Como sabem todos os operadores do Direito, a Justiça brasileira está entre as mais lentas do planeta. O exagerado tempo de duração processual poderá evitar, por perda de objeto, cassações de mandatos parlamentares. Assim se esvaziará um iminente dissenso entre o Judiciário e o Legislativo. Com efeito, dificilmente acontecerão as perdas dos mandatos dos três deputados condenados no processo apelidado de “mensalão” antes do término da presente legislatura. A perda de mandato parlamentar, segundo a Constituição, só pode ocorrer depois do trânsito em julgado do acórdão (sentença), ou seja, quando esgotada a via recursal. E isso demora muito, bem mais do que a metade do tempo que resta da legislatura em curso.
João Paulo Cunha, deputado federal e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi condenado por cinco votos pelo crime de lavagem de dinheiro. Por isso, e a impedir o trânsito em julgado, caberá o recurso de embargos infringentes previsto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). A tramitação do recurso será lenta, haverá um novo relator sorteado e participará, além do recém-empossado Teori Zavascki, o ministro que ocupará a cadeira do aposentado Carlos Ayres Britto.
Os condenados Valdemar Costa Neto e Pedro Henry só poderão usar do recurso de embargos de declaração, mais simples e limitado a corrigir contradições, omissões e erros materiais do acórdão (sentença). Para se ter uma ideia de tempo, o deputado Natan Donadon, que não é réu no “mensalão”, está condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias em regime inicial fechado. O acórdão foi publicado em 2010, mas não transitou em julgado porque pendentes de julgamento os embargos de declaração, só julgados na quinta-feira 13.
Quanto a José Borba, prefeito de Jandaia do Sul condenado por corrupção no “mensalão”, a questão da perda de mandato eletivo deu-se no STF e por unanimidade. A polêmica no Supremo referiu-se apenas a mandato parlamentar. A regra especial contida no artigo 55, VI, parágrafo 2º da Constituição, contempla deputados e senadores. Assim mesmo, Borba poderá interpor embargos, que jamais serão apreciados antes do fim do seu mandato, em 1º de janeiro de 2013.
Por outro lado e como a condenação definitiva representa condição necessária à perda de mandato, nada impedirá que o suplente José Genoino assuma, em janeiro, a cadeira vaga em razão da posse do deputado federal Carlinhos Almeida no cargo de prefeito do município paulista de São José dos Campos. Genoino continua presumidamente inocente e como teve quatro votos absolutórios pelo crime de formação de quadrilha terá como cumprir, em face da longa tramitação dos embargos infringentes, os dois anos de mandato de deputado que lhe restarão.
Com as colocações acima não se quer dizer que nada será mudado. Ao contrário, a decisão do STF preocupa e já há quem fale em ditadura do Judiciário. Além de desprezar o sistema de freios e contrapesos, desconsiderou-se uma regra específica de proteção ao mandato popular. Pela Constituição, hierarquicamente acima do Código Penal, apenas a Câmara, no caso de -deputado com condenação criminal definitiva, pode cassar mandato popular, por votação secreta, maioria absoluta e tudo antecedido de ampla defesa. O mesmo se dá com relação ao Senado.
Sob o argumento da “inconsequência”, os ministros do STF devem, por 5 votos contra 4, mudar o pacífico entendimento jurisprudencial. Celso de Mello ainda não votou devido à imprevista internação para tratar uma pneumonia, mas tende a seguir o voto do relator. Mais ainda: reduziram o alcance da norma constitucional às condenações por crimes de menor potencial ofensivo e culposos. Ora, não se trata de presumir que a Câmara não vai cassar os mandatos dos deputados condenados no “mensalão”. O preocupante é o STF se colocar como guardião abusivo da Constituição e invadir atribuição exclusiva do Congresso.
A Constituição, por evidente, não tem regras inúteis e soube separar o jurisdicional do político. E está claro que o constituinte, com base na doutrina estrangeira, no sistema de freios e contrapesos, reservou aos eleitos diretamente pelo povo a garantia da cassação de mandato pelos seus pares.
No momento, o presidente da Câmara, Marco Maia, protesta e anuncia que não vai engolir a decisão do STF. Entre os operadores do Direito fala-se que supremas vaidades não aceitam que a Câmara possa, em cumprimento ao princípio da ampla defesa, colher testemunhos e reabrir discussões sobre o “mensalão”.
Embora seja difícil de acontecer, o Congresso Nacional poderia dar o troco por anistia. Por exemplo, considerar crime político (caixa 2) o perpetrado pelos réus deputados e aqueles do chamado núcleo político, liderados por José Dirceu. Se aprovada a anistia pelo Congresso, estaria extinta a punibilidade. E a anistia apaga o crime e as demais consequências de natureza penal, ou seja, as perdas de mandato.
Wálter Maierovitch
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