Júnior em plena luz
Cynara Menezes
Prender Salvatore Cacciola e bloquear 2 bilhões de dólares de Daniel Dantas lá fora fizeram um bem danado ao ego do delegado Romeu Tuma Jr. Titular da Secretaria Nacional de Justiça há um ano e meio, finalmente Tuma se livrou da sombra que o persegue desde que decidiu se tornar policial: a de que cada indicação a cargo que conquistou na carreira teve a influência do pai, o senador pelo PTB e ex-diretor da Polícia Federal Romeu Tuma.
Mesmo quem aliou a ida do delegado paulistano para a secretaria do Ministério da Justiça à adesão do velho Tuma ao governo Lula deve reconhecer o feito que é prender um banqueiro foragido no exterior e colocar a mão do Estado na grana de outro. Quem conheceu Júnior quando começou a delegar já o recorda como um homem meio cheinho que varava noites no trabalho, sempre agitado e fumando sem parar, porque queria exibir brilho próprio, herdando, assim, não só o nome, mas também a estrela do pai.
Xerife. O secretário confessa orgulho ao ser chamado da mesma forma que Tuma foi. “O xerife é uma figura que a sociedade intitula, não é alguém que exerce o poder pela força”, diz, sentado na ampla sala que ocupa no quarto andar do ministério. “Sinto um orgulho do caramba do ‘velho’, não seria nenhuma desonra tê-lo como padrinho, mas fui indicado porque sou um conhecedor da matéria. Além disso, meu pai tem muito respeito pelo presidente, mas acho que o presidente gosta mais de mim do que dele.”
Tuma, o filho, queixa-se que o pai, embora carinhoso, foi ausente, “como todo policial”, e diz ter feito o contrário com suas três meninas, que passaram a morar com ele depois que se separou da primeira mulher (hoje é casado com a também delegada Luciane). Não cansa de repetir o bordão criado por Duda Mendonça para a premiada propaganda do Gelol, “não basta ser pai, tem que participar”. Para quem não lembra, era uma em que o filho se machucava no futebol e o pai corria para dentro do campo para passar a tal pomada na perna do garoto.
O comercial deve ter calado fundo no futuro secretário, até porque o velho Tuma não o deixou ser jogador profissional. O garoto Júnior, que ainda hoje não admite dúvidas quanto a sua destreza com a bola nos pés, pretendia treinar no Guarani, mas, ao saber que o filho teria de deixar os estudos por algum tempo, o xerife reagiu: “Negativo”. “Talvez tenha sido bom”, avalia agora, aos 47, com barriga de ex-atleta. “Mas talvez eu tivesse feito um dinheirinho...”
Ele também pensou em ser neurologista, profissão seguida pelo irmão Rogério (colunista de CartaCapital), mas acabou fazendo concurso para investigador policial aos 18 anos. E gostou tanto do negócio que deve ser uma tortura ver filmes a seu lado. “Eu assisto ao filme para desmontar, descobrir os furos. E não leio histórias policiais, porque vejo que tem muita fantasia, então perde o encanto”, conta Tuma Jr., que se gaba de ter descoberto todos os assassinos de novelas desde Odete Roitman em Vale Tudo.
Em Paraíso Tropical, errou, mas na última global das 8, A Favorita, voltou a acertar que seria o parceiro Silveirinha (Ary Fontoura) o traidor da vilã Flora (Patrícia Pillar). Para sua sorte como noveleiro, entre as atribuições do secretário Nacional de Justiça está a classificação indicativa dos programas por horário, o que o “obriga” a assistir televisão.
Na época de Duas Caras, de Aguinaldo Silva, comprou briga com a Globo porque ameaçou reclassificar a novela se não saísse de cena a dança sensual que a atriz Flávia Alessandra fazia, seminua, em um poste. Tuma Jr. inspirou-se na filha caçula, Roberta, hoje com 14 anos. “Aquilo era insinuante demais para o horário”, justifica. “A relação da tevê com o adolescente é complicada. A criança espelha muito o que vê na tevê, até as coisas ruins. Classificação não é censura, mas precisa tomar cuidado.”
Como delegado de polícia, Tuma Jr. desbaratou uma rede de prostituição em São Paulo que aliciava menores de idade. Mas o caso que lhe deu fama e o levou à Assembleia Legislativa, eleito deputado, foi a máfia dos fiscais, um esquema de corrupção que envolvia camelôs e vereadores da Câmara paulistana. Ao investigar a ligação de um secretário do então prefeito Celso Pitta com o esquema, acabou afastado do inquérito, concluído pelo colega Mauricio Correali, um delegado com pinta de seminarista e fama de gênio que é hoje seu braço direito na secretaria.
“Fui o único exilado político da democracia, me fizeram mudar de cidade, para Taboão da Serra. Aliás, queria ver até se podia entrar aí na comissão de anistia...”, ironiza. Jura, porém, não ter se sentido vingado ao ver Pitta, de pijama, sendo preso pela Operação Satiagraha. “Filmá-lo de pijama deu espaço para a confusão que aconteceu. Quando prendi o Naji Nahas, em 1989, foi a cana do século, os caras queriam algemar, mas para quê? Não tinha risco de ele fugir. Sou contra levar o sujeito à humilhação.”
Pessoalmente, o secretário é o típico paulistano “orra, meu”. Criado no Brás, é um boa-praça com sotaque fortíssimo, devorador de pizzas e, claro, torcedor fanático do Corinthians. Já foi vice-presidente de futebol e é conselheiro do clube desde os tempos da Democracia Corintiana. Por amor à camisa, escarafunchou as atividades da MSI, que patrocinava o time, e descobriu que o capital da empresa vinha de lavagem de dinheiro. A denúncia foi acatada pelo Ministério Público e comprovada pela Polícia Federal.
Como a vida fora dos gramados também é uma caixinha de surpresas, o mesmo STF (Supremo Tribunal Federal), que concedeu em julho passado habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas e sua trupe também liberou o dono da MSI, o russo Boris Berezovsky, e seu sócio, o iraniano Kia Joorabchian.
O juiz federal que havia pedido a prisão preventiva dos dois era o mesmo Fausto De Sanctis, que quis encarcerar Dantas agora. Tuma Jr. e De Sanctis ficaram próximos. A ponto de, em novembro, o juiz, que atua ao lado do secretário na Encla (Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro), ser indicado por Tuma para representar o país em Mônaco, na reunião do Gafi, o Grupo de Ação Financeira Internacional. O que não o impede de criticar os promotores federais em São Paulo por terem desmentido o volume de recursos bloqueados de Daniel Dantas apresentado pelo ministério.
“Eles ficaram chateados por não saberem de algumas cooperações que fizemos. E eu também com a reação deles, porque é uma coisa de vaidade”, diz o secretário. “O que me preocupa é que, para contrapor a nota oficial do ministério, tenham divulgado informações que não são permitidas, que podem até levantar os bloqueios.” A reação dos procuradores é uma espécie de troco dado a Tuma Jr. por tê-los advertido, em novembro passado, que, de acordo com normas internacionais, as provas obtidas têm de passar pela autoridade central brasileira. “Promotor não pode trazer provas debaixo do braço”, provocou.
Desde que virou secretário, o jeitão franco do delegado conquistou admiradores e detratores. Se já não anda com revólver, por via das dúvidas leva no pulso esquerdo vários badulaques protetores, como uma medalhinha de São Judas Tadeu, de quem é devoto. No bolso, outros amuletos: fitinha do Bonfim e uma pulseira com um olho grego, daquelas para espantar mau-olhado.
Supersticioso, quando era delegado não deixava policial que “dava azar” ir a diligências. Repete roupa que dá sorte e, se está torcendo diante da tevê, não muda de posição até o final. “Quando o (Felipe) Massa está correndo na Fórmula 1, não me mexo, fico lá travado, senão vai quebrar o carro.” Em jogo do Corinthians não mexe um músculo. Está contente da vida com a contratação de Ronaldo Fenômeno, mesmo quase tão rechonchudo quanto ele – Tuma Jr. deixou o cigarro ao vir para Brasília, seguro de que na capital ninguém fumava. “E todo mundo fuma, fiquei p...!”
No fundo, as perspectivas do Timão, de volta à Primeira Divisão, o alegram mais do que ver especuladores como Daniel Dantas detrás das grades, mas não esconde que levar corruptos em cana também dá prazer. “Não de vê-los presos em si, mas de saber que ninguém está acima da lei”, explica. “Como secretário, minha atribuição não é prender, é cortar o fluxo financeiro das organizações e repatriar o dinheiro. Minha meta é reinvestir os recursos no combate ao crime.”
Até hoje, Tuma Jr. só conseguiu efetivamente repatriar 1,6 milhão de dólares, do caso Banestado. Trazer de volta os bilhões do Opportunity será um golaço para o xerife boleiro.
Mesmo quem aliou a ida do delegado paulistano para a secretaria do Ministério da Justiça à adesão do velho Tuma ao governo Lula deve reconhecer o feito que é prender um banqueiro foragido no exterior e colocar a mão do Estado na grana de outro. Quem conheceu Júnior quando começou a delegar já o recorda como um homem meio cheinho que varava noites no trabalho, sempre agitado e fumando sem parar, porque queria exibir brilho próprio, herdando, assim, não só o nome, mas também a estrela do pai.
Xerife. O secretário confessa orgulho ao ser chamado da mesma forma que Tuma foi. “O xerife é uma figura que a sociedade intitula, não é alguém que exerce o poder pela força”, diz, sentado na ampla sala que ocupa no quarto andar do ministério. “Sinto um orgulho do caramba do ‘velho’, não seria nenhuma desonra tê-lo como padrinho, mas fui indicado porque sou um conhecedor da matéria. Além disso, meu pai tem muito respeito pelo presidente, mas acho que o presidente gosta mais de mim do que dele.”
Tuma, o filho, queixa-se que o pai, embora carinhoso, foi ausente, “como todo policial”, e diz ter feito o contrário com suas três meninas, que passaram a morar com ele depois que se separou da primeira mulher (hoje é casado com a também delegada Luciane). Não cansa de repetir o bordão criado por Duda Mendonça para a premiada propaganda do Gelol, “não basta ser pai, tem que participar”. Para quem não lembra, era uma em que o filho se machucava no futebol e o pai corria para dentro do campo para passar a tal pomada na perna do garoto.
O comercial deve ter calado fundo no futuro secretário, até porque o velho Tuma não o deixou ser jogador profissional. O garoto Júnior, que ainda hoje não admite dúvidas quanto a sua destreza com a bola nos pés, pretendia treinar no Guarani, mas, ao saber que o filho teria de deixar os estudos por algum tempo, o xerife reagiu: “Negativo”. “Talvez tenha sido bom”, avalia agora, aos 47, com barriga de ex-atleta. “Mas talvez eu tivesse feito um dinheirinho...”
Ele também pensou em ser neurologista, profissão seguida pelo irmão Rogério (colunista de CartaCapital), mas acabou fazendo concurso para investigador policial aos 18 anos. E gostou tanto do negócio que deve ser uma tortura ver filmes a seu lado. “Eu assisto ao filme para desmontar, descobrir os furos. E não leio histórias policiais, porque vejo que tem muita fantasia, então perde o encanto”, conta Tuma Jr., que se gaba de ter descoberto todos os assassinos de novelas desde Odete Roitman em Vale Tudo.
Em Paraíso Tropical, errou, mas na última global das 8, A Favorita, voltou a acertar que seria o parceiro Silveirinha (Ary Fontoura) o traidor da vilã Flora (Patrícia Pillar). Para sua sorte como noveleiro, entre as atribuições do secretário Nacional de Justiça está a classificação indicativa dos programas por horário, o que o “obriga” a assistir televisão.
Na época de Duas Caras, de Aguinaldo Silva, comprou briga com a Globo porque ameaçou reclassificar a novela se não saísse de cena a dança sensual que a atriz Flávia Alessandra fazia, seminua, em um poste. Tuma Jr. inspirou-se na filha caçula, Roberta, hoje com 14 anos. “Aquilo era insinuante demais para o horário”, justifica. “A relação da tevê com o adolescente é complicada. A criança espelha muito o que vê na tevê, até as coisas ruins. Classificação não é censura, mas precisa tomar cuidado.”
Como delegado de polícia, Tuma Jr. desbaratou uma rede de prostituição em São Paulo que aliciava menores de idade. Mas o caso que lhe deu fama e o levou à Assembleia Legislativa, eleito deputado, foi a máfia dos fiscais, um esquema de corrupção que envolvia camelôs e vereadores da Câmara paulistana. Ao investigar a ligação de um secretário do então prefeito Celso Pitta com o esquema, acabou afastado do inquérito, concluído pelo colega Mauricio Correali, um delegado com pinta de seminarista e fama de gênio que é hoje seu braço direito na secretaria.
“Fui o único exilado político da democracia, me fizeram mudar de cidade, para Taboão da Serra. Aliás, queria ver até se podia entrar aí na comissão de anistia...”, ironiza. Jura, porém, não ter se sentido vingado ao ver Pitta, de pijama, sendo preso pela Operação Satiagraha. “Filmá-lo de pijama deu espaço para a confusão que aconteceu. Quando prendi o Naji Nahas, em 1989, foi a cana do século, os caras queriam algemar, mas para quê? Não tinha risco de ele fugir. Sou contra levar o sujeito à humilhação.”
Pessoalmente, o secretário é o típico paulistano “orra, meu”. Criado no Brás, é um boa-praça com sotaque fortíssimo, devorador de pizzas e, claro, torcedor fanático do Corinthians. Já foi vice-presidente de futebol e é conselheiro do clube desde os tempos da Democracia Corintiana. Por amor à camisa, escarafunchou as atividades da MSI, que patrocinava o time, e descobriu que o capital da empresa vinha de lavagem de dinheiro. A denúncia foi acatada pelo Ministério Público e comprovada pela Polícia Federal.
Como a vida fora dos gramados também é uma caixinha de surpresas, o mesmo STF (Supremo Tribunal Federal), que concedeu em julho passado habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas e sua trupe também liberou o dono da MSI, o russo Boris Berezovsky, e seu sócio, o iraniano Kia Joorabchian.
O juiz federal que havia pedido a prisão preventiva dos dois era o mesmo Fausto De Sanctis, que quis encarcerar Dantas agora. Tuma Jr. e De Sanctis ficaram próximos. A ponto de, em novembro, o juiz, que atua ao lado do secretário na Encla (Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro), ser indicado por Tuma para representar o país em Mônaco, na reunião do Gafi, o Grupo de Ação Financeira Internacional. O que não o impede de criticar os promotores federais em São Paulo por terem desmentido o volume de recursos bloqueados de Daniel Dantas apresentado pelo ministério.
“Eles ficaram chateados por não saberem de algumas cooperações que fizemos. E eu também com a reação deles, porque é uma coisa de vaidade”, diz o secretário. “O que me preocupa é que, para contrapor a nota oficial do ministério, tenham divulgado informações que não são permitidas, que podem até levantar os bloqueios.” A reação dos procuradores é uma espécie de troco dado a Tuma Jr. por tê-los advertido, em novembro passado, que, de acordo com normas internacionais, as provas obtidas têm de passar pela autoridade central brasileira. “Promotor não pode trazer provas debaixo do braço”, provocou.
Desde que virou secretário, o jeitão franco do delegado conquistou admiradores e detratores. Se já não anda com revólver, por via das dúvidas leva no pulso esquerdo vários badulaques protetores, como uma medalhinha de São Judas Tadeu, de quem é devoto. No bolso, outros amuletos: fitinha do Bonfim e uma pulseira com um olho grego, daquelas para espantar mau-olhado.
Supersticioso, quando era delegado não deixava policial que “dava azar” ir a diligências. Repete roupa que dá sorte e, se está torcendo diante da tevê, não muda de posição até o final. “Quando o (Felipe) Massa está correndo na Fórmula 1, não me mexo, fico lá travado, senão vai quebrar o carro.” Em jogo do Corinthians não mexe um músculo. Está contente da vida com a contratação de Ronaldo Fenômeno, mesmo quase tão rechonchudo quanto ele – Tuma Jr. deixou o cigarro ao vir para Brasília, seguro de que na capital ninguém fumava. “E todo mundo fuma, fiquei p...!”
No fundo, as perspectivas do Timão, de volta à Primeira Divisão, o alegram mais do que ver especuladores como Daniel Dantas detrás das grades, mas não esconde que levar corruptos em cana também dá prazer. “Não de vê-los presos em si, mas de saber que ninguém está acima da lei”, explica. “Como secretário, minha atribuição não é prender, é cortar o fluxo financeiro das organizações e repatriar o dinheiro. Minha meta é reinvestir os recursos no combate ao crime.”
Até hoje, Tuma Jr. só conseguiu efetivamente repatriar 1,6 milhão de dólares, do caso Banestado. Trazer de volta os bilhões do Opportunity será um golaço para o xerife boleiro.
Fonte:CartaCapital.
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