Recorrente, como um soluço no imaginário social, o milenarismo não contagia apenas mentes ingênuas e visões de mundo primitivas.
Autoridades e forças políticas muitas vezes se comportam também como peças de uma inexorável mecânica de desfecho datado e irreversível.
O milenarismo tem origem numa contabilidade religiosa fatídica: um milênio sob Cristo; depois, o Diabo.
Às vezes o fatalismo pega carona em 'sinais' correlatos, como agora. Interpretações apocalípticas, ou apenas oportunistas, anunciaram o fim do mundo neste dia 21 de dezembro de 2012, ao término do 13º giro, de 393 anos cada, do calendário maia.
Na concepção religiosa original um círculo iniciado há milhares de anos se fecha. Reabre-se um novo.
Para o milenarismo ligeiro é o apocalipse, o fim, a tragédia.Contra ela não há apelação.É esperar e sucumbir.
A concepção da história como um destino que caminha para o esgotamento, um fio de azeite sugado no miolo do pão, ressurge não raro quando massas de força de aparência incontrolável conduzem a humanidade a um horizonte engessado, como que desprovido da dialética.
A crise sistêmica do capitalismo, blindada desde 2008 pelo poder de persuasão do seu aparato ideológico, encerra certo incentivo ao desespero milenarista.
A percepção do matadouro existe; seus contornos se estreitam. Alternativas são desautorizadas . O velho aparato interdita a busca de novos caminhos. Instituições são capturadas pela crise; a sociedade é destituída das suas salvaguardas. Governantes mugem como gado no rumo do abate. Pode ser no próximo ajuste. Ou nas urnas.
Seria preciso reformar as instituições democráticas para enfrentar a abrangência e a profundidade de uma crise como a atual.
O dispositivo midiático cuida de interditar esse debate.E toma a lição de casa a cada dia. No café da manhã, à tarde e na sabatina da noite.
Como discutir novos caminhos e repactuar consensos se o espaço da liberdade de expressão foi congestionado pelo monólogo da reiteração conservadora?
A pergunta argui o milenarismo de governos que aceitam as limitações institucionais com a mesma fatalidade dos que aguardam o apocalipse no fecho do círculo maia.
A economia brasileira é parte indissociável dessa paralisia mundial.
A travessia iniciada em 2008 avançou do arcabouço neoliberal para um modelo de desenvolvimento em que o comando do Estado subtraiu algum espaço à supremacia financeira asfixiante.
A redução de cinco pontos nas taxas de juros em 12 meses abalou o chão firme do dinheiro grosso. Hoje ele anda em círculos diante da encruzilhada: ou derruba o governo e sobe a Selic; ou comete a eutanásia do rentista e se transfigura em capital produtivo, como aconselhava Keynes, que não era um bolchevique.
A supremacia financeira uiva, ruge e manda recados, em idioma local e forâneao. Fica bem pedir a cabeça de Mantega em inglês. Ou elogiar o sultanato do judiciário incentivando prisões de petistas antes do Natal.
O fim de 2012 marca a intersecção dessas travessias e impasses.
A redução imposta às taxas de juros dará ao Estado brasileiro uma folga da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões em 2013. Dinheiro subtraído ao rentismo à disposição do investimento público.
O governo poderá destiná-lo a desonerações fiscais e a investimentos em infraestrutura. Poderá beneficiar as condições de vida da população e a engrenagem da produção.
O governo Dilma só não pode desmoralizar o comando estatal das finanças com dinheiro parado no cofre.
Os anos 90 criaram no Brasil um monumento neoliberal.
Um Estado feito para não funcionar.
Uma engrenagem desprovida de agilidade, sem quadros de ponta capaz de ativa-la, necrosada na capacidade de planejamento, corroída na gestão operacional; drenada pelo rentismo; sem fundos públicos suficientes e carente de legitimidade política.
Muita coisa mudou para melhor em 10 anos de gestão petista --sobretudo na esfera das políticas sociais.
Mas a jóia do legado tucano não foi superada, está longe de sê-lo e se engana quem pretender que o seja apenas com o lubrificante da boa gestão --indispensável, mas insuficiente.
Criou-se neste país um Estado anti-estatal. Um aparato esquizofrênico que se acanha de si mesmo, fatiado em normas labirínticas que exaurem o impulso do desenvolvimento em vez de alimenta-lo.
O que trava o passo seguinte da economia hoje no Brasil não é a falta de recurso, mas a falta de poder de comando do Estado.
O milenarismo economicista deduz daí que não há alternativa à restauração privatista. O fato, porém, é que sob a névoa da maior crise do capitalismo em 80 anos, a iniciativa privada não vai a lugar nenhum sem a indução estatal do comboio.
Desobstruir o Estado --despi-lo dos torniquetes neoliberais-- seria encrespar ainda mais o embate político num calendário já congestionado pela largada eleitoral de 2014,argumenta-se.
A essa altura pode ser verdade. Mas à contabilidade dos interditos vem somar-se as operações conjuntas ---bem sucedidas-- das togas, da mídia e demais interesses contrariados nessa transição. O espaço se estreita de forma exasperante.
É esse o objetivo conservador.
A areia da ampulheta acelera a contagem regressiva para o escrutínio político dos conflitos.
2013 será um longo e sanguinário ensaio para 2014.
Insistir na inércia fatalista é quase um contrato de pronta-entrega da cabeça ao matadouro.
A opção à paralisia converge cada vez mais para quatro letras que romperam seu ostracismo no vocabulário do PT e de ministros próximos a Lula nos últimos dias: ruas.
Coube ao ex-presidente da República nesta quarta-feira --às vésperas do 'fatídico' 21-12-2012-- dar a esse resgate vernacular a dimensão de um compromisso que reabre o calendário das ruas na história brasileira.
Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula anunciou um novo ciclo ciclo de mobilizações, cujo esgotamento havia sido perigosamente incorporado à visão fatalista da crise dentro e fora do governo.
De volta à estrada, Lula despacha o Ano Velho e sacode a pauta do Ano Novo:
"No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade" (Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, nesta 4ª feira, 19-12).
Feliz 2013.
Autoridades e forças políticas muitas vezes se comportam também como peças de uma inexorável mecânica de desfecho datado e irreversível.
O milenarismo tem origem numa contabilidade religiosa fatídica: um milênio sob Cristo; depois, o Diabo.
Às vezes o fatalismo pega carona em 'sinais' correlatos, como agora. Interpretações apocalípticas, ou apenas oportunistas, anunciaram o fim do mundo neste dia 21 de dezembro de 2012, ao término do 13º giro, de 393 anos cada, do calendário maia.
Na concepção religiosa original um círculo iniciado há milhares de anos se fecha. Reabre-se um novo.
Para o milenarismo ligeiro é o apocalipse, o fim, a tragédia.Contra ela não há apelação.É esperar e sucumbir.
A concepção da história como um destino que caminha para o esgotamento, um fio de azeite sugado no miolo do pão, ressurge não raro quando massas de força de aparência incontrolável conduzem a humanidade a um horizonte engessado, como que desprovido da dialética.
A crise sistêmica do capitalismo, blindada desde 2008 pelo poder de persuasão do seu aparato ideológico, encerra certo incentivo ao desespero milenarista.
A percepção do matadouro existe; seus contornos se estreitam. Alternativas são desautorizadas . O velho aparato interdita a busca de novos caminhos. Instituições são capturadas pela crise; a sociedade é destituída das suas salvaguardas. Governantes mugem como gado no rumo do abate. Pode ser no próximo ajuste. Ou nas urnas.
Seria preciso reformar as instituições democráticas para enfrentar a abrangência e a profundidade de uma crise como a atual.
O dispositivo midiático cuida de interditar esse debate.E toma a lição de casa a cada dia. No café da manhã, à tarde e na sabatina da noite.
Como discutir novos caminhos e repactuar consensos se o espaço da liberdade de expressão foi congestionado pelo monólogo da reiteração conservadora?
A pergunta argui o milenarismo de governos que aceitam as limitações institucionais com a mesma fatalidade dos que aguardam o apocalipse no fecho do círculo maia.
A economia brasileira é parte indissociável dessa paralisia mundial.
A travessia iniciada em 2008 avançou do arcabouço neoliberal para um modelo de desenvolvimento em que o comando do Estado subtraiu algum espaço à supremacia financeira asfixiante.
A redução de cinco pontos nas taxas de juros em 12 meses abalou o chão firme do dinheiro grosso. Hoje ele anda em círculos diante da encruzilhada: ou derruba o governo e sobe a Selic; ou comete a eutanásia do rentista e se transfigura em capital produtivo, como aconselhava Keynes, que não era um bolchevique.
A supremacia financeira uiva, ruge e manda recados, em idioma local e forâneao. Fica bem pedir a cabeça de Mantega em inglês. Ou elogiar o sultanato do judiciário incentivando prisões de petistas antes do Natal.
O fim de 2012 marca a intersecção dessas travessias e impasses.
A redução imposta às taxas de juros dará ao Estado brasileiro uma folga da ordem de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões em 2013. Dinheiro subtraído ao rentismo à disposição do investimento público.
O governo poderá destiná-lo a desonerações fiscais e a investimentos em infraestrutura. Poderá beneficiar as condições de vida da população e a engrenagem da produção.
O governo Dilma só não pode desmoralizar o comando estatal das finanças com dinheiro parado no cofre.
Os anos 90 criaram no Brasil um monumento neoliberal.
Um Estado feito para não funcionar.
Uma engrenagem desprovida de agilidade, sem quadros de ponta capaz de ativa-la, necrosada na capacidade de planejamento, corroída na gestão operacional; drenada pelo rentismo; sem fundos públicos suficientes e carente de legitimidade política.
Muita coisa mudou para melhor em 10 anos de gestão petista --sobretudo na esfera das políticas sociais.
Mas a jóia do legado tucano não foi superada, está longe de sê-lo e se engana quem pretender que o seja apenas com o lubrificante da boa gestão --indispensável, mas insuficiente.
Criou-se neste país um Estado anti-estatal. Um aparato esquizofrênico que se acanha de si mesmo, fatiado em normas labirínticas que exaurem o impulso do desenvolvimento em vez de alimenta-lo.
O que trava o passo seguinte da economia hoje no Brasil não é a falta de recurso, mas a falta de poder de comando do Estado.
O milenarismo economicista deduz daí que não há alternativa à restauração privatista. O fato, porém, é que sob a névoa da maior crise do capitalismo em 80 anos, a iniciativa privada não vai a lugar nenhum sem a indução estatal do comboio.
Desobstruir o Estado --despi-lo dos torniquetes neoliberais-- seria encrespar ainda mais o embate político num calendário já congestionado pela largada eleitoral de 2014,argumenta-se.
A essa altura pode ser verdade. Mas à contabilidade dos interditos vem somar-se as operações conjuntas ---bem sucedidas-- das togas, da mídia e demais interesses contrariados nessa transição. O espaço se estreita de forma exasperante.
É esse o objetivo conservador.
A areia da ampulheta acelera a contagem regressiva para o escrutínio político dos conflitos.
2013 será um longo e sanguinário ensaio para 2014.
Insistir na inércia fatalista é quase um contrato de pronta-entrega da cabeça ao matadouro.
A opção à paralisia converge cada vez mais para quatro letras que romperam seu ostracismo no vocabulário do PT e de ministros próximos a Lula nos últimos dias: ruas.
Coube ao ex-presidente da República nesta quarta-feira --às vésperas do 'fatídico' 21-12-2012-- dar a esse resgate vernacular a dimensão de um compromisso que reabre o calendário das ruas na história brasileira.
Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula anunciou um novo ciclo ciclo de mobilizações, cujo esgotamento havia sido perigosamente incorporado à visão fatalista da crise dentro e fora do governo.
De volta à estrada, Lula despacha o Ano Velho e sacode a pauta do Ano Novo:
"No ano que vem, para alegria de muitos e tristeza de poucos, voltarei a andar por este país. Vou andar pelo Brasil porque temos ainda muita coisa para fazer, temos de ajudar a presidenta Dilma e trabalhar com os setores progressistas da sociedade" (Lula, na posse da nova diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, nesta 4ª feira, 19-12).
Feliz 2013.
Saul Leblon-Carta Maior
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