pela Constituição de 1988, ela ultrapassou os 20 anos de vida, mais que a única que se lhe poderia comparar, a da República de 1945. Por mais que os saudosistas se recordem do PSD e da UDN, ambos viveram menos que algumas das irrelevantes legendas de agora.

Mas essa estrutura padece de graves problemas. São tantos que é difícil nomear o pior, que talvez seja o profundo descrédito com que é visto pela sociedade. A vasta maioria dos cidadãos não entende o nosso sistema, não confia nele e não se sente representada pelos partidos que o compõem.

São partidos demais, muitos nascidos da vaidade e do personalismo, alguns que não sobrevivem a uma legislatura, que trocam de identidade e nome, com lideranças desconhecidas (em alguns casos, suspeitas), sem diferenciação programática, capazes de se aliar hoje ao inimigo de ontem. Dos 22 que possuem representação no Congresso, mais quase outros tantos que não elegeram deputados ou senadores em 2010, salvam-se, aos olhos da população, uns três ou quatro. Mais de 95% das pessoas não conseguem dizer o nome de cinco.

Ou tratamos desses problemas ou qualquer reforma política fica comprometida. Pior, corremos o risco de mudar o que não precisa ser mudado, apenas por que não conseguimos mudar o necessário. O resultado poderia ser uma instabilidade institucional evitável.

Pelo que vemos na imprensa, os integrantes da comissão do Senado tendem a confundir causas e efeitos de muitos dos problemas que existem nas regras de funcionamento de nosso sistema político. Querem, por exemplo, resolver no sistema eleitoral os pecados da legislação partidária.

O sistema de voto nominal em lista aberta, que alguns consideram uma aberração brasileira, não é pior, ou melhor, em si que outros existentes no mundo. Até hoje, ninguém conseguiu demonstrar que o voto distrital seja superior. Os dois têm vantagens e desvantagens, cabendo aos países escolher seu preferido.

A opção que fizemos desde a Constituição de 1934 foi por um sistema que reduz a importância dos indivíduos e aumenta a dos partidos. Somar os votos de todos os candidatos que concorrem por cada um é uma forma de reforçar a dependência dos eleitos ao coletivo. Ao contrário de ser uma deturpação, o fato de poucos terem votos suficientes para se eleger sozinhos reforça o compromisso partidário.

Em qualquer forma de voto distrital, desde a tradicional, e, especialmente, no tal “distritão” (invenção sem o menor sentido), ocorre o inverso. Cada um é senhor absoluto de seu mandato, pois não precisou do partido para vencer.

O que queremos? Apenas proclamar nossa crença na importância dos partidos, enquanto dificultamos sua existência? Ou que tenham máximas condições de cumprir seu papel na democracia? É bom pensar nisso, antes de sair mudando as coisas irrefletidamente.


Marcos Coimbra


Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense.

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