sexta-feira, 12 de setembro de 2008

SEM PAPAS NA LÍNGUA


Divagações de um ciclista pueril ou Por que o Azenha precisa de um pitbull?

Se existe uma coisa que gosto de fazer é andar de bicicleta. Eu amo andar de bicicleta. Uma das vantagens de não ter mais um trabalho fixo é esta: posso andar de bicleta à vontade. Adiantei umas reportagens pela manhã, e saí depois do almoço. Peguei minha byke no conserto e saí pedalando. Costumo fazer o seguinte caminho: sigo pela rua do Rezende até a Lavradio, pego aquela rua dos fundos do circo voador, passo por baixo dos Arcos da Lapa e dali vou até a Praça Paris. Contorno a praça Paris e entro no Aterro através da passarela.

O Aterro é o parque urbano mais lindo do mundo. E a vista mais linda do mundo é a que se tem lá no final do Aterro, quando a ciclovia começa a entrar na praia de Botafogo. Fica-se frente a frente com o Pão de Açúcar. Apenas o mar azul, calmo e sensual, e o Pão de Açúcar, solene, silencioso, com os bondinhos subindo e descendo como se fosse tudo uma enorme brincadeira.Sempre reduzo a velocidade nessa parte e penso a mesma coisa: é a vista mais linda do mundo. A ciclovia prossegue pelo calçadão da praia de botafogo, até o final, então chega-se aos limites da Urca, ladeia-se os edifícios da Universidade Federal e do Hospício Pinel, volteia-se o prédio do Shopping Botafogo e passa-se por uma gigantesca (e muito bonita) estátua de Simon Bolívar, situada junto à pista de skate.

Segue-se reto, o Shopping Rio Sul à esquerda, depois da Igreja Terezinha (onde me casei) e entra-se no túnel. Como a inclinação é favorável, deixa-se a bicleta deslizar, solta. O túnel é escuro demais, o que prejudica o equilíbrio - é um momento de suspense, pedalar em alta velocidade por um túnel escuro. Até que..

Copacabana! Ao fim do túnel, surge o bairro mais famoso do Brasil. Continuamos pela ciclovia, que segue paralela à Princesa Isabel e chega-se à praia. À esquerda, Leme, à direita, Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon. Sigo pro Leme. Prendo a bicicleta num local específico e piso na areia branca e fina. O Leme tem uma praia imensamente larga - quase 1 quilômetro de areia, do calçadão ao mar.

Em dias de semana, mesmo com sol, a praia nunca está cheia, mas também nunca está vazia. Deixo minha mochila com um barraqueiro e caminho em direção à água. Preciso nadar. Mas prefiro me aquecer um pouco ao sol e deito-me na areia. É tão bom largar-se numa praia, sem compromisso, sem responsabilidades... O sol, o mar, a areia fofa e confortável, fazem-nos esquecer de tudo.

Levanto-me, coberto de areia da cabeça aos pés, e entro no mar. Leme e Copacabana são praias bem agitadas, com ondas fortes. Gosto assim também. Fico um tempo nadando e pegando jacaré. Exercitando-me. Depois de ficar assim por mais de uma hora, volto à areia, ando até a barraca onde deixei a mochila e dirijo-me até a bicileta.
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Continuo a pedalar, desta vez na direção de Copacabana e Ipanema. Chego ao fim de Copacabana, onde a ciclovia prossegue até Ipanema. Fico um tempo no Arpoador, no alto de uma pedra, observando o mar, os navios de carga ao longe, saindo ou se aproximando da baía de guanabara, as ilhas cagarras e a vista da praia do diabo, de um lado, e Ipanema e Leblon de outro. Os morros Dois Irmãos, ao fundo, parecem garotos espiando uma moça desfilar de topless na praia, sem saber que a severa avó - a Pedra da Gávea - os vigia logo atrás.

Pedalando na direção do Leblon, eu penso em como um escritor se prende a bagatelas, ninharias a que empresta enorme importância, quinquilharias metafísicas. Neuroses mesquinhas convertem-se em poemas, crônicas, contos, romances. Não existe nada estéril ou inútil na literatura. Tudo é válido. Tudo é vital. O escritor vive de suas crises existenciais e, por isso, incentiva-as, como um cientista maluco que experimenta em si mesmo suas invenções mais estapafúrdias.

Penso no meu blog e tento direcionar meu pensamento para algum tema importante. Essa história do Gilmar Mendes, por exemplo, tem me apavorado. O cara é tão descaradamente vendido para o Daniel Dantas que imagino-o trajando roupas de mordomo, batendo à porta - com licença, senhor Dantas, a champagne que o senhor pediu -, entrando e colocando a bebida sobre a mesinha, enquanto o banqueiro não se digna sequer a olhar para seu criado, nem cogita dizer um obrigado. E Mendes sai de cena. Mas eu não consigo me preocupar com Mendes.

Eu não consigo tirar da cabeça minha inusitada desavença com o Eduardo Guimarães, doravante nominado Pitbull do Azenha. É um caso chato porque eu admiro o trabalho dele em seu blog e em sua Ong e sei que a importância desse trabalho está acima dessas querelas menores. No entanto, como eu disse, as coisas mais insignificantes têm importância para mim. Nós, escritores (sim, para o mal ou para o bem, eu sou um maldito escritor, apesar de não ter escrito ainda nenhum livro importante), nos alimentamos das migalhas que o mundo dispensa. Às vezes, na falta dessas migalhas, inventamo-as.

Alguns podem dizer que é viadagem. Pode ser. O escritor é sempre um viado, no sentido metafísico. Mesmo o machão Hemingway era também um tremendo baitola. Afinal, que outra explicação para que um homem, forte, vigoroso, inteligente, perca seu tempo alinhavando historinhas pueris enquanto o mundo desmorona lá fora, devastado por guerras, furacões, epidemias... Há um livro do Salinger, Seis Contos, que é a coisa mais pueril e inútil que se possa imaginar e, no entanto, traz os textos mais magníficos que já tive oportunidade de ler. Pensei: que estou fazendo aqui? Eu gosto de escrever sobre política. Mas a política, para mim, aborda desde as questões mais grandiosas às mais ínfimas - nessa minha maneira de ver as coisas, é como a física: o resultado pode ser grandioso como uma bomba nuclear, mas tudo começa em analisar o comportamento dos átomos.

Daí que o trabalho do Pitbull do Azenha pode ser importante - existe, de fato, um problema de mídia muito grave no Brasil - mas a vida é mais complexa e mais imoral do que tudo isso, e o diabo se infiltra nas intenções mais nobres. Pode se infiltrar em mim, também - na verdade eu o sinto, de vez em quando, atrapalhando-me a concentração. Ninguém está livre. Não adianta publicar a foto de Jesus e apelar para o sofrimento pessoal. Bem, o papo ficou estranho, então é melhor ser direto: o mais importante, no fundo, não é combater a mídia. Nunca foi. Nem mesmo é combater a injustiça social, um conceito fundamental, mas ainda sim este fica em segundo plano. O mais importante, ao menos para um verdadeiro cristão (e uso cristão aqui no sentido de um cidadão moderno, podendo ser também um islâmico ou um budista), é viver fraternalmente, é respeitar e amar o próximo. Sim, porque, pensando bem, esse é o principal motivo de angústia de todos. A falta de respeito. A mídia é golpista porque não respeita seus próximos, nem seus leitores, nem seus jornalistas, nem seus empregados. Não respeita a inteligência alheia.

A sensação que temos, quando nos deparamos com uma dessas trapaças jornalísticas, é de mau cheiro moral, ou seja, ausência de fraternidade. Ironicamente, a mesma acusação que a imprensa corporativa tenta colar nas costas das instituições políticas, a de falta de vergonha na cara, nós, leitores críticos, queremos pregar no lombo da imprensa.

No fundo é uma questão moral e nos irrita a hipocrisia. E, no entanto, a mesma truculência que acusamos no outro, aos poucos também vai tomando conta de nós, na medida em que adquirimos mais status. Afinal, é necessário ser violento. Sem agressividade, seríamos engolidos pelos leões. Jesus chutou os vendilhões do templo, com muita ira e uma feita afirmou, ao voltar do deserto, que não trazia a paz, mas a espada. A mesma violência, porém, que usamos para combater os inimigos envenena nosso sangue e, quando menos esperamos, atacamos quem não devia. Aí começa nossa morte e corrupção.

Por isso as poesias são eternas. São como pérolas de absoluta pureza moral, em meio à corrupção generalizada que grassa em todos os segmentos da vida. As poesias são puras. Não os poetas, todavia. Os poetas são corruptos, também, como qualquer outro ser humano e, muitas vezes, até mais. No entanto, quando o poeta não controla a sua corrupção natural, ele contamina seu trabalho, que perde sua pureza e apodrece. E a poesia morre.

Resumindo, não estamos em tempos de Ghandi e não existem mais santos - e o fogo da vida, para ser fogo, para ser vida, envolve polêmicas, brigas, debates calorosos - mas acho importante lembrar que as coisas pequenas têm tanta importância quanto às grandes, porque é o átomo quebrado - o átomo magoado, ferido, por assim dizer - que se torna uma bomba atômica; o câncer tem início com apenas um célula doente; e provavelmente será um vírus, um mísero e microscópico vírus, que dará um ponto final a esta sofrida - e tão incrivelmente ambiciosa, sórdida e original - civilização de macacos que pensam.

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