segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

MANIFESTO PELA RECUPERAÇÃO DOS BENS COMUNS DA HUMANIDADE


A implantação de cercas nos campos da Inglaterra, para seu uso somente por aqueles que deles se apossavam, conheceu uma aceleração nos séculos XV e XVI, e deflagrou um processo de privatização de bens de uso comum das sociedades humanas. Logo em seguida o mundo passou a ser dominado pela lógica do sistema capitalista de produção, em que tudo pode ser transformado em dinheiro, e a industrialização abriu as portas para a produção em massa. O processo de privatização se associou então a uma mercantilização desenfreada, exacerbando a ganância e a competição.

O resultado disso é que a Humanidade vive, nos dias de hoje, uma crise de civilização, em que um conjunto de crises pode levar à destruição das sociedades humanas e do planeta Terra, com o aprofundamento dos traços mais regressivos da sociedade moderna: crescimento das desigualdades sociais, frenesi consumista, destruição da natureza, militarização das relações internacionais, seqüestro dos poderes públicos pelos mercados e pelo produtivismo, apropriação violenta de recursos naturais, retrocessos democráticos.

De um lado da esquizofrenia hoje dominante, a produção de armamentos é fonte interminável de lucros; a destruição do meio ambiente gera um crescimento econômico desigual e excludente; a industria farmacêutica aufere ganhos fabulosos atendendo às necessidades somente daqueles que podem pagar os altos preços dos remédios que produzem; o controle da produção e da venda de sementes leva ao suicídio pequenos produtores agrícolas pelas dividas que contraem; a criação do dinheiro como instrumento facilitador das trocas se encontra privatizada pelos bancos que, ainda quando agora se revelam como o coração de uma economia cassino, especulativa e desvinculada da economia real, são reforçados pelos remédios governamentais à atual crise financeira.

De outro lado, não se compartilham conhecimentos que permitiriam o acesso de grandes parcelas da população à solução de seus problemas; tampouco são considerados os conhecimentos e as estrategias socioprodutivas construídas por comunidades ao longo de sua história e que permitiriam e emergência de alternativas frente a mercantilização da vida; a preservação da floresta necessária à continuidade da vida no planeta é considerada obstáculo ao desenvolvimento; a pesquisa científica não serve à luta contra endemias que dizimam populações inteiras; descobertas e outras contribuições úteis para a humanidade se tornam inacessíveis, protegidas por patentes e direitos autorais defendidos cegamente; grandes produções agrícolas de efeito ambiental desconhecido e intensas explorações minerais de grande impacto socioambiental se espalham pela Terra para fornecer combustível e matéria prima para manter os níveis de comodidade dos mais ricos e um padrão de produção e consumo insustentável.

O Fórum Social Mundial de 2009, em Belem do Pará, no Brasil, ocorre em um momento muito especial, em que a globalização neoliberal, impulsionada pelas finanças desacorrentadas de qualquer controle público e legitimadas pela ideologia do livre mercado, fracassa espetacularmente.

O momento é muito especial também porque, ao mesmo tempo, no mundo inteiro emerge uma nova consciência de que há bens que em nenhuma hipótese podem ser privatizados ou mercantilizados, como bens de uso comum de todos os seres humanos e da própria natureza.

Os subscritores do presente Manifesto, lançado no Fórum Social Mundial de 2009, conclamam todos os cidadãos do mundo e suas organizações a se engajarem na ação pela desprivatização e desmercantilização desses bens, como uma bandeira assumida por toda a Humanidade.

Que cada um no lugar em que vive e no seu campo de luta, assumindo uma postura de cooperação como um valor essencial à vida humana, se mobilize:

- para ampliar e aprofundar essa nova consciência que está emergindo que reivindica a defesa dos recursos ambientais e socioculturais como bens coletivos e o direito universal a uma proteção ambiental equânime contra a discriminação sócio-territorial e as desigualdades promovidas pelo mercado;

- para apoiar a ação das organizações que se lançam na defesa da água e dos rios, da terra, das sementes, do conhecimento, da ciência, das florestas, dos mares, do vento, da comunicação e da intercomunicação, da cultura, da música e demais artes, dos serviços públicos de educação, saúde, saneamento, do dinheiro, das sabedorias ancestrais;

- para articular as lutas de suas próprias organizações, reforçando-se mutuamente, nas campanhas e iniciativas propostas e desenvolvidas com esses objetivos.

Os subscritores do presente Manifesto se comprometem a atuar intensamente para recuperar, para o uso comum dos seus semelhantes, na co-responsabilidade e sob o controle social, todos os bens e serviços necessários à vida.

Colaboração João Sérgio da Silva Costa.

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