O capitalismo precisa de um Estado forte
A crise das bolsas americanas e a decisão de governo Bush de transferir mais de 700 bilhões de dólares do contribuinte para bancos e seguradoras falidas não significa o fim do capitalismo. Corresponde, isso sim, ao desmascaramento da hipocrisia neo-liberal. Os Estados Unidos, hoje, são um país com graves problemas sociais, com um sistema de saúde precário, educação em queda e com cidades sofrendo severo déficit de infra-estrutura. As enchentes que arrasaram New Orleans, os apagões elétricos em grande parte do país, e a crescente pobreza nas cidades, mostram que, se abundam recursos para salvar empresas falidas, há uma trágica escassez para fins bem mais nobres.
Afinal, o que se poderia fazer com 700 bilhões de dólares? As pesquisas científicas que estudam a cura do câncer, da aids, os tratamentos com células troncos, seriam energizadas fantasticamente e, quiçá, poderíamos ter algum resultado que mudasse o curso da história.
Na mesmo buraco negro que tragou conglomerados americanos, deveria desaparecer também a confiança arrogante das elites neocon das américas latinas nas fórmulas neo-liberais, que procuram criminalizar o Estado e glorificar o mercado. Pois bem, agora temos novamente o Estado salvando o mercado, como já ocorreu tantas vezes na história. O que nunca se verá é o mercado salvando o Estado.
O que as pessoas precisam entender é que o regime econômico e político conhecido como capitalismo necessita de um Estado forte, não para intervir na vida das pessoas, mas para regular o funcionamento livre do mercado e assegurar a liberdade dos indivíduos.
Por muito tempo, a mídia brasileira vendeu a ideologia de que o capitalismo moderno prescindia de um Estado forte, usando como referência os Estados Unidos. Sempre foi uma falácia, porque os EUA sempre foram um Estado forte, mas sabe-se que há um neoliberalismo para o primeiro mundo e outro para o terceiro, sendo que, para o terceiro, procurava-se experimentar a versão mais radical desse neoliberalismo.
O resultado se conhece. O neoliberalismo quebrou toda a América Latina. Países que apresentavam excelentes índices de qualidade de vida, como Argentina, assistiram a um trágico retrocesso econômico e social. E todo o segundo governo FHC foi testemunha de uma terrível derrocada. Há poucos dias, os jornais publicaram o estudo do IBGE que indicava o aumento da renda média do trabalhador brasileiro, mas minimizando que não chegara ao nível de 1998. O que não se disse é que, em 1998, o desemprego e a recessão e má distribuição de renda eram muito superiores. Mas ficou claro, para quem teve olhos para ver, que a curva declinante no gráfico da renda per capita do brasileiro teve início justamente em 1998.
Também acho interessante revelar que os bons índices sociais registrados durante o primeiro mandato de FHC (1995 a 1998) devem ser confrontados com os alarmantes números macro-econômicos daqueles mesmos anos. O controle da inflação foi louvável, mas a fúria com que FHC aumentou o nosso endividamento público, sobretudo o externo, me faz questionar se aquela estabilidade não era um tanto artificial, visto que lastreada em empréstimos do FMI e outras instituições a juros escorchantes.
O debacle econômico do neoliberalismo é acompanhado politicamente, como não deveria deixar de acontecer. O sucesso de Barack Obama é um reflexo norte-americano de tudo que já aconteceu abaixo do Rio Grande. Até Uribe, xodó da direita latina e americana, já está aderindo à onda bolivariana, como mostra sua aproximação com Chávez e sua participação recente na reunião do Chile.
No Brasil, os candidatos de esquerda estão à frente em todo país. É um grande momento histórico. Por isso mesmo os partidos políticos devem ficar bem atentos a possíveis tentativas de golpes midiáticos. Por outro lado, a mídia já queimou tantos cartuchos golpistas no lombo da sociedade brasileira que ficou um tanto desmoralizada. A tentativa de requentar escândalos passados ou de criar novos factóides não tem dado muito ibope. Nas ruas, o povo - que é hoje classe média, não se esqueçam - tem mais o que fazer do que esquentar a cabeça com futricas políticas. E está certo. Temos instituições suficientes para resolver muitos de nossos problemas sem que o povo precise ter enxaquecas.
O caso Gilmar Mendes, por exemplo, é o típico problema que poderia ser resolvido exclusivamente no âmbito institucional. De alguma maneira, isso já está acontecendo. Ao se alinhar caninamente ao lado de Dantas e mídia, e atacar despudoradamente o Ministério Publico, juízes e policiais federais, o presidente do STF criou um campo de batalha institucional mais explícito e constrangedor do que a mídia gostaria. Há movimentações importantes no interior das instituições jurídicas e policiais para se defender dos ataques de Mendes. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, uma figura impecável porque, mesmo sem muitas provas, denunciou implacavelmente os envolvidos com o mensalão, acaba de comprar uma séria briga com Mendes ao declarar inconstitucional a medida defendida por Mendes de criar uma central de grampos no país, sob controle do Conselho Nacional de Justiça.
O ataque de Mendes aos juízes que combatem o crime de lavagem de dinheiro, dizendo que eles formariam uma milícia com investigadores representa um desvirtuamento completo dos valores morais que deveriam reger a segurança pública. Os orgãos de segurança pública devem agir em harmonia, fazendo parcerias. Mendes esquece que a razão de existir de procuradores, juízes e policiais é o combate ao crime. Tendo esse objetivo em comum, é normal que haja parceria. Claro que é preciso delimitar rigidamente o papel de cada um, mas a quem interessa a desmoralização completa de todo o aparato legal que combate a lavagem de dinheiro no Brasil? O que Mendes fez para combater o crime no Brasil?
O seu papel de filósofo de direito seria mais explicável se exercesse o papel de pesquisador universitário, mas como presidente do Supremo Tribunal Federal suas palavras soam hipócritas e perniciosas.
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