quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O papel do BC e da Fazenda na crise



Brasil - Cristiano Romero
Valor Econômico - 18/11/2009

O Brasil vem sendo celebrado, nos últimos meses, como um país que soube enfrentar a crise financeira internacional. Segundo a revista inglesa "The Economist", foi um dos últimos a entrar na turbulência e um dos primeiros a sair. No exterior, mais do que aqui dentro, o ânimo com as perspectivas da economia brasileira foi renovado. Multinacionais, especialmente dos setores de siderurgia e petróleo, estão anunciando investimentos bilionários no país.

A gigante inglesa British Gas (BG Group) manifestou o propósito de investir US$ 20 bilhões no país, mesmo tendo restrições ao marco regulatório do pré-sal proposto pelo governo. O maior grupo siderúrgico do planeta - o indiano ArcelorMittal - elegeu o Brasil como a prioridade número 1 e seu dono, o empresário Lakshmi Mittal, se esmerou, durante conversa com o presidente Lula em Londres, em elogios à forma "rápida" como o Brasil enfrentou a crise. Fazendo uma comparação, disse que os russos se saíram muito mal e que, do jeito que vai, o "r" de Rússia terá que ser banido do acrônimo Bric.

Mas, afinal, qual foi o segredo do Brasil no enfrentamento da crise, considerada a mais grave desde a Grande Depressão de 1929? Foi a partir dessa indagação que o Valor decidiu investigar os principais fatos da turbulência. A importância de uma apuração mais detalhada era óbvia. Lições para o futuro podem ser tiradas tanto de momentos de crise quanto de êxito.

Até então, o que se sabia do furacão que atingiu o Brasil é que algumas poucas empresas exportadoras sofreram prejuízos com operações de derivativo cambial, que bancos pequenos e médios amargaram dificuldades de caixa no auge da confusão, que o real perdeu valor face ao dólar de forma abrupta e que, finalmente, a economia sofreu um parada súbita no quarto trimestre de 2008. O país, dizia-se, escapou porque, pela primeira vez em sua história, tinha bons fundamentos - solvência interna e externa do Estado, inflação sob controle, reservas cambiais abundantes.

Ter fundamentos sólidos é, sem dúvida, um bom começo para enfrentar um tsunami como o da crise bancária originada nos países de economia avançada. O que se verifica agora é que, na verdade, não bastava ter bons fundamentos; era preciso ter também boa gerência. Países com as contas em ordem, como México e Chile, sofreram mais que o Brasil. Economias que tinham reserva internacional bem maior que a brasileira, como a russa, também apanharam mais.

A crise que se abateu sobre a economia brasileira a partir de 15 de setembro foi muito mais grave do que diziam, à época, os integrantes da equipe econômica. É natural que tenha sido assim, afinal, eles não podiam espalhar terror, piorando as expectativas num momento delicado. Passada a crise, chegou a hora de saber exatamente o que aconteceu.

Um ano depois do início da fase aguda da crise financeira internacional, o Valor apurou, no entanto, que entre os dias 15 de setembro e 5 de dezembro de 2008 o país viveu três fatos da maior gravidade: uma corrida bancária, um ataque especulativo contra o real e a exposição excessiva de companhias brasileiras a posições vendidas em dólar.

No primeiro caso, a corrida poderia ter provocado a quebra em série de bancos pequenos e médios, ensejando uma crise bancária de maiores proporções. No segundo, o país poderia ter assistido ao desmanche das reservas cambiais, ou seja, do seu seguro anticrise, tornando-se vulnerável a novos choques. No terceiro, grandes empresas exportadoras, estrelas reluzentes do período pré-crise de expansão da economia, poderiam ter fechado as portas, destruindo riqueza e empregos.

O fato é que, liderado pelo governo Lula, o Estado brasileiro, por meio do Banco Central (BC) e do Ministério da Fazenda, soube reagir a esses fatos, evitando que a crise internacional se transformasse numa crise brasileira. O BC atuou na linha de frente da turbulência porque é sua prerrogativa administrar as políticas monetária e cambial, áreas em que se concentrava o núcleo dos problemas enfrentados pelo país na primeira fase da crise (escassez de liquidez nos mercados de dólar e real).

Foi justamente o período mais conturbado da crise o foco da reportagem publicada pelo Valor na sexta-feira, com informações de fontes variadas e depoimentos de Mário Torós, ex-diretor de Política Monetária do BC, que falou exclusivamente sobre os três fatos mais graves da crise. Torós, como integrante privilegiado do gabinete de crise criado pelo presidente da instituição, Henrique Meirelles, deu sua visão pessoal - uma bela contribuição à compreensão da dimensão da crise que assolou o Brasil e do modus faciendi da autoridade monetária e do governo naqueles dias tensos e perigosos.

A estratégia do BC pode ser resumida, hoje, à seguinte linha de ação: no primeiro momento, sem que se soubesse ainda o tamanho da crise, o banco evitou queimar reservas, optando por fazer venda de dólar com recompra, e reduziu os compulsórios para dar liquidez ao mercado de reais; no momento seguinte, fez intervenções para estabilizar o dólar e adotou medidas para evitar a quebra de bancos pequenos e médios; o passo seguinte foi usar reservas cambiais para financiar os exportadores; por fim, criou um mecanismo de seguro que permitiu que os bancos menores andassem com as próprias pernas.

O Ministério da Fazenda, com decisões igualmente rápidas nas áreas fiscal e de crédito público, foi crucial para fazer a economia se recuperar de forma célere do baque sofrido entre setembro e dezembro de 2008. Na área fiscal, gerou um superávit primário maior naquele ano, destinando, inclusive, parte desse esforço (0,5% do PIB) para uma reserva (o Fundo Soberano do Brasil). Depois, já na segunda fase da crise, promoveu desonerações que ajudaram a manter de pé setores vitais da indústria.

Na área de crédito, ao autorizar empréstimo de recursos expressivos do Tesouro ao BNDES, a Fazenda contribuiu para assegurar que grandes projetos de infraestrutura continuassem sendo financiados, apesar da crise. Não foi um papel menor.

Nenhum comentário: