Biedermann foi punido, não por não ignorar os incendiários - mas por não tê-los enfrentado. É uma história tão óbvia e tão atual que, por isso mesmo, não parece ocioso relembrá-la. E é tudo o que não serve de exemplo para o que se presume vir pela frente. Ou o PT acha que a direita escancarada da mídia e de certos meios jurídicos, são democráticos e vão respeitar as regras de um real democracia?
Enio Squeff
Parece estar certo o Gilberto Maringoni ao afirmar que o PT está se encolhendo a cada ataque, tanto do STF, quanto dos partidos de oposição ( leia-se da imprensa hegemônica). Na já longínqua década de 60, quando o teatro engajado estava em alta, uma peça que fez muito sucesso, suscitava exatamente essa questão: era de autoria do suíço Max Frisch (1911-1991) e se chamava "Biedermann e os incendiários".
Aparentemente, tratava de um tema banal, mas que é rigorosamente pertinente ao nosso tempo e ao nosso espaço. Contava a história de Biedermann, que resolveu abrigar desconhecidos em sua casa e que, contra todas as evidências que o alertavam serem seus hospedes, criminosos - incendiários - dispôs-se a tolerar que eles armazenassem gasolina, e combustíveis em sua casa. Um dia deu-se o esperado. A casa de Biedermann veio abaixo, tomada pelas chamas.
Era um alegoria. Assim como os social democratas deixaram-se tomar pelo neoliberalismo, e os incautos de 64 - contra todos os indícios de golpe - entregamos o governo do Brasil à ditadura - o alerta de Max Frisch parece reanimar uma velha discussão: até onde os sinais de golpe transparecem no julgamento, no mínimo, insólito do chamado mensalão, e agora na possibilidade de cassação do STF dos deputados por ele condenados? A pergunta sugere fazer sentido, exatamente pelos indícios. Noticia-se que há dias o cineasta Silvio Tendler teria sido chamado a depor, num processo, por, entre outros, ter denunciado que, não obstante um decreto explícito da presidenta Dilma Rousseff, o Clube Militar do Rio continuava a comemorar o golpe de 31 de março de 1964.
A ser verdade, o respeitável cineasta estaria sendo constrangido por denunciar um ato de insubordinação de funcionários públicos fardados, que se recusam a cumprir uma determinação da chefe suprema das Forças Armadas, que é a Presidenta da República. Ao que fica, ao anistiar os criminosos encastelados no Estado, o Supremo Tribunal Federal teria lhes dado amplas garantias para que continuassem a desprezar as leis; e a teimar em considerar um ato heróico e sem mancha para as Forças Armadas, proteger os que prenderam, torturaram e mataram em nome do Estado - e das Forças Armadas. Ou seja, o mesmo STF que no momento cria uma crise institucional, ao querer cassar deputados ao arrepio da Constituição, parece fazer ouvidos moucos à clara intimidação de cidadãos que ousam denunciar o descumprimento da lei por parte dos recalcitrantes defensores do golpe de 64.
Parece haver nisso tudo, um processo indulgentes com o poder real ou presumido. É preocupante. Já que Biedermann tem medo de se assumir, como chefe da casa, e expulsar os incendiários, resta sempre a tolerância, justamente para quem não se deve tê-la, sejam aos intérpretes de leis que prescindem de provas para condenar réus, sejam aos opositores desonestos, estribados na confluência de suas teses, com a parte da opinião da mídia que inventa, mente e não se mostra minimamente comprometida com qualquer coisa parecida com a democracia.
A questão, porém, coloca-se mais à presidência da República do que a qualquer outra autoridade federal. Ou alguém acha que algum ministro fala por si, quando mostra leniência com os atos políticos do STF?
Há uma história que envolve a antiga Andaluzia - reino islâmico da Península Ibérica - que lembra a surpresa abastardada dos derrotados. Conta-se que o último rei islâmico de Granada, Boabdil , chamado "El Chico" ( "O pequeno), ao ser destronado e ao ver, de longe, a sua capital ser tomada pelos cristãos - teria começado a chorar. Foi quando teve de ouvir da sua velha mãe uma frase que, no fundo, deveria ter ressoado nos ouvidos dos "Biedermanns"de todas as épocas: a velha sultana lhe teria dito, então :"Choras como mulher, o que não conseguiste salvar como homem".
Nada mais injusto comparar a presidenta Dilma, sob qualquer título, a Biedermann ou a Boabdil, El Chico. Ninguém mais que ela merece o respeito por sua valentia perante os torturadores covardes que pretendiam intimidar uma quase menina; e que são sempre defendidos por alguns generais de pijama que deveriam se envergonhar por elegerem heróis que não merecem sequer ser lembrados: como se as Forças Armadas brasileiras precisassem de tipos façanhudas e covardes em seu elenco de nomes históricos dignos e valentes. Rondon foi um deles, mas Euclides da Cunha em seu "Os Sertões"ainda hoje o maior repto ao massacre de Canudos perpetrado pelo exército brasileiro, não esquece de ressaltar o heroísmo dos coronéis Thompson Flores e Tupi Caldas, dois autênticos valentes para só mencionar alguns deles. E que são muitos mais se considerarmos não apenas aos que resistiram ao golpe, mas a outros que teimam a fazer da sua farda um compromisso com a honradez e a decência. Em suma, não parece o caso de se defender quem quer que seja; a história sabe os seus nomes, para repetir um bordão comum.
A questão, contudo, persiste. O deputado Odair Cunha parece ter sido punido por sua pusilanimidade. Aceitou não imputar nomes que não convinham não só à oposição, mas à chamada "base aliada". Outros atos de subserviência sobrevirão, certamente, já que até agora só o presidente Marco Maia, da Câmara parece disposto a resistir ao que, a essas alturas, já configura um governo juridicista. É o que importa.
Biedermann foi punido, não por não ignorar os incendiários - mas por não tê-los enfrentado. É uma história tão óbvia e tão atual que, por isso mesmo, não parece ocioso relembrá-la. Mas é o que se tem hoje no Brasil. E é tudo o que não serve de exemplo para o que se presume vir pela frente. Ou o PT acha que a direita escancarada da mídia e de certos meios jurídicos, são democráticos e vão respeitar as regras de um real democracia? Se for isso, vale a reflexão do Maringoni, com o adendo indispensável de que a presidenta talvez saiba de Biedermann, já que do outro lado, dos incendiários, ela deve ( ou deveria) saber muito bem.
Em tempo e a propósito de algumas perguntas que não se fazem (a começar por parte do PT): de que cofre público, afinal, saiu o dinheiro do chamado "mensalão"? Em que contas foi depositado?
Quanto ao mais, é difícil - senão impossível - ignorar a palavra ódio do ato do procurador geral de querer prender os condenados do dito "mensalão", antes do Natal. Só uma raiva profundamente entranhada explica essa pirotecnia explícita. E a isso os jornalões chamam, sem pejo, de "Justiça Brasileira". Digamos antes, é a justiça à brasileira. Mesmo assim vale a pergunta: e Biedermann?
Aparentemente, tratava de um tema banal, mas que é rigorosamente pertinente ao nosso tempo e ao nosso espaço. Contava a história de Biedermann, que resolveu abrigar desconhecidos em sua casa e que, contra todas as evidências que o alertavam serem seus hospedes, criminosos - incendiários - dispôs-se a tolerar que eles armazenassem gasolina, e combustíveis em sua casa. Um dia deu-se o esperado. A casa de Biedermann veio abaixo, tomada pelas chamas.
Era um alegoria. Assim como os social democratas deixaram-se tomar pelo neoliberalismo, e os incautos de 64 - contra todos os indícios de golpe - entregamos o governo do Brasil à ditadura - o alerta de Max Frisch parece reanimar uma velha discussão: até onde os sinais de golpe transparecem no julgamento, no mínimo, insólito do chamado mensalão, e agora na possibilidade de cassação do STF dos deputados por ele condenados? A pergunta sugere fazer sentido, exatamente pelos indícios. Noticia-se que há dias o cineasta Silvio Tendler teria sido chamado a depor, num processo, por, entre outros, ter denunciado que, não obstante um decreto explícito da presidenta Dilma Rousseff, o Clube Militar do Rio continuava a comemorar o golpe de 31 de março de 1964.
A ser verdade, o respeitável cineasta estaria sendo constrangido por denunciar um ato de insubordinação de funcionários públicos fardados, que se recusam a cumprir uma determinação da chefe suprema das Forças Armadas, que é a Presidenta da República. Ao que fica, ao anistiar os criminosos encastelados no Estado, o Supremo Tribunal Federal teria lhes dado amplas garantias para que continuassem a desprezar as leis; e a teimar em considerar um ato heróico e sem mancha para as Forças Armadas, proteger os que prenderam, torturaram e mataram em nome do Estado - e das Forças Armadas. Ou seja, o mesmo STF que no momento cria uma crise institucional, ao querer cassar deputados ao arrepio da Constituição, parece fazer ouvidos moucos à clara intimidação de cidadãos que ousam denunciar o descumprimento da lei por parte dos recalcitrantes defensores do golpe de 64.
Parece haver nisso tudo, um processo indulgentes com o poder real ou presumido. É preocupante. Já que Biedermann tem medo de se assumir, como chefe da casa, e expulsar os incendiários, resta sempre a tolerância, justamente para quem não se deve tê-la, sejam aos intérpretes de leis que prescindem de provas para condenar réus, sejam aos opositores desonestos, estribados na confluência de suas teses, com a parte da opinião da mídia que inventa, mente e não se mostra minimamente comprometida com qualquer coisa parecida com a democracia.
A questão, porém, coloca-se mais à presidência da República do que a qualquer outra autoridade federal. Ou alguém acha que algum ministro fala por si, quando mostra leniência com os atos políticos do STF?
Há uma história que envolve a antiga Andaluzia - reino islâmico da Península Ibérica - que lembra a surpresa abastardada dos derrotados. Conta-se que o último rei islâmico de Granada, Boabdil , chamado "El Chico" ( "O pequeno), ao ser destronado e ao ver, de longe, a sua capital ser tomada pelos cristãos - teria começado a chorar. Foi quando teve de ouvir da sua velha mãe uma frase que, no fundo, deveria ter ressoado nos ouvidos dos "Biedermanns"de todas as épocas: a velha sultana lhe teria dito, então :"Choras como mulher, o que não conseguiste salvar como homem".
Nada mais injusto comparar a presidenta Dilma, sob qualquer título, a Biedermann ou a Boabdil, El Chico. Ninguém mais que ela merece o respeito por sua valentia perante os torturadores covardes que pretendiam intimidar uma quase menina; e que são sempre defendidos por alguns generais de pijama que deveriam se envergonhar por elegerem heróis que não merecem sequer ser lembrados: como se as Forças Armadas brasileiras precisassem de tipos façanhudas e covardes em seu elenco de nomes históricos dignos e valentes. Rondon foi um deles, mas Euclides da Cunha em seu "Os Sertões"ainda hoje o maior repto ao massacre de Canudos perpetrado pelo exército brasileiro, não esquece de ressaltar o heroísmo dos coronéis Thompson Flores e Tupi Caldas, dois autênticos valentes para só mencionar alguns deles. E que são muitos mais se considerarmos não apenas aos que resistiram ao golpe, mas a outros que teimam a fazer da sua farda um compromisso com a honradez e a decência. Em suma, não parece o caso de se defender quem quer que seja; a história sabe os seus nomes, para repetir um bordão comum.
A questão, contudo, persiste. O deputado Odair Cunha parece ter sido punido por sua pusilanimidade. Aceitou não imputar nomes que não convinham não só à oposição, mas à chamada "base aliada". Outros atos de subserviência sobrevirão, certamente, já que até agora só o presidente Marco Maia, da Câmara parece disposto a resistir ao que, a essas alturas, já configura um governo juridicista. É o que importa.
Biedermann foi punido, não por não ignorar os incendiários - mas por não tê-los enfrentado. É uma história tão óbvia e tão atual que, por isso mesmo, não parece ocioso relembrá-la. Mas é o que se tem hoje no Brasil. E é tudo o que não serve de exemplo para o que se presume vir pela frente. Ou o PT acha que a direita escancarada da mídia e de certos meios jurídicos, são democráticos e vão respeitar as regras de um real democracia? Se for isso, vale a reflexão do Maringoni, com o adendo indispensável de que a presidenta talvez saiba de Biedermann, já que do outro lado, dos incendiários, ela deve ( ou deveria) saber muito bem.
Em tempo e a propósito de algumas perguntas que não se fazem (a começar por parte do PT): de que cofre público, afinal, saiu o dinheiro do chamado "mensalão"? Em que contas foi depositado?
Quanto ao mais, é difícil - senão impossível - ignorar a palavra ódio do ato do procurador geral de querer prender os condenados do dito "mensalão", antes do Natal. Só uma raiva profundamente entranhada explica essa pirotecnia explícita. E a isso os jornalões chamam, sem pejo, de "Justiça Brasileira". Digamos antes, é a justiça à brasileira. Mesmo assim vale a pergunta: e Biedermann?
Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
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