Coisas da Política
Cristian Klein
Jornal do Brasil - 08/12/2009
Dizia-se, durante o escândalo do mensalão que atingiu o PT, em 2005, que o partido não sobreviveria a tamanho estrago em sua imagem. O PT iria acabar. Ou pelo menos minguaria nas eleições no ano seguinte e teria sua representação no Congresso reduzida a meia dúzia de parlamentares-pingados. Não foi o que ocorreu. Sua bancada na Câmara, que havia sido de 91 deputados eleitos em 2002, caiu para 83. O partido encolheu, mas muito pouco, perto das previsões devastadoras. E o DEM? O que acontecerá com o (ainda) partido do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, envolvido num esquema que produziu o maior acervo de imagens comprometedoras da história da República? O mensalão do DEM também terá pouco impacto nos resultados eleitorais da sigla no ano que vem?
Há razões para se acreditar que a história não vai se repetir. Nem tanto por uma punição imediata do eleitor aos candidatos demistas. Mas pelos efeitos indiretos do escândalo no caminho entre a articulação que ocorre ao nível da elite política e as urnas. E pela posição desfavorável que o partido ocupa na dinâmica do processo decisório. A situação do DEM não é a mesma do PT. Por vários motivos.
O Democratas não está assentado no comando de uma poderosa máquina federal, como estava o PT em 2005. O controle de cargos, verbas e sinecuras dava ao Partido dos Trabalhadores uma posição privilegiada, do alto, para sobreviver a todas as investidas e munição pesada lançada pelos adversários. Quadros importantes da legenda, como José Dirceu e Luiz Gushiken, foram alvejados e saíram de cena. Mas o principal, o coração, estava preservado. O presidente atravessou a crise como se estivesse num carro oficial blindado. Ou, para usar a metáfora de praxe, revestido por teflon. Nenhuma acusação colou em Lula.
E essa é a segunda diferença. O DEM não tem um grande líder, e muito menos pode contar com um presidente da República popular – aliás, não apresenta um candidato próprio a presidente desde 1989. Em 2006, boa parte da sobrevivência do PT deve ser atribuída ao chamado efeito coattail, ou seja, à tendência de um forte líder puxar votos para outros candidatos do mesmo partido ou coligação partidária. O DEM, desde sua aliança com o PSDB, conformou-se com a posição de um partido satélite. Até para se aproveitar desse mesmo efeito coattail, capitaneado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Deu certo quando estava no governo, e sua bancada eleita na Câmara dos Deputados passou de 17,3%, em 1994, para 20,5%, em 1998, tornando-se a maior da Casa. Mas não deu certo na oposição. Sua representação despencou para 16,4%, em 2002, e para 12,7%, em 2006, quando passou a ser a quarta em tamanho. Nessa eleição, o mensalão do ano anterior era do PT, mas quem minguou mais foi o DEM (ainda PFL), com uma queda de 22,6% no seu número de deputados federais. Os petistas perderam 8,8%.
O pleito de 2006 também significou para os democratas um baque no controle das máquinas estaduais. A derrota do carlismo, na Bahia, para um candidato do PT, Jaques Wagner, foi o golpe maior, numa disputa que deixou o DEM com um único governador, o do DF, exatamente José Roberto Arruda, que agora lhe suja a imagem.
Logo, a desidratação do DEM é anterior e independe de qualquer escândalo. É mais profunda. O partido já não domina mais os grotões como antigamente. Quase oito anos fora do governo federal fizeram sua geografia eleitoral mudar, como mostram estudos recentes. O PT e os partidos aliados avançaram sobre seus territórios.
O que lhe resta de importante, então? Ao DEM, sobrou o Senado, onde ainda tem uma bancada de peso; a prefeitura de São Paulo – de resto, um espólio herdado do padrinho José Serra e dividido com o PSDB – e o tempo que o partido dispõe no horário eleitoral gratuito. É com este último trunfo que os democratas ainda esperam preservar a posição de parceiro preferencial dos tucanos numa chapa presidencial. Terá o significado de um rebaixamento não emplacar sequer um candidato a vice. É esse o principal perigo que ronda o DEM e que se juntaria a todos os outros fatores para um possível definhamento eleitoral. Seria um poderoso sinal, ao nível das elites políticas, de um rearranjo nacional das alianças atuais. Os “demos” terão que orar muito para escapar desta.
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