Demóstenes Torres errou a conta. Cassado por quebra de decorro parlamentar
pelo voto de 56 senadores dentre os 81 que compõem a casa, Demóstenes teve o
voto contrário à sua cassação de 19 senadores e a abstenção de outros três, o
que implica que 24 foram favoráveis à sua permanência no Senado Federal.
Apostando na proteção do anonimato, garantido pelo voto secreto em plenário, o
erro de Demóstenes foi de 17 votos.
Não se depreenda, entretanto, que a cassação do ex-arauto da moralidade
pública no Senado tenha sido a redenção dos demais senadores, que teriam
afirmado seu repúdio à corrupção e à convivência conspícua com a delinquência,
ou, ainda, que a mais alta casa legislativa do país tenha dado demonstração de
que não mais será convivente com o tráfego de influência e não mais
contemporizará com os senadores que o praticarem.
Os exemplos pregressos são negativos. O mesmo Senado que hoje cassou
Demóstenes Torres por quebra do decoro parlamentar foi o que absolveu Renan
Calheiros, em 2009, ou, ainda, que absolveu Jaqueline Roriz, no ano passado,
ambos acusados da mesma falta, que foram amplamente documentadas. Tal como
Demóstenes, Renan Calheiros e Jaqueline Roriz foram acusados de se envolver com
corruptos e de mentir para seus pares, a fim de negar suas faltas. Mais do que
no caso de Demóstenes, havia provas que incriminavam Calheiros e Roriz. O
primeiro teve contas pessoais pagas por lobistas e falsificou documentos que o
comprometiam. A última aparecia em um vídeo, amplamente divulgado, recebendo
dinheiro ilícito.
Ao contrário do que aconteceu com Calheiros e com Roriz, entretanto,
Demóstenes foi cassado porque se viu sozinho. Desligado do DEM por iniciativa
própria, antes que o expulsassem, Demóstenes não contou com a solidariedade dos
seus pares e das grandes lideranças do Senado, como contaram Calheiros e Roriz,
nem teve a seu favor as pressões de setores governistas, como teve Renan
Calheiros. Foram estes os motivos pelos quais Demóstenes foi cassado ontem e os
dois outros foram absolvidos.
Como nos dois episódios anteriores, a votação de ontem, que definiu a
cassação de Demóstenes, foi secreta. Apostando no voto secreto para conseguir
sua absolvição, Demóstenes acreditou que poderia obter a solidariedade da
maioria dos senadores, que votariam movidos por sentimentos corporativos. Não
contava ele com a vingança daqueles que vilipendiou durante todo o tempo em que
pousou como vestal, quando, fingindo indignação, fazia denúncias e exigia
punições. Não contava, além disso, com a decepção e a indignação de muitos dos
que anteriormente o admiravam e confiavam em suas ações.
O corporativismo dos senadores, além disso, pode ter funcionado ao contrário.
Visando manter suas prerrogativas e procurando garantir a prática do voto
secreto para a tomada das decisões delicadas, os senadores podem ter votado pela
cassação de Demóstenes Torres para dar uma satisfação à opinião pública e tentar
convencê-la de que seus votos não precisam ser expostos para que seja respeitada
a vontade de seus eleitores.
Independente dos motivos que possam ter movido os senadores na votação de
ontem, aplauda-se a atitude moralizante que, finalmente, adotaram. Como bem
afirma a sabedoria popular, “antes tarde do que nunca!”. Para que atitudes como
esta tornem-se mais frequentes, no entanto, é bom que ninguém se iluda, será
preciso que o regimento interno de todas as casas legislativas brasileiras sejam
alterados. Tanto no Senado, quanto na Câmara dos Deputados, nas Assembleias
Legislativas de cada Estado e nas Câmaras de Vereadores de todos os municípios
brasileiros será preciso que o voto dos representantes populares seja sempre
aberto, independente do tipo de decisão que tenha de ser tomada. Só assim estará
garantida a transparência dos atos do poder Legislativo e assegurada a
possibilidade de a opinião pública e os eleitores fiscalizarem efetivamente as
posturas adotadas por aqueles que são eleitos para representá-los e para
defender os interesses coletivos.Sul21
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