terça-feira, 18 de dezembro de 2012

STF: um sultão num país de eunucos?

 

A Suprema Corte, como o próprio nome indica, existe para ser a instância máxima a dirimir as pendências constitucionais de uma Nação.

Sobretudo, foi concebida para erguer linhas de passagem que superem interpretações divergentes em torno da Carta Magna, evitando-se crises institucionais, antecipando-se a elas, ademais de calafetar hiatos decorrentes de elisões constituintes.

Assim entendido, o Supremo é a extensão permanente do poder constituinte que o originou.

Mas não acima de qualquer circunstância.

Sobretudo, não como um usurpador do equilíbrio de poderes no qual se assenta a estabilidade da democracia.

Esse, infelizmente, foi e tem sido o conceito autoritário e oportunista de suprema instância evocado pela coalizão conservadora que capturou o STF. Serve-se dele abertamente para impor uma revanche à esquerda que a derrotou sucessivamente nas urnas presidenciais desde 2002.

Como lembrou recentemente o professor Alfredo Bosi, a prerrogativa da instância suprema pressupõe a plena autonomia em relação ao dinheiro, à burocracia viciosa e à endogamia dos favores espúrios.

O monopólio da última palavra cobra das togas a necessária temperança nas decisões que revalidem esse apanágio.

O papel de reserva constitucional da sociedade --que não pode ser mobilizada a todo instante para escrutinar suas pendências; mas deveria sê-lo com maior frequência-- está indissociavelmente atrelado à validação dessa equidistância acomodatícia que se renova a cada sentença.

Não se trata de uma terceirização absoluta da soberania popular.

A esta sim, cabe entre outras prerrogativas aquela suprema de se refundar enquanto sujeito histórico. E convocar uma nova assembleia constituinte, capaz de redordenar o pacto social, cuja istitucionalidade caberá a uma suprema instância preservar e aperfeiçoar.

O mandato das togas reafirma-se nesse exercício do discernimento histórico e jurídico, chamado a recosturar permanentemente a argamassa que ordena as fricções institucionais inerentes aos interesses conflitantes da sociedade.

Nada mais distante disso do que a soberba egocêntrica e o autoritarismo arestoso que marcariam os quatro meses e meio de julgamento da Ação Penal 470, concluído a caráter nesta 2ª feira.

Ilustrativo da escalada tangida a holofotes, o voto do ministro Celso de Mello não poupou a própria biografia jurídica na sofreguidão de atender ao script condenatório prevalecente.

A decisão de afrontar o poder Legislativo impondo-lhe uma genuflexão humilhante diante de cassações de mandatos soberanos, nivelou a Suprema Corte à exacerbação midiática que logrou fazer da Ação 470 o cavalo de Tróia da campanha eleitoral conservadora de 2014.

Perde toda a Nação quando uma Corte Suprema deixa de ser referência para ser referido.

Ao tomar partido, o STF tornou-se um foco irradiador de impasses; uma usina de sobressaltos constitucionais.

Trocou a equidistância das togas pelo turbante de um sultão e pretende fazer do país uma democracia de eunucos.

Ressente-se a sociedade brasileira, perigosamente, de uma Corte Suprema que ao contrário de conflagrar a democracia a pacifique, ao contrário de despretigia-la a engrandeça, ao contrário de tumultua-la a estabilize.

Cabe a quem de direito ocupar o vácuo com uma liderança de serenidade e desassombro, capaz de reconduzir a democracia e o desenvolvimento brasileiro aos trilhos pactuados nas urnas nos últimos 10 anos. Não se trata de um fecho exclamativo, mas de uma agenda de providências e de coragem a ser acionada. E logo.
Saul Leblon-Carta Maior

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