sábado, 13 de setembro de 2008

GILMAR MENDES NA VISÃO DE UM MAGISTRADO

República de saló

Com a segurança de um marechal em guerra, o comandante do Ministério da Defesa, Nelson Jobim, convenceu o presidente Lula, numa reunião ministerial, de a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) possuir, como o Exército, equipamento capaz de realizar escutas telefônicas clandestinas.
Diante da informação dada por Jobim, o presidente Lula resolveu afastar a cúpula diretora da Abin, que não possui legitimação para solicitar, em juízo, autorização para “grampeamento”.
Em outras palavras, a Abin não pode pedir autorização judicial para realizar “grampo” nem na hipótese de Bin Laden, em lugar incerto no Rio de Janeiro, estar a transmitir, por celular, ordens para um subordinado alqaedista mandar aos ares, no Corcovado, a estátua do Cristo Redentor.
Posteriormente, o ministro-general Armando Félix, responsável pelo Gabinete de Segurança institucional a que se subordina agência dos 007 brasileiros, descobriu que a Abin não possui equipamento de grampeamento. Mas também o comandante do Exército desmentiu Jobim. Ficou patente que o equipamento é apenas para “varredura” e, se adaptado com outro específico para gravações, poderá ter a função de registrar conversas.
Em dúvida sobre a função do equipamento em questão, no momento e apesar dos reiterados esclarecimentos do delegado Paulo Lacerda na desvirtuada CPI do Grampo, só está Arthur Virgílio, dado como membro da chamada bancada de Daniel Dantas no Senado e conhecedor, na Zona Franca de Manaus, das facilidades para se adquirir gravadores para acoplamentos a quase todo tipo de instrumental eletrônico.
Infelizmente para o Brasil, uma forte alergia impediu o ministro Jobim de comparecer à CPI do Grampo, a fim de atender convocação. Como se sabe, alergias abatem até os marechais que dão tiro no próprio coturno e ficam desmoralizados por inabilidades, precipitações e ignorâncias.
Como ensinam os manuais de primeiras linhas do Direito, o crime militar é apurado em inquérito militar, por autoridades das armas. À Justiça castrense compete, por provocação do militar presidente do inquérito, autorizar, por meio de decisão motivada, escutas telefônicas, nos limites da lei, ou seja, para delitos apenados com reclusão e no prazo de quinze dias, com possibilidade de prorrogação.
Diante de o ministro Jobim ter afirmado a compra, pelo Exército, de equipamento de escuta, ficamos privados, em face da sua justificadíssima ausência na CPI do Grampo, de saber dos casos de interceptações feitas por autoridades da polícia judiciária-militar do Exército, em inquéritos e processos militares. Ou será, como se infere de informação divulgada pelo comandante do Exército, que o equipamento referido por Jobim só é utilizado para varreduras?
Em recente e laudatório livro, o ministro Jobim já nos brindara com a confissão de que, nos trabalhos dos constituintes, colocara artigos na atual Carta que não passaram pela análise e aprovação dos seus pares. Dada a repercussão negativa, sustentou que o doutor Ulysses Guimarães, morto e impossibilitado de confirmar, o havia autorizado. Agora, e passada a sua forte alergia, poderemos saber, por meio da CPI do Grampo, sobre a sua verdade a respeito dos equipamentos da Abin e do Exército.
No curso da semana, com Jobim acamado e o senador Arthur Virgílio a brilhar com fundamental pergunta ao delegado Paulo Lacerda sobre se o titular da Defesa mentira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), considerado órgão de controle externo da magistratura, apesar de composto majoritariamente por juízes, instituiu, por resolução, um sistema de coleta de dados para elaboração de estatísticas mensais sobre interceptações telefônicas legais.
Nessa resolução, aprovada por 12 votos contra 1, foram, também, estabelecidas regras a serem adotadas quando do deferimento da representação, do delegado de polícia ou do Ministério Público, sobre autorização de interceptação telefônica, ambiental e de danos. Produzir estatísticas e estabelecer normas de procedimento em conformidade com a legislação processual foi boa iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, só que as declarações do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo e do CNJ, são preocupantes.
Para Mendes, conforme entrevista concedida à Folha de S.Paulo, a “idéia é trabalhar com as corregedorias dos tribunais e do CNJ e verificar eventuais desvios ou tendências”. Pelo declarado, Mendes quer controlar “tendências” de magistrados, ou seja, tirar deles a garantia constitucional da independência.
Cabe o receio, ou mesmo o temor, de que o ministro pronto a chamar Lula às falas, atropelar o Legislativo e conceder liminar para soltar e conferir foro privilegiado ao banqueiro Daniel Dantas, queira instituir a República de Saló.
Só para recordar, a chamada República de Saló, localizada na região dos lagos lombardos, norte da Itália, foi fundada por Benito Mussolini, libertado de uma prisão dos Abruzos por um comando organizado por Hitler, no fim de setembro de 1943. Foi obviamente reconhecida pelos aliados do Eixo, Alemanha nazista e Japão. Em Saló, juiz supremo era o Duce.
A atuação de Gilmar Mendes na presidência do STF é dramaticamente desastrada, talvez por nunca ter sido juiz antes de sua nomeação ao cargo de ministro, por Fernando Henrique Cardoso. Segundo noticiado, ele chegou até a comparar juízes de varas especializadas em lavagem de dinheiro a criminosos milicianos dos morros cariocas. Tudo isso agrava-se pelo apoio que obtém de alguns dos seus pares com zero grau de tirocínio.
Em muitas das suas manifestações, o ministro Gilmar Mendes deve fazer tremer nos céus o grande jurista e pensador Piero Calamandrei. Sobre os juízes, cuja autonomia e independência Gilmar Mendes quer controlar, Calamandrei escreveu: “O juiz é o direito tornado homem. Na vida prática, só desse homem posso esperar a proteção prometida pela lei sob uma forma abstrata”.

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