quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

COMPLEXO DE VIRA-LATAS


Sucedem-se os estudos sobre o efeito psicológico da crise internacional no Brasil. São estudos de entidades como Fipe, IBGE, Dieese, sindicatos patronais como a Fiesp e a CNI e outros que mostram piora das expectativas de empresários sobre a economia e que revelam precaução de consumidores atemorizados com o desemprego.

Esses estudos constituem prova inquestionável de que a sociedade importou a crise ao se deixar assustar com um noticiário que vem garantindo a “inevitabilidade” da ocorrência de catástrofes econômicas por aqui.

O processo funcionou com base no soerguimento pela imprensa da antiga baixa auto-estima do brasileiro, aquele complexo de vira-latas que sempre nos fez acreditar que nosso país era inferior aos outros e que agora, portanto, não poderia sofrer menos os efeitos de uma crise dessas.

Creio que a frase mais ouvida dos pregadores da inevitabilidade do mergulho do país no caos econômico foi a de que seria “impossível” o Brasil não ser gravemente afetado pela crise num momento em que se vê as maiores potências mundiais e até os outros países emergentes afundarem todos juntos.

A teoria é de que não podemos, de maneira alguma, ser melhores do que o resto do mundo. Que escândalo! Como é que o Brasil, ainda mais governado por um “despreparado”, poderia se “descolar” de uma desgraça da qual ninguém está escapando? Seria quase uma heresia afirmar tal coisa. Não podemos ser melhores que o resto do mundo e pronto, é o que dizem.

A despeito disso, dados como o crescimento exponencial – e em curtíssimo espaço de tempo – das vendas de carros novos ou o recorde em financiamentos de imóveis pela Caixa Econômica Federal agora em janeiro mostram como o reflexo no Brasil do agravamento da crise mundial a partir de outubro do ano passado – de uma crise que, na verdade, começou no mundo há mais de um ano – encontra maiores explicações na psique social do que em fatores econômicos.

O desemprego, que em dezembro subiu com força, de acordo com o noticiário não mostra continuidade em janeiro, ainda que não tenham sido divulgados os dados oficiais. Antes dos dados do Caged e do IBGE de janeiro, não se tem como afirmar nada, mas o noticiário permite crer que a opção pelas demissões, que muitos empresários fizeram atabalhoadamente em dezembro, constituiu, em grande parte, uma reação emocional ao noticiário alarmista.

A retomada da produção em vários setores a partir de janeiro, como no setor automobilístico, em minha opinião deve ter despertado cautela entre o setor empresarial quanto a demissões precipitadas, ao que se juntaram gestões do governo federal ameaçando empresas que se beneficiam de verbas públicas ou de renúncia fiscal de lhes cortar os benefícios se continuassem a demitir “preventivamente”.

Nesse aspecto, vale a pena elencar aqui a reação proativa do governo em meio à crise, uma reação que inclusive explica parte do resultado surpreendente da última pesquisa sobre a popularidade ascendente e estratosférica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A saber, alguns dados sobre essas medidas governamentais que cada vez mais parecem estar surtindo efeito.

1 – O pacote anti-crise do governo federal já ultrapassou a marca dos 200 bilhões de reais, constituindo, para todos os especialistas, a maior intervenção oficial de estímulo econômico da história brasileira.

2 – Em 2009, o BNDES terá disponível para emprestar R$ 76 bilhões a mais do que em 2008, quando emprestou R$ 92 bilhões, ou seja, o banco de fomento federal terá quase 170 bilhões de reais para emprestar neste ano, isto é, 82% a mais do que no ano passado.

3 – O BNDES também usará as reservas internacionais em dólar para emprestar cerca de R$ 50 bilhões a empresas com dívidas em moeda estrangeira contraídas no exterior.

4 – Desde setembro, a liberação pelo governo do recolhimento compulsório dos depósitos à vista nos bancos foi da ordem de R$ 85 bilhões, o que desnuda o argumento do sistema bancário de que é o compulsório que faz subir o spread (taxa de risco), pois enquanto um terço do compulsório foi liberado as taxas de juro de mercado, subiram.

5 – O Banco Central também passou a emprestar a exportadores a fim de suprir a ausência dos recursos que obtinham no exterior para financiamento de suas operações.

6 – O governo postergou o recolhimento dos impostos pelas empresas, de forma a aliviar seus fluxos de caixa.

7 – Os impostos sobre operações financeiras foram reduzidos pelo governo, de forma a baratear o crédito, ainda que os bancos tenham se aproveitado dessas reduções para aumentarem suas margens de lucro.

8 – Reduziu o IPI dos carros novos, o que é considerado o fator que gerou a explosão na venda deles em janeiro, mas que não explica por que um consumidor com medo de perder o emprego resolve consumir se a dívida for uma fração menor, pois quem não tem emprego não pode pagar dívida nenhuma.

9 – O governo cortou impostos incidentes sobre material de construção e aumentou fortemente o subsídio à construção de casas populares.

10 – Foram abertas fartas linhas de crédito governamental para montadoras de veículos, para construtoras e para a agricultura.

11- Bancos oficiais, por ordem do presidente Lula, assumem a dianteira nas quedas dos spreads e das taxas de juro, o que já fez com que a oferta de crédito em meados de fevereiro tenha alcançado os níveis pré-crise. Isso sem falar em forte processo de queda da taxa Selic.

12 – Hoje, em Brasília, Lula recebe prefeitos de todo país no âmbito do lançamento de um plano de repactuação de dívidas dos municípios com a União, com uma espécie de “perdão” a administrações inadimplentes que lhes permitirá contraírem novos empréstimos dos cofres federais.

Além de tudo, destaco as posições firmes das autoridades (sobretudo do presidente Lula e do ministro do Trabalho, Carlos Lupi) no sentido de desmascarar os espertalhões da crise, empresários inescrupulosos (a maioria, composta por grandes empresários) que tentam se aproveitar da situação para retomar a tentativa até então enterrada (devido ao aumento exponencial da oferta de empregos até setembro do ano passado) de surrupiar direitos trabalhistas.

Cada vez mais vozes se levantam contra o alarmismo midiático, o que tem gerado alguma mudança de atitude na mídia, que já começa a reconhecer que os dados sobre o desastre são “contraditórios”.

Quanto à oposição tucano-pefelista, esta parece cada vez mais sem discurso. Ontem, no Jornal Nacional, diante da reportagem sobre medidas do governo para aliviar a situação dos municípios, apareceu-me o senador José Agripino Maia (PFL-RN), aquele que criticou Dilma Rousseff por mentir a torturadores, com a seguinte crítica às medidas governamentais:

“Não são medidas de efeito global sistêmico de combate efetivo à crise de uma forma generalizada”

Entenderam o discurso do homem? Não entenderam? Não se preocupem, ninguém entendeu, porque ele não disse nada. Apenas exerceu o famoso jus esperneandi (direito de espernear) diante de um governo que teima em agir para combater a crise e que, assim, é percebido pela população como um governo que cumpre sua obrigação.

Apesar de tudo, há um setor da sociedade que teve sucesso, até aqui, em vender a idéia de que não podemos nos “descolar” do resto do mundo. Se este está em crise, por que o Brasil seria melhor?

A superação da crise pelo Brasil antes do resto do mundo constituirá uma catástrofe para a oposição. Um pesadelo que pode literalmente enterrar as chances de eleger José Serra em 2010. E o pior para a oposição – e melhor para o país – é que, com alarmismo e complexo de vira-latas e tudo, a economia real vai se erguendo.

Isso acontece porque o nível de renda e de emprego ainda se mantêm praticamente inalterados no Brasil mesmo em meio à hecatombe mundial. Apesar de alguns números feios, se olharmos o nível de atividade econômica sendo retomado e os níveis de emprego e de renda ainda altíssimos - em comparação com o passado -, entenderemos o que acontece.

Cansei de dizer aqui que o Brasil depende muito pouco de comércio exterior, em comparação com outros países, porque tem um enorme mercado interno para o qual pode redirecionar sua produção em caso de crise externa. Essa é a questão.

Tivemos problemas de encolhimento no crédito que dependia de linhas creditícias internacionais, que secaram a partir de setembro do ano passado. Contudo, não temos um sistema bancário quebrado – e nem poderíamos, com os lucros que bancos brasileiros têm em comparação com os dos outros países – e o Brasil chegou à crise montado em enormes reservas internacionais, no menor nível de endividamento público em 60 anos, com a atividade econômica e os níveis de emprego e renda “bombando”...

Dessa maneira, contra esse maldito complexo de vira-latas que já se dissipava no Brasil, num país que vinha recuperando sua auto-estima a passos galopantes, contra esse maldito complexo que tem sido ressuscitado pela imprensa e pela oposição, temos um governo atuante e corajoso, merecedor de minha admiração, da admiração do resto do mundo e, o que é mais importante, da maioria avassaladora dos brasileiros.

Hoje, o país se olha no espelho e gosta do que vê, ainda que ao seu lado exista quem fique dizendo que ele não está tão bem assim, que não é melhor do que ninguém, que na verdade sua boa situação é apenas retórica etc. O maior desafio deste país, portanto, será enterrar de vez esse complexo injustificado e mostrar ao mundo quão promissor é o nosso Brasil.
Blog de Eduardo Guimarães.
Colaborou Nancy Lima.

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