Muammar Kaddafi caiu. Desapareceu. Por recados, afirma que não se renderá, em uma tentativa desastrosa de mostrar que ainda tem forças. Sua fraqueza aparece nos discursos contraditórios de seus dois filhos, os únicos que deram as caras depois da queda de Trípoli. Saif al-Islam, o provável sucessor do ditador não fosse a revolução, afirma que Sirte, último reduto do ditador, será defendida por um exército de 20 mil homens. A guerra não acabou, diz ele. Já Saadi, seu outro filho, fala em rendição, para evitar um novo banho de sangue.
Os rebeldes deram o prazo de mais uma semana para adentrar em Sirte. A cidade, afinal, é bastante desenvolvida. Em tempos de reconstrução, destruir um ponto forte da economia líbia seria minar as possibilidades de uma recuperação mais rápida.
Entre os rebeldes também não se vê uma linha de atuação clara. Como adiantado por artigo publicado em CartaCapital há uma semana, as forças contrárias ao regime de Muammar Kaddafi são um “balaio de gatos”. Liberais seculares, islâmicos, e diferentes tribos do país disputam agora a sucessão de poder. Dentro do Conselho Nacional de Transição (CNT), os grupos começam agora a se distinguir. Em Trípoli, diferentes bandeiras são expostas.
A diferenciação ocorre tanto pelo aspecto territorial – antes dos conflitos, a Líbia era um emaranhado de tribos, que Kaddafi fez questão de manter separadas – quanto pelo religioso. O temor é que, com o vácuo de poder que se instalou, surja algum líder religioso capaz de unificar e instalar um novo governo centralizado. Nos últimos dias, a rede Al Jazeera informou que Abdel Hakim al-Hassadi, ex-líder do Grupo Islâmico de Luta Líbio, instaurou-se no controle de um grupo militar, deixando os seculares apreensivos.
Ao contrário do Egito, que viu no exército a saída para organizar o governo de transição, a Líbia não possui instituições militares sólidas. Desde o início dos conflitos, o Exército não se mostrou tão ativo no processo revolucionário quanto em seu vizinho. Mesmo assim, lideranças civis demoram a chegar a Trípoli, abrindo espaço para um comando militar. É cada vez maior a possibilidade de estourar uma nova guerra civil, o que afundaria de vez um país cuja estrutura já foi aniquilada.
Enquanto isso, como também foi lembrado por CartaCapital, os verdadeiros vencedores nesse cenário começam a repartir seu prêmio. Detentores do dinheiro de Kaddafi, que está sendo descongelado e enviado à Líbia, os países da OTAN discutem nesta quinta-feira 1º o redesenho do território destroçado. Personagem fundamental para a derrota do ditador, a OTAN é tida como aliada pelo Conselho Nacional de Transição.
Na quarta-feira 31, o CNT rejeitou a presença militar da ONU e demais países. Mas tem se mostrado disposto a fechar contratos com potências do primeiro mundo para a reconstrução. As obras e aquisições serão pagas, claro, com a fortuna de Kaddafi que começa a aflorar de contas em bancos europeus e americanos. A expectativa é que a reunião em Paris libere quase 5 bilhões de dólares. A França é o principal protagonista do processo. Afinal, foi Nicolas Sarkozy quem convocou a reunião em março que deflagrou a operação militar na Líbia. E agora é quem dirige os “esforços de reconstrução”.
Os Brics também foram chamados à reunião. Mas aguardam insatisfeitos, tentando se inserir num processo do qual desde o início foram excluídos. China e Rússia, por exemplo, querem garantir que contratos da era Kaddafi sejam mantidos. E a Rússia tratou de aprovar nesta quinta-feira 1º o CNT como governo legítimo. O Brasil entra discreto, mas afirmou que deve reconhecer autonomia do povo líbio.
Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o filósofo Gilles Lapouge, relembra um ponto crucial do episódio: a disputa pelo petróleo. Afinal, a Líbia era, até o início dos conflitos, um dos maiores produtores mundiais da riqueza. E deve resgatar seu posto nos próximos meses. A francesa Total já demonstra interesse em expandir suas atividades no país. Não será a única. A guerra na Líbia é, sem dúvida, um negócio lucrativo.
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