Serra volta às manchetes: fumar virou caso de polícia
Ricardo Kotscho
Até tomei um susto quando vi o nome do governador José Serra de volta à manchete do jornal. Nem me lembrava quando foi a última vez que isso aconteceu desde que ele submergiu no noticiário. Pensei logo que, de volta à terra após sua longa viagem pelo Japão com escala na Inglaterra, ele tivesse decidido descer do muro para anunciar quem, afinal, está apoiando nas eleições paulistanas.
Com dois candidatos anunciando que têm seu apoio, o tucano Geraldo Alckmin e seu sucessor na Prefeitura, o demo Gilberto Kassab, o eleitor parece meio perdido à espera de uma definição do governador.
Mas não era nada disso. “Serra propõe banir cigarro em SP”, gritou a “Folha” em sua manchete, como se uma repentina epidemia tabagista tivesse nos assolado na ausência do governador, que voltou para nos salvar.
Sabemos todos da antiga aversão de Serra a cigarros - no que, aliás, ele faz muito bem, pois isso é coisa que não presta - desde a sua passagem pelo Ministério da Saúde.
O que me assustou foi, digamos assim, a forma radical que ele escolheu para voltar à cena com sua cruzada antitabagista, propondo sumariamente banir o cigarro e ameaçando chamar a polícia em caso de persistência.
Fiquei com medo até de sair de casa, justo eu que fui proibido pelas filhas de fumar no recesso do meu próprio lar. A pena com que me ameaçaram é ainda pior do que chamar a polícia: nunca mais trazer os netos para me visitar.
Se o AI-5 antitabagista do Serra for aprovado pela Assembléia - do que não tenho a menor dúvida, já que nossos deputados estaduais não têm o hábito de contrariar o governador -, só me restará, segundo o projeto de lei do banimento, fumar na rua.
Minha experiência no gênero é antiga e não foi boa. Dez anos atrás, eu trabalhava na TV Bandeirantes quando me mandaram fazer um estágio em Toronto, no Canadá, onde a emissora tinha uma parceria com a CityTV.
Depois de umas 14 horas de viagem sem poder fumar, é claro, passei mais um tempão preso no aeroporto sem poder acender um cigarro porque, com meu inglês deficiente, caí na besteira de dizer que o objetivo da viagem era exatamente esse: fazer um estágio na televisão local.
Entenderam que eu estava indo lá trabalhar, mas como meu visto era de turista, isso era ilegal. Ameaçado de deportação, horas depois fui liberado sem entender nada e peguei um táxi onde também era proibido fumar.
No hotel, a mesma coisa: já não tinha mais andar reservado a fumantes como em outros países e não se podia acender um cigarro em lugar nenhum.
Nevava, o frio era de não sei quantos graus abaixo de zero, mas mesmo assim só me restava a mesma alternativa que o governador me deixou agora: fumar na rua.
A rua estava deserta. E não é que passou uma velhinha que, de dedo em riste para o cigarro, me xingou de tudo quanto é nome? Desisti, voltei para o hotel, e perguntei ao porteiro: amigo, tem algum lugar nesta cidade em que se pode fumar sem correr riscos?
Sim, disse-me ele, solícito: temos um bar, na rua tal, número tal, em que é permitido fumar. Peguei um táxi e fui direto para lá. Mal consegui entrar: a neblina de fumaça de tabaco era tamanha que não dava para respirar.
As pessoas, afinal, iam ali somente para fumar. Duas semanas depois, voltei ao Brasil mais feliz do que nunca, abençoando a terra onde nasci.
Na época, minhas filhas já faziam a maior campanha para que eu deixasse de fumar, mas ainda não tinha os netos.
Embora eu já tenha tragado meio século de cigarros, apesar das muitas tentativas de parar de fumar, acho que o governador José Serra está certíssimo em tratar o assunto como um sério problema de saúde pública e adote medidas severas para combater este mal.
Só não sei se o caminho escolhido do banimento total, chamando a polícia, se necessário, é o mais indicado. Por que não investir parte das milionárias verbas publicitárias do governo em campanhas que ajudem as pessoas a parar de fumar?
No Ministério da Saúde, Serra já tinha conseguido banir a publicidade de cigarros, mas nem por isso, a cada ano, novos contingentes de jovens deixaram de se tornar viciados em nicotina.
Esta semana mesmo, li nos jornais que 9% das crianças e adolescentes de escolas públicas já são fumantes. Se este é um problema de saúde pública - e todos sabemos que é - por que não oferecer nos hospitais e centros de saúde públicos remédios e tratamentos gratuitos que ajudem os viciados? Por que não fazer massivas campanhas educativas nas escolas e nos meios de comunicação mostrando os benefícios de parar de fumar?
Eu sei como é difícil, posso dar meu testemunho, mas não acredito que a polícia vá resolver meu problema. Todo ano a família me obriga a fazer check-up, sem esquecer de fazer chapa do pulmão, e até agora, para espanto dos médicos, meu estado de saúde é normal.
Da última vez, ao examinar minha radiografia, o médico comentou que não apareceu nada alterado, mas que, se eu parasse de fumar naquele dia, levaria pelo menos vinte anos para meu pulmão ficar limpo de novo.
Já sexagenário, fiz as contas e cheguei à conclusão de que não daria mais tempo. Se na escola dos padres, onde comecei a fumar, tivessem feito minha cabeça sobre a bobagem que estava fazendo, talvez hoje eu não correria o risco de ser preso ou ficar sem ver os netos.
Comentários.
O Grupo Folha não tem vergonha de aderir abertamente à candidatura de Serra rumo à eleição de 2010.
Ao invés de ouvir a opinião de José Serra sobre Laudo do IC, que constatou irresponsabilidade do metrô no acidente que vitimou sete pessoas, preferiu divulgar, só para manter o nome do mala na mídia, uma notícia de uma lei que muitos estados e até municípios já aprovaram, menos com a ameaça de botar a polícia para prender os fumantes reclacitrantes, atitude típica de ditador.
A forma de a Folha de S.Paulo bajular Serra é típico de jornalismo vendido e alugado.