quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O "imperialismo" boliviano e a aritmética do Estadão

Como vocês sabem, um dos maiores problemas brasileiros em matéria de soberania nacional é nosso relacionamento com esta potência continental chamada… Bolívia. Vivemos oprimidos pelo poder descomunal daquele país, que inclusive já conta com dezenas de milhares de cidadãos infiltrados em nosso território, em trabalhos mal remunerados e até funcionando como mão de obra escrava na indústria têxtil, com jornadas de trabalho de até 14 horas por dia.

Por Brizola Neto, no blog Tijolaço.com


Por isso, certamente imbuído dos mais elevados valores patrióticos — inclusive com uma foto que sugere a imposição militar do acordo —, O Estado de S. Paulo publica hoje (16) uma matéria sobre a “imposição” boliviana de que pagássemos pelas chamadas “frações líquidas” do gás que nos fornecem: propano, butano e gasolina natural que, evidentemente, têm preço mais elevado que o chamado “gás seco”.

A imprensa gosta de cuidar desta história do gás boliviano com três distorções. Vou tentar abordar cada uma.

Primeiro, o gás não é uma mercadoria qualquer. Não é como um artigo que se compre aqui hoje, amanhã se compre ali. Para ser transportado, o gás natural exige das duas, um. Ou gasodutos — caros, evidentemente — ou plantas de liquefação e regaseificação, que o permita ser transportado por navios. Não se vende gás natural como se fosse um botijão de cozinha. Qualquer acordo de compra de gás, exceto onde já existem estruturas de liquefação e regaseificação — igualmente caras — tem de ser de longo prazo.

Temos um acordo de compra na Bolívia, numa modalidade chamada pelos técnicos de “take or pay”. Isto é, mesmo que não usemos o gás, assumimos o compromisso de pagar por uma quantidade mínima, no caso 21 milhões metros cúbicos diários, como aliás, lá no finzinho, registra o próprio Estadão. Quem firmou este contrato não foi Che Guevara, nem Hugo Chávez, nem Marco Aurélio Garcia. Foi Fernando Henrique Cardoso. E usou o poder brasileiro para fixar um preço irrisório pelo gás, como a ditadura fez com o Paraguai no caso da energia elétrica de Itaipu.

É dever de um governo responsável tornar estes contratos equilibrados, para que possam ser viáveis a longo prazo.

Não é preciso ser nenhum estudioso de relações internacionais para ver que os tempos mudaram. Não apenas é inviável manter o mesmo tipo de relações que se mantinha com os governos daqueles tempos — onde, digamos, havia grande receptividade a se aproveitarem as “frações líquidas” dos contratos ruinosos para seus países — como o Brasil jamais construirá uma liderança continental sendo intransigente e não aceitando acordos justos com seus vizinhos.

A segunda questão é a da matriz energética. Igualmente aí não se pode deixar que tudo seja regido pela “mão do mercado”. O petróleo hoje vale metade do preço que valia antes da crise que arrasou o mundo desenvolvido. Portanto, em comparação com outras fontes de eenrgia, barateou-se. Isso fez, naturalmente, caírem os preços do gás. Então, passou a ser mais barato substituir o gás por óleo combustível. Mais barato, sim, e um desastre ambiental. De outro lado, as chuvas fartas tornaram desncessário o funcionamento pleno das usinas termelétricas a gás, cuja energia é muito mais cara que a de geração hídrica. E as quantidades que essas usinas a gás consome é imensa: só a Termelétrica a Gás Leonel Brizola, lá no Rio, consome, na capacidade máxima, 1,3 milhão de toneladas de gás natural.

Se, amanhã, a chuva se reduzir e ela precisar ser acionada a pleno, vamos comprar gás aonde? Ou vamos queimar óleo em quantidades descomunais para que funcione? Esta usina — sem este nome, é claro — e diversas outras foram iniciadas no período do apagão de FHC, que ofereceu aos grupos estrangeiros contratos de compra da energia pela Petrobras em condições de “negócio da China”. O governo Lula acabou tendo que fazer a estatal absorver as próprias usinas, para que os projetos não fossem abandonados e as garantias executadas.

O último aspecto da matéria é o mais risível. O jornal fala em um prejuízo que impressiona: US$ 1,2 bilhão. Mas só lá na matéria, com atenção, você percebe que este é o valor em 12 anos. Já imaginaram se os outros reajustes fossem tratados assim?

Vou dar um exemplo para ficar fácil entender. O salário-minimo é de R$ 465. No orçamento, o seu menor reajuste previsto para 2010 é para R$ 505. Quarenta reais, portanto. Mas, no jeito Estadão de fazer contas, juntando 12 anos e apresentando o valor, a manchete poderia ser que o trabalhador de salário-mínimo vai ganhar R$ 5. 760,00 de reajuste, que é a multiplicação de R$ 40 por doze meses e doze anos.

Vidão, hein?

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