sábado, 19 de dezembro de 2009

O vice na berlinda


Leandro Fortes

Preservado, até agora, do terremoto político que se abateu sobre Brasília desde a deflagração da Operação Caixa de Pandora, o vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio Pereira, está prestes a entrar na alça de mira da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Presidente do DEM no DF, Paulo Octávio seria a opção da sigla depois da desfiliação do governador José Roberto Arruda, em 10 de dezembro, como resultado do escândalo de pagamentos de propinas a políticos e empresários locais. Seria. PO, como é conhecido pelos amigos, também está sob suspeição dentro do partido, que se recusa a defendê-lo incondicionalmente, por temor de que apareçam novas provas contra ele. Dono da maior construtora do Centro Oeste e considerado o homem mais rico da capital federal, Paulo Octávio também acumula o cargo de secretário de Desenvolvimento e Turismo do DF, responsável por diversos contratos sem licitação, inclusive um de 3 milhões de reais para pagar a escola de samba Beija Flor de Nilópolis, do Rio de Janeiro.

Paulo Octávio não aparece, pessoalmente, em nenhum dos vídeos apresentados, até agora, pelo ex-secretário de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa. O nome do empresário, no entanto, é relacionado em duas das gravações por conta da aparição do executivo Marcelo Carvalho, nada menos que o diretor da holding Paulo Octávio e, portanto, braço direito do vice-governador do DEM. Nos vídeos, de acordo com o inquérito da PF, Carvalho conversa com Barbosa sobre a partilha de recursos de caixa dois arrecadados junto a empresários para pagamentos de propinas. Segundo o ex-secretário de Relações Institucionais, de todo dinheiro recolhido, 40% iam para Arruda, 30% para Paulo Octávio e os outros 30% eram pulverizados entre deputados e secretários distritais ligados ao esquema.

A investigação da Polícia Federal é mais específica. Segundo informações do inquérito da Operação Caixa de Pandora, para a “equipe de Paulo Octávio”, os 30% em questão vinham de empresas que teriam se beneficiado da aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) do DF. Marcelo Carvalho, de acordo com a PF, fazia o pagamento dos deputados distritais da base do governo para aprovar o projeto. Essa suspeita serviu de base para uma ação impetrada na Justiça pelo Ministério Público do DF, em 4 de dezembro, na qual é pedida a anulação do PDOT. O plano levou dois anos para ser aprovado na Câmara Legislativa e entre os principais beneficiários está, justamente, a construtora Paulo Octávio.

Graças à aprovação do PDOT, o grupo Paulo Octávio pode abocanhar parte daquele que é considerado, atualmente, o mais importante empreendimento imobiliário do Brasil, o chamado Setor Noroeste de Brasília. Localizado na Asa Norte da capital, ao lado de uma área de preservação ambiental, o Noroeste ainda é um incipiente canteiro de obras, mas ostenta o metro quadrado mais caro do País. Apenas no local, a construtora do vice-governador do DEM investiu cerca de 30 milhões de reais. Quem também apareceu por lá foi outra empreiteira investigada na Caixa de Pandora, a JC Gontijo, do empresário José Celso Gontijo. Em uma das gravações de Barbosa, Gontijo aparece com dinheiro para abastecer o propinoduto montado no governo Arruda.

O promotor Roberto Carlos Silva, autor da ação no Ministério Público, afirma que a tramitação do PDOT, aprovado em dezembro de 2008 na Câmara Legislativa, correu de forma ilegal. Segundo ele, o substituto da proposta ao projeto, formulado pelo governador Arruda, não poderia ter sido feito pelos deputados distritais – entre eles, a deputada Eurides Britto (PMDB), filmada por Barbosa enquanto empurrava maços de dinheiro em uma bolsa de couro. Na época, apenas cinco parlamentares (quatro do PT e um do PDT) votaram contra a aprovação do projeto.

Em um outro vídeo, datado de 21 de outubro de 2009, Durval Barbosa informa ao governador Arruda que, a partir da caixinha montada junto ao empresariado brasiliense, Paulo Octávio havia mandado pagar 50 mil reais a Roberto Giffoni, corregedor-geral do GDF, e mais 120 mil reais ao secretário de Planejamento, Ricardo Pena. Diante da insatisfação de Barbosa com a ingerência do vice nos critérios de partilha, Arruda o desautoriza a tomar qualquer atitude. “Tô querendo seguir as ordens do Paulo”, avisa o governador. Desde então, Paulo Octávio entrou, também na mira da Ordem dos Advogados do Brasil. “Não é razoável concluir que tudo tenha ocorrido sem a ciência do vice”, afirmou João Pedro Ferraz dos Passos, relator do pedido de impeachment da dupla Arruda/Paulo Octávio na Ordem.

Logo depois da veiculação dos vídeos, sucessos de audiência na rede mundial da internet, Paulo Octávio divulgou uma nota oficial, via assessoria de imprensa, na qual afirma, “em homenagem à verdade”, jamais ter autorizado ninguém a receber ou solicitar dinheiro por ele. Em seguida, contratou o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais caros criminalistas do País, para defendê-lo. Coincidentemente, Kakay também é advogado de Marcelo Carvalho, o mesmo executivo desautorizado por Paulo Octávio. O advogado também havia defendido José Roberto Arruda, em 2001, no caso da quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado Federal, que resultou na renúncia do governador, então senador do PSDB e líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Senado.

“Não há acusação formal nenhuma, em nenhum dos casos”, afirma Almeida Castro. Segundo ele, no caso do executivo Marcelo Carvalho, não há evidências nos vídeos gravados por Durval Barbosa de que o empresário estivesse tratando de dinheiro. Em uma das gravações, ele é filmado enquanto repassa uma pasta para Barbosa. “Meu cliente foi levar documentos para tratar de questões empresariais”, garante o advogado. Mas que questões empresariais? “Ele não detalhou para mim que assuntos eram”, diz, candidamente, Kakay. Procurado por CartaCapital, o vice-governador Paulo Octávio ficou de ser contatado por sua assessoria de imprensa para futuro retorno, o que não aconteceu.

No DEM, oficialmente, o caso de Paulo Octávio é tratado com frieza policial. Como não há um registro efetivo da participação do vice-governador no esquema de propinas de José Roberto Arruda, aposta-se no poder da inércia para deixá-lo vivo politicamente até as eleições de 2010, ainda que com poucas chances de ser eleito. “O partido está acompanhado as investigações, mas não temos razões, até agora, para abrir um processo disciplinar contra o vice Paulo Octávio”, explica o deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente nacional do DEM.

Internamente, no entanto, a história é outra. Liderados pelo senador Demóstenes Torres (GO), os caciques do ex-PFL colocaram as barbas de molho desde que passaram a circular em Brasília boatos dando conta do surgimento de novos e ainda mais explosivos vídeos feitos por Durval Barbosa. Oriundo do Ministério Público e ex-secretário de Segurança Pública de Goiás, Torres conhece os riscos de se enveredar em uma defesa apaixonada de Paulo Octávio e, mais para frente, ser obrigado a fazer uma retratação pública em meio à maior crise política já enfrentada pela sigla.

Além da questão do PDOT, Paulo Octávio também terá que se explicar sobre a atuação da estatal de turismo do DF, a BrasíliaTur, subordinada a ele na Secretaria de Desenvolvimento e Turismo do DF. Em 2008, apenas com festas e homenagens, o GDF gastou 26,1 milhões de reais, quatro vezes mais do que o ano anterior. Em 2009, esse montante subiu para 64 milhões de reais, segundo levantamento feito no gabinete do deputado distrital Chico Leite (PT), por meio do Siggo, o sistema de acompanhamento de gastos do GDF.

Dentre os contratos suspeitos está o firmado com a Beija Flor de Nilópolis, do banqueiro do jogo do bicho Aniz Abraão David, o Anísio. Em 29 de setembro passado, o bicheiro recebeu a primeira parcela do GDF, no valor de 1,5 milhão de reais, de um total de 3 milhões de reais. O contrato, feito sem licitação, tem como objetivo colocar na avenida o samba enredo “Brilhante como o sol do novo mundo, Brasília do sonho à realidade, a capital da esperança”, em homenagem à criação de Juscelino Kubitschek.

O escândalo do “mensalão do DEM” acabou, também, por restringir os horizontes políticos de Paulo Octávio. Em 2006, pretendia ser o cabeça da chapa do antigo PFL para o governo do DF, mas acabou atropelado por Arruda. Aceitou ser vice-governador desde que, na próxima eleição, a de 2010, pudesse sair candidato a governador. Arruda sairia para o Senado, mas o trato já estava quebrado desde o início do ano, novamente à revelia de Paulo Octávio. Casado com Anna Christina Kubitschek, o empresário sonhava um dia se tornar o herdeiro político de JK, avô de sua mulher. Pelo andar da carruagem, é mais provável que acabe enlameando o nome da família ou fazendo valer o principal slogan das manifestações contra corrupção em Brasília: "Arruda na Papuda (presídio do DF) e PO no xilindró".


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