André Siqueira e Luiz Antonio Cintra
Há um mundo de faz de conta pintado por uma turma de analistas econômicos, frequentadores de certas colunas jornalísticas e restaurantes caros. Nele, o capitalismo brasileiro é fruto pura e simplesmente da livre iniciativa, conforme imaginada pelo escocês Adam Smith no século XVIII. Vívido e criativo esforço de empreendedores agora ameaçados pela intervenção extemporânea e imperfeita do Estado, espécie de ogro capaz de destruir o equilíbrio no reino das fadas do capital.
E há o mundo real. Este, no qual 190 milhões de brasileiros acordam todos os dias com a esperança de arrumar emprego, comprar um carro, casar, ter filhos ou simplesmente conseguir algo para comer antes que a noite chegue. Nesta realidade imperfeita, neste país desigual atrasado por 21 anos de ditadura, Estado e capital vivem uma simbiose. São almas gêmeas. Houve quem achasse – e quem ainda acredite – que a força do segundo reside na fraqueza do primeiro. Mas não há mais o muro de Wall Street para escorar essa ideia.
Mesmo assim, as fadas da capitolândia por vezes se agitam. Como recentemente, no caso da disputa entre a Vale e o governo. Há cerca de dois meses, a maior mineradora do País e a administração Lula oscilam entre o que um integrante do alto escalão do Palácio do Planalto definiu como arengas “levemente, razoavelmente ou bastante feias”. Na segunda-feira 19, pode-se dizer, as conversas poderiam ser classificadas como “levemente feias”. Durante seu discurso na premiação das empresas mais admiradas no Brasil, organizada por CartaCapital, Lula fez questão de tecer elogios a Roger Agnelli, principal executivo da Vale. Hora antes, Agnelli havia anunciado investimentos de 24 bilhões de reais no ano que vem. No evento, o presidente e o executivo, aplaudidos com entusiasmo oceânico pela plateia, se esforçaram para demonstrar ânimos apaziguados.
A retomada dos investimentos da Vale, após os cortes bruscos de empregos e novos projetos no auge da crise mundial, certamente contribui para melhorar o clima. Mas a queda de braço está longe do fim. Agnelli é sustentado na presidência da mineradora pelo Bradesco, que detém 17,4% das ações da Valepar. A japonesa Mitsui, dona de 15%, prefere manter certa neutralidade. A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com 58,1%, e a BNDESpar, com 9,5%, exigem mudanças na estratégia da empresa, alinhados com o Planalto, que gostaria de mais investimentos em siderúrgicas em vista da perspectiva de ampliação do consumo nos próximos anos.
Além disso, a atividade mineradora está escorada em concessões públicas, o que torna ainda mais factíveis eventuais interferências do Estado nos rumos da companhia. O governo também critica a condução das negociações com os japoneses da Baosteel, que, após idas e vindas da mineradora brasileira, desistiram de instalar uma siderúrgica no País. A desistência teria ocorrido diante das dificuldades em obter a aprovação para a construção da usina.
O ingresso da mineradora no ramo do aço é visto em Brasília como estratégico. Vai além, inclusive, do discurso de Lula, para quem a empresa deveria exportar “mais valor agregado e menos minério”. A maior preocupação diz respeito aos planos de investimento da Petrobras, que preveem a contratação de fornecedores locais de navios, equipamentos de exploração e plataformas de petróleo – o que deverá puxar a demanda doméstica e periga deixar a cadeia petrolífera sujeita às oscilações internacionais no preço da commodity metálica.
As preocupações do governo não se restringem aos passos da Vale. As demais empresas e setores foram entregues aos cuidados do ex-professor de Economia da Unicamp Luciano Coutinho, chamado de “craque” por Lula em conversas privadas. O BNDES detém participações relevantes no capital de mais de 140 empresas e tem assento em quase 30 diferentes conselhos de administração.
O banco foi financiador e avalista da maioria dos grandes arranjos setoriais realizados no Brasil nos últimos anos, desde a reorganização dos ativos petroquímicos até as polêmicas fusões da Oi com a Brasil Telecom e da Sadia com a Perdigão. No auge da crise, após receber aporte de 100 bilhões de reais do Tesouro, reservou 25 bilhões à Petrobras, que enfrentou problemas para captar dinheiro no exterior.
Há um mundo de faz de conta pintado por uma turma de analistas econômicos, frequentadores de certas colunas jornalísticas e restaurantes caros. Nele, o capitalismo brasileiro é fruto pura e simplesmente da livre iniciativa, conforme imaginada pelo escocês Adam Smith no século XVIII. Vívido e criativo esforço de empreendedores agora ameaçados pela intervenção extemporânea e imperfeita do Estado, espécie de ogro capaz de destruir o equilíbrio no reino das fadas do capital.
E há o mundo real. Este, no qual 190 milhões de brasileiros acordam todos os dias com a esperança de arrumar emprego, comprar um carro, casar, ter filhos ou simplesmente conseguir algo para comer antes que a noite chegue. Nesta realidade imperfeita, neste país desigual atrasado por 21 anos de ditadura, Estado e capital vivem uma simbiose. São almas gêmeas. Houve quem achasse – e quem ainda acredite – que a força do segundo reside na fraqueza do primeiro. Mas não há mais o muro de Wall Street para escorar essa ideia.
Mesmo assim, as fadas da capitolândia por vezes se agitam. Como recentemente, no caso da disputa entre a Vale e o governo. Há cerca de dois meses, a maior mineradora do País e a administração Lula oscilam entre o que um integrante do alto escalão do Palácio do Planalto definiu como arengas “levemente, razoavelmente ou bastante feias”. Na segunda-feira 19, pode-se dizer, as conversas poderiam ser classificadas como “levemente feias”. Durante seu discurso na premiação das empresas mais admiradas no Brasil, organizada por CartaCapital, Lula fez questão de tecer elogios a Roger Agnelli, principal executivo da Vale. Hora antes, Agnelli havia anunciado investimentos de 24 bilhões de reais no ano que vem. No evento, o presidente e o executivo, aplaudidos com entusiasmo oceânico pela plateia, se esforçaram para demonstrar ânimos apaziguados.
A retomada dos investimentos da Vale, após os cortes bruscos de empregos e novos projetos no auge da crise mundial, certamente contribui para melhorar o clima. Mas a queda de braço está longe do fim. Agnelli é sustentado na presidência da mineradora pelo Bradesco, que detém 17,4% das ações da Valepar. A japonesa Mitsui, dona de 15%, prefere manter certa neutralidade. A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com 58,1%, e a BNDESpar, com 9,5%, exigem mudanças na estratégia da empresa, alinhados com o Planalto, que gostaria de mais investimentos em siderúrgicas em vista da perspectiva de ampliação do consumo nos próximos anos.
Além disso, a atividade mineradora está escorada em concessões públicas, o que torna ainda mais factíveis eventuais interferências do Estado nos rumos da companhia. O governo também critica a condução das negociações com os japoneses da Baosteel, que, após idas e vindas da mineradora brasileira, desistiram de instalar uma siderúrgica no País. A desistência teria ocorrido diante das dificuldades em obter a aprovação para a construção da usina.
O ingresso da mineradora no ramo do aço é visto em Brasília como estratégico. Vai além, inclusive, do discurso de Lula, para quem a empresa deveria exportar “mais valor agregado e menos minério”. A maior preocupação diz respeito aos planos de investimento da Petrobras, que preveem a contratação de fornecedores locais de navios, equipamentos de exploração e plataformas de petróleo – o que deverá puxar a demanda doméstica e periga deixar a cadeia petrolífera sujeita às oscilações internacionais no preço da commodity metálica.
As preocupações do governo não se restringem aos passos da Vale. As demais empresas e setores foram entregues aos cuidados do ex-professor de Economia da Unicamp Luciano Coutinho, chamado de “craque” por Lula em conversas privadas. O BNDES detém participações relevantes no capital de mais de 140 empresas e tem assento em quase 30 diferentes conselhos de administração.
O banco foi financiador e avalista da maioria dos grandes arranjos setoriais realizados no Brasil nos últimos anos, desde a reorganização dos ativos petroquímicos até as polêmicas fusões da Oi com a Brasil Telecom e da Sadia com a Perdigão. No auge da crise, após receber aporte de 100 bilhões de reais do Tesouro, reservou 25 bilhões à Petrobras, que enfrentou problemas para captar dinheiro no exterior.
“Damos suporte aos campeões emergentes que o sistema empresarial brasileiro, pelos seus méritos, produziu”, afirma Coutinho.
O debate sobre o papel do Estado no setor empresarial é antigo e, se ainda não caducou no resto do mundo, no Brasil é certo que ainda vai render acalorados debates. Fora as consolidações ainda em andamento, como a da indústria de alimentos, o BNDES de Coutinho mantém estudos sobre possíveis reestruturações, com vistas à formação de grandes conglomerados, em setores como o siderúrgico, o farmacêutico e o petroquímico. Neste último caso, ocorreria um segundo rearranjo, com a aquisição da Quattor pela Braskem, por enquanto não confirmada pelas companhias. Artigo completo aqui.
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