
Por Brizola Neto, no blog Tijolaço.com
Por isso, certamente imbuído dos mais elevados valores patrióticos — inclusive com uma foto que sugere a imposição militar do acordo —, O Estado de S. Paulo publica hoje (16) uma matéria sobre a “imposição” boliviana de que pagássemos pelas chamadas “frações líquidas” do gás que nos fornecem: propano, butano e gasolina natural que, evidentemente, têm preço mais elevado que o chamado “gás seco”.
A imprensa gosta de cuidar desta história do gás boliviano com três distorções. Vou tentar abordar cada uma.
Primeiro, o gás não é uma mercadoria qualquer. Não é como um artigo que se compre aqui hoje, amanhã se compre ali. Para ser transportado, o gás natural exige das duas, um. Ou gasodutos — caros, evidentemente — ou plantas de liquefação e regaseificação, que o permita ser transportado por navios. Não se vende gás natural como se fosse um botijão de cozinha. Qualquer acordo de compra de gás, exceto onde já existem estruturas de liquefação e regaseificação — igualmente caras — tem de ser de longo prazo.
Temos um acordo de compra na Bolívia, numa modalidade chamada pelos técnicos de “take or pay”. Isto é, mesmo que não usemos o gás, assumimos o compromisso de pagar por uma quantidade mínima, no caso 21 milhões metros cúbicos diários, como aliás, lá no finzinho, registra o próprio Estadão. Quem firmou este contrato não foi Che Guevara, nem Hugo Chávez, nem Marco Aurélio Garcia. Foi Fernando Henrique Cardoso. E usou o poder brasileiro para fixar um preço irrisório pelo gás, como a ditadura fez com o Paraguai no caso da energia elétrica de Itaipu.
É dever de um governo responsável tornar estes contratos equilibrados, para que possam ser viáveis a longo prazo.
Não é preciso ser nenhum estudioso de relações internacionais para ver que os tempos mudaram. Não apenas é inviável manter o mesmo tipo de relações que se mantinha com os governos daqueles tempos — onde, digamos, havia grande receptividade a se aproveitarem as “frações líquidas” dos contratos ruinosos para seus países — como o Brasil jamais construirá uma liderança continental sendo intransigente e não aceitando acordos justos com seus vizinhos.
A segunda questão é a da matriz energética. Igualmente aí não se pode deixar que tudo seja regido pela “mão do mercado”. O petróleo hoje vale metade do preço que valia antes da crise que arrasou o mundo desenvolvido. Portanto, em comparação com outras fontes de eenrgia, barateou-se. Isso fez, naturalmente, caírem os preços do gás. Então, passou a ser mais barato substituir o gás por óleo combustível. Mais barato, sim, e um desastre ambiental. De outro lado, as chuvas fartas tornaram desncessário o funcionamento pleno das usinas termelétricas a gás, cuja energia é muito mais cara que a de geração hídrica. E as quantidades que essas usinas a gás consome é imensa: só a Termelétrica a Gás Leonel Brizola, lá no Rio, consome, na capacidade máxima, 1,3 milhão de toneladas de gás natural.
Se, amanhã, a chuva se reduzir e ela precisar ser acionada a pleno, vamos comprar gás aonde? Ou vamos queimar óleo em quantidades descomunais para que funcione? Esta usina — sem este nome, é claro — e diversas outras foram iniciadas no período do apagão de FHC, que ofereceu aos grupos estrangeiros contratos de compra da energia pela Petrobras em condições de “negócio da China”. O governo Lula acabou tendo que fazer a estatal absorver as próprias usinas, para que os projetos não fossem abandonados e as garantias executadas.
O último aspecto da matéria é o mais risível. O jornal fala em um prejuízo que impressiona: US$ 1,2 bilhão. Mas só lá na matéria, com atenção, você percebe que este é o valor em 12 anos. Já imaginaram se os outros reajustes fossem tratados assim?
Vou dar um exemplo para ficar fácil entender. O salário-minimo é de R$ 465. No orçamento, o seu menor reajuste previsto para 2010 é para R$ 505. Quarenta reais, portanto. Mas, no jeito Estadão de fazer contas, juntando 12 anos e apresentando o valor, a manchete poderia ser que o trabalhador de salário-mínimo vai ganhar R$ 5. 760,00 de reajuste, que é a multiplicação de R$ 40 por doze meses e doze anos.
Vidão, hein?
Nenhum comentário:
Postar um comentário