Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 17/12/2009
O Senado atuou com bom senso, ao aprovar a admissão da Venezuela ao Mercosul. É uma posição coerente com o princípio tradicional de nossa política externa, de absoluto respeito à autodeterminação dos povos – que exclui o reconhecimento dos golpes de força e o aplauso aos governos ditatoriais. Confia-se em que o Paraguai acompanhe a decisão brasileira. O presidente Fernando Lugo vem trabalhando no sentido de obter a maioria necessária e, em razão disso, havia adiado o pedido ao Parlamento. É provável que, com a aprovação de nosso Senado, se mude o ânimo em Assunção.
As relações internacionais são – como determina o vocábulo – entre nações, que se pressupõem permanentes, não se fazem apenas entre governos. Os governos são transitórios, e os Estados podem mudar de natureza, mas os povos, não. Hoje temos, na Venezuela, uma república bolivariana, como seu líder e presidente a denominou; amanhã, poderá ser uma república que se identifique como mirandiana, em homenagem a Francisco Miranda, precursor de Bolívar, e isso não mudaria o nosso comportamento com relação ao povo da Venezuela. E, na hipótese de que tivéssemos, em futuro próximo, um governo de direita no Brasil, ele seria estulto se dispensasse o mercado venezuelano, em nome de idiossincrasias ideológicas.
Negócios são negócios. O Mercosul é uma aliança que visa a promover o desenvolvimento econômico regional e a estabelecer aliança estratégica de defesa da autonomia política dos países da América do Sul, frente a hipotéticas ameaças à soberania de cada um dos estados-membros. Se os Estados Unidos e a Grã-Bretanha se recusassem à aliança com Stalin, em nome do antagonismo ideológico (e com isso contava Hitler), a democracia teria sido aniquilada pelo nazismo.
Quando seu embaixador no Brasil, Giovanni Bucher, foi libertado pelos que o haviam sequestrado, em 1971, o conselheiro de Relações Exteriores do governo suíço foi provocado por um jornalista da Tribune de Lausanne, com a pergunta: a Suíça não sentia mauvaise conscience por manter relações com um país como o Brasil, governado por torturadores? A resposta foi clara em seu pragmatismo: a única regra das relações internacionais da Confederação é a universalidade. Assim – ele completou – “a Suíça mantém relações com todos os países, mesmo com aqueles que não lhe agradam”. A resposta provocou certo mal-estar no governo Médici, por ter sido divulgada, na ocasião, por este Jornal do Brasil, mas ficou nisso o incidente. Não interessava ao Brasil dar-lhe importância maior.
Alguns acusam a diplomacia brasileira de atuar de uma forma com relação a Chávez, e outra com relação a Micheletti. Pelo que sabemos, o presidente Chávez chegou ao poder mediante eleições livres – embora antes tenha tentado derrubar pela força um governo corrupto. Foi eleito, empossou-se, foi sequestrado por militares golpistas, a reação do povo devolveu-o ao poder, e, mais tarde, ele se reelegeu em pleito limpo, conforme atestaram observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter. Micheletti promoveu um golpe de força, com a cumplicidade de alguns generais, retirando, à força bruta, o presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya, de sua casa, altas horas da madrugada, e o expeliu do território nacional.
O Brasil não agiu de forma isolada: com ele estiveram a OEA, a Assembleia Geral da ONU e Obama. Honduras e Venezuela são duas situações absolutamente distintas. O Brasil reagira imediatamente ao golpe em Honduras, em concerto com outros países continentais, logo depois das intensas consultas que se fizeram, diante da estarrecedora notícia. Não se tinha memória de coisa semelhante, mesmo na conturbada história latino-americana. Tivemos presidentes assassinados, como Allende, quando toda a região se encontrava sob a sombra da tirania patrocinada pelos Estados Unidos, e tivemos os que se mataram, em defesa da própria dignidade, como Getulio, em 1954, e José Manuel Balmaceda, do Chile, em 1891 – mas nenhum humilhado como foi Zelaya. A ousadia dos golpistas ainda continua, e talvez a posse do novo presidente poderá, conforme for sua conduta, normalizar a situação de Honduras diante de seus vizinhos, mas sempre perdurará o constrangimento dos democratas diante de uma eleição inconstitucional.
Embora a muitos de nós possa parecer estranha a ação de Chávez, e desagradáveis suas ameaças à liberdade de imprensa, convém-nos que a Venezuela integre o Mercosul.
Jornal do Brasil - 17/12/2009
O Senado atuou com bom senso, ao aprovar a admissão da Venezuela ao Mercosul. É uma posição coerente com o princípio tradicional de nossa política externa, de absoluto respeito à autodeterminação dos povos – que exclui o reconhecimento dos golpes de força e o aplauso aos governos ditatoriais. Confia-se em que o Paraguai acompanhe a decisão brasileira. O presidente Fernando Lugo vem trabalhando no sentido de obter a maioria necessária e, em razão disso, havia adiado o pedido ao Parlamento. É provável que, com a aprovação de nosso Senado, se mude o ânimo em Assunção.
As relações internacionais são – como determina o vocábulo – entre nações, que se pressupõem permanentes, não se fazem apenas entre governos. Os governos são transitórios, e os Estados podem mudar de natureza, mas os povos, não. Hoje temos, na Venezuela, uma república bolivariana, como seu líder e presidente a denominou; amanhã, poderá ser uma república que se identifique como mirandiana, em homenagem a Francisco Miranda, precursor de Bolívar, e isso não mudaria o nosso comportamento com relação ao povo da Venezuela. E, na hipótese de que tivéssemos, em futuro próximo, um governo de direita no Brasil, ele seria estulto se dispensasse o mercado venezuelano, em nome de idiossincrasias ideológicas.
Negócios são negócios. O Mercosul é uma aliança que visa a promover o desenvolvimento econômico regional e a estabelecer aliança estratégica de defesa da autonomia política dos países da América do Sul, frente a hipotéticas ameaças à soberania de cada um dos estados-membros. Se os Estados Unidos e a Grã-Bretanha se recusassem à aliança com Stalin, em nome do antagonismo ideológico (e com isso contava Hitler), a democracia teria sido aniquilada pelo nazismo.
Quando seu embaixador no Brasil, Giovanni Bucher, foi libertado pelos que o haviam sequestrado, em 1971, o conselheiro de Relações Exteriores do governo suíço foi provocado por um jornalista da Tribune de Lausanne, com a pergunta: a Suíça não sentia mauvaise conscience por manter relações com um país como o Brasil, governado por torturadores? A resposta foi clara em seu pragmatismo: a única regra das relações internacionais da Confederação é a universalidade. Assim – ele completou – “a Suíça mantém relações com todos os países, mesmo com aqueles que não lhe agradam”. A resposta provocou certo mal-estar no governo Médici, por ter sido divulgada, na ocasião, por este Jornal do Brasil, mas ficou nisso o incidente. Não interessava ao Brasil dar-lhe importância maior.
Alguns acusam a diplomacia brasileira de atuar de uma forma com relação a Chávez, e outra com relação a Micheletti. Pelo que sabemos, o presidente Chávez chegou ao poder mediante eleições livres – embora antes tenha tentado derrubar pela força um governo corrupto. Foi eleito, empossou-se, foi sequestrado por militares golpistas, a reação do povo devolveu-o ao poder, e, mais tarde, ele se reelegeu em pleito limpo, conforme atestaram observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter. Micheletti promoveu um golpe de força, com a cumplicidade de alguns generais, retirando, à força bruta, o presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya, de sua casa, altas horas da madrugada, e o expeliu do território nacional.
O Brasil não agiu de forma isolada: com ele estiveram a OEA, a Assembleia Geral da ONU e Obama. Honduras e Venezuela são duas situações absolutamente distintas. O Brasil reagira imediatamente ao golpe em Honduras, em concerto com outros países continentais, logo depois das intensas consultas que se fizeram, diante da estarrecedora notícia. Não se tinha memória de coisa semelhante, mesmo na conturbada história latino-americana. Tivemos presidentes assassinados, como Allende, quando toda a região se encontrava sob a sombra da tirania patrocinada pelos Estados Unidos, e tivemos os que se mataram, em defesa da própria dignidade, como Getulio, em 1954, e José Manuel Balmaceda, do Chile, em 1891 – mas nenhum humilhado como foi Zelaya. A ousadia dos golpistas ainda continua, e talvez a posse do novo presidente poderá, conforme for sua conduta, normalizar a situação de Honduras diante de seus vizinhos, mas sempre perdurará o constrangimento dos democratas diante de uma eleição inconstitucional.
Embora a muitos de nós possa parecer estranha a ação de Chávez, e desagradáveis suas ameaças à liberdade de imprensa, convém-nos que a Venezuela integre o Mercosul.
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