Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 03/12/2009
No exame dos processos revolucionários da História, nota-se sempre a falta de consciência das elites políticas. Como os movimentos levam décadas, com avanços e retrocessos, os episódios passam a ser rotineiros, e sempre se espera que o tempo administre a situação. Pouco a pouco, no entanto, como previne a lógica dialética, a quantidade se transforma em qualidade: os fatos, somando-se, exigem uma reação. Nos últimos anos temos assistido, no Brasil e no mundo, a manifestações de inconformismo da cidadania que deviam assustar. Deixando de lado o que se passa em outros países, porque a cada um basta o seu cuidado, a situação em nosso país merece reflexões.
Ontem, manifestantes ocuparam as dependências da Câmara Distrital, em Brasília, impedindo a sessão ordinária da Casa. Há algum tempo, a própria Câmara dos Deputados foi invadida e depredada por manifestantes. Por enquanto, são grupos pequenos, mas, a cada nova manifestação, os contingentes crescem. No Rio e em São Paulo, as ações armadas lembram confrontos insurrecionais. Não se pode dar conotação política clássica aos atos de violência do crime organizado, mas é sempre política, de uma forma ou de outra, a violência armada contra o Estado. Não adianta menosprezar os capitães do crime. Eles contam com pequenos exércitos, recrutados entre os que não têm futuro, sem estudos, sem afeto, sem esperança, e sem razões ideológicas que possam contê-los.
A corrupção é um crime, como qualquer outro. Quando se rouba do Estado, rouba-se da sociedade. A sociedade não é ente abstrato: é a soma dos indivíduos que trabalham e que, direta ou indiretamente, financiam as atividades públicas. É natural que cada um dos cidadãos se sinta, pessoalmente, roubado. Roubado do dinheiro que falta para cuidar de seus filhos, dar vida mais tranquila à família, tomar sua cerveja aos domingos com os amigos enquanto assiste a uma partida de futebol.
O presidente da República voltou a falar em uma Assembleia Nacional Constituinte. Essa poderá ser a saída para dotar o Estado de instrumentos jurídicos que venham a tornar mais legítima a representação popular e a dificultar os atos de corrupção, concussão e peculato. Mas será difícil adotar regras hábeis de convocação da assembleia com o Parlamento que temos. Se os cidadãos se decidissem a, mediante o instrumento da iniciativa popular, exigir do Congresso essa convocação, dentro das cautelas necessárias, talvez houvesse uma saída política para a crise ética que tende a agravar-se com o processo eleitoral.
Há, entre os servidores permanentes do Estado, os que se preocupam com a necessidade de reforma das instituições para o aprimoramento ético da administração. Em Salvador se reuniu, no fim de outubro, o 14º Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública. Entre os representantes brasileiros se encontravam o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence e o padre Ernanne Pinheiro, assessor da CNBB, ambos membros da Comissão de Ética Pública do governo federal. Pertence, em sua exposição, mostrou os avanços, ainda tímidos, obtidos pela vigilância dos órgãos controladores do Estado, entre eles, a própria comissão de que faz parte. Apesar de tudo isso, nós sabemos que estamos longe de impor a moralidade na prática cotidiana da administração, em todas as esferas de governo.
A convocação de uma assembleia constituinte não traz a segurança de que a situação melhore se os eleitores não entenderem que o país não é dos banqueiros, dos grandes proprietários rurais, nem das transnacionais, que hoje dominam os parlamentos. Ele é de todos os que trabalham e produzem, até mesmo daqueles que não conseguem trabalhar.
A melhor forma de combater a podridão está na consciência de responsabilidade dos cidadãos que exercem algum tipo de influência sobre os pouco informados. É necessário criar grupos de discussão entre os vizinhos, examinar o quadro local, levantar o passado dos candidatos, e recomendar os que tenham um passado coerente e sério. Não é difícil saber como se estão comportando os parlamentares de hoje, e identificar os que mereçam a confirmação do mandato. É fácil saber quem defende o povo e a nação, e os que vendem o país e seu mandato.
No passado, os corruptos estavam protegidos pelo segredo. Hoje a tecnologia já permite gravar cenas como aquela dos três “fiéis” pedindo a seu Senhor – que não o nosso – que os proteja em suas falcatruas. Chegamos ao limite da tolerância.
No exame dos processos revolucionários da História, nota-se sempre a falta de consciência das elites políticas. Como os movimentos levam décadas, com avanços e retrocessos, os episódios passam a ser rotineiros, e sempre se espera que o tempo administre a situação. Pouco a pouco, no entanto, como previne a lógica dialética, a quantidade se transforma em qualidade: os fatos, somando-se, exigem uma reação. Nos últimos anos temos assistido, no Brasil e no mundo, a manifestações de inconformismo da cidadania que deviam assustar. Deixando de lado o que se passa em outros países, porque a cada um basta o seu cuidado, a situação em nosso país merece reflexões.
Ontem, manifestantes ocuparam as dependências da Câmara Distrital, em Brasília, impedindo a sessão ordinária da Casa. Há algum tempo, a própria Câmara dos Deputados foi invadida e depredada por manifestantes. Por enquanto, são grupos pequenos, mas, a cada nova manifestação, os contingentes crescem. No Rio e em São Paulo, as ações armadas lembram confrontos insurrecionais. Não se pode dar conotação política clássica aos atos de violência do crime organizado, mas é sempre política, de uma forma ou de outra, a violência armada contra o Estado. Não adianta menosprezar os capitães do crime. Eles contam com pequenos exércitos, recrutados entre os que não têm futuro, sem estudos, sem afeto, sem esperança, e sem razões ideológicas que possam contê-los.
A corrupção é um crime, como qualquer outro. Quando se rouba do Estado, rouba-se da sociedade. A sociedade não é ente abstrato: é a soma dos indivíduos que trabalham e que, direta ou indiretamente, financiam as atividades públicas. É natural que cada um dos cidadãos se sinta, pessoalmente, roubado. Roubado do dinheiro que falta para cuidar de seus filhos, dar vida mais tranquila à família, tomar sua cerveja aos domingos com os amigos enquanto assiste a uma partida de futebol.
O presidente da República voltou a falar em uma Assembleia Nacional Constituinte. Essa poderá ser a saída para dotar o Estado de instrumentos jurídicos que venham a tornar mais legítima a representação popular e a dificultar os atos de corrupção, concussão e peculato. Mas será difícil adotar regras hábeis de convocação da assembleia com o Parlamento que temos. Se os cidadãos se decidissem a, mediante o instrumento da iniciativa popular, exigir do Congresso essa convocação, dentro das cautelas necessárias, talvez houvesse uma saída política para a crise ética que tende a agravar-se com o processo eleitoral.
Há, entre os servidores permanentes do Estado, os que se preocupam com a necessidade de reforma das instituições para o aprimoramento ético da administração. Em Salvador se reuniu, no fim de outubro, o 14º Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública. Entre os representantes brasileiros se encontravam o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence e o padre Ernanne Pinheiro, assessor da CNBB, ambos membros da Comissão de Ética Pública do governo federal. Pertence, em sua exposição, mostrou os avanços, ainda tímidos, obtidos pela vigilância dos órgãos controladores do Estado, entre eles, a própria comissão de que faz parte. Apesar de tudo isso, nós sabemos que estamos longe de impor a moralidade na prática cotidiana da administração, em todas as esferas de governo.
A convocação de uma assembleia constituinte não traz a segurança de que a situação melhore se os eleitores não entenderem que o país não é dos banqueiros, dos grandes proprietários rurais, nem das transnacionais, que hoje dominam os parlamentos. Ele é de todos os que trabalham e produzem, até mesmo daqueles que não conseguem trabalhar.
A melhor forma de combater a podridão está na consciência de responsabilidade dos cidadãos que exercem algum tipo de influência sobre os pouco informados. É necessário criar grupos de discussão entre os vizinhos, examinar o quadro local, levantar o passado dos candidatos, e recomendar os que tenham um passado coerente e sério. Não é difícil saber como se estão comportando os parlamentares de hoje, e identificar os que mereçam a confirmação do mandato. É fácil saber quem defende o povo e a nação, e os que vendem o país e seu mandato.
No passado, os corruptos estavam protegidos pelo segredo. Hoje a tecnologia já permite gravar cenas como aquela dos três “fiéis” pedindo a seu Senhor – que não o nosso – que os proteja em suas falcatruas. Chegamos ao limite da tolerância.
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