ANTÔNIO GOIS e ANGELA PINHO
Folha de S. Paulo - 08/02/2010
Após o "trauma bastante violento" devido ao vazamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2009 -do qual o Ministério da Educação ainda se recupera-, o ministro Fernando Haddad admitiu erros no processo de licitação, mas defendeu o novo formato da prova. Passado o período crítico, ele falou à Folha também sobre seu futuro político, negando a possibilidade de disputar o governo de São Paulo.
Após o "trauma bastante violento" devido ao vazamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2009 -do qual o Ministério da Educação ainda se recupera-, o ministro Fernando Haddad admitiu erros no processo de licitação, mas defendeu o novo formato da prova. Passado o período crítico, ele falou à Folha também sobre seu futuro político, negando a possibilidade de disputar o governo de São Paulo.
Para ele, o PT paulista errou, nas sete últimas eleições estaduais, ao ter tido sete candidatos diferentes, o que dificultou a consolidação de uma liderança. Além disso, diz, a possibilidade de o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ser o candidato petista em São Paulo seria fruto mais da conjuntura nacional -para consolidar Dilma Rousseff- do que da local.
O ministro, que também é professor de ciência política da USP, afirmou que, do ponto de vista da opinião pública, não há mais partido que tenha imagem associada à ética. O problema, diz, só será resolvido com uma reforma política.
A respeito do desgaste de sua imagem no ministério, Haddad disse que não se preocupava com isso, mas acha que não é tão grande, pois, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, a educação foi a área mais bem avaliada do governo.
Ainda sobre o Enem, afirmou que foi pego de surpresa com a vitória de um consórcio menos experiente para a distribuição das provas e reiterou que, para este ano, está discutindo com os órgãos de controle a ausência de licitação em favor do consórcio Cespe/Unb e da Cesgranrio e a realização de duas edições do exame.
FOLHA - A imagem que muitos ficaram do Enem foi de um processo caótico. Alunos foram alocados em locais distantes de casa e a prova vazou, entre outros problemas. Qual é a sua leitura do episódio?
FERNANDO HADDAD - Superamos a forma de seleção nos países desenvolvidos. Em países como os Estados Unidos, o estudante pleiteia a vaga na universidade conhecendo o seu desempenho por exames nacionais. Com o Enem, ele escolhe sabendo não só o seu desempenho, mas também o de seus concorrentes.
Tanto a forma da nova prova como o aplicativo de distribuição das vagas compensam as dificuldades decorrentes do furto da prova, que foi um trauma bastante violento para o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas], do qual ele está se recuperando só agora.
FOLHA - A imagem do sr. como gestor não foi abalada?
HADDAD - Não cabe a mim nem me preocupar com isso. Enfrentamos um debate duro com o sistema S, lançamos indicadores de qualidade por escola, enfrentamos um debate com a área econômica para acabar com a DRU para a educação [Desvinculação de Receitas da União, que retirava recursos da educação para o governo gastar em outras áreas]. Tudo isso podia ter arranhado a imagem de quem quer que seja. Mas só me pautei pelo que deve ser feito e muitas vezes enfrentei problemas que exigem uma certa ousadia, que não era bem o perfil dos dirigentes do MEC.
FOLHA - Que autocrítica faz?
HADDAD - Muitas vezes, tem-se um temor reverencial em relação aos órgãos de controle. Se tivéssemos enfrentado o debate junto a eles demonstrando que um exame dessa natureza não pode correr o risco de uma licitação por menor preço, teríamos sensibilizado. Mas se contou com a tradição: sempre se fez licitação e sempre Cespe e Cesgranrio ganharam porque não há outras instituições capazes de realizar o exame. Quando viu a surpresa, o Inep não estava preparado para o embate jurídico do surgimento de um "player" [o consórcio Connasel] que cumpria os requisitos do edital, mas estava evidentemente despreparado para a sua realização.
FOLHA - Mas já durante a licitação surgiram críticas de que a mudança do Enem estava sendo feita de forma muito rápida.
HADDAD - Foi o quinto Enem com mais de 3 milhões de inscritos e, na minha opinião, não teria ocorrido nenhum problema significativo se Cespe e Cesgranrio tivessem feito.
FOLHA - Mas alguns problemas não tiveram relação direta com o furto da prova. Os gabaritos foram divulgados com erro, e o Sisu (sistema que seleciona alunos do Enem para universidades federais) ficou horas fora do ar, por exemplo.
HADDAD - No caso do Sisu, um milhão de pessoas navegaram pelo sistema durante os seis dias que ele operou. Houve uma questão técnica no primeiro dia que foi superada. É que, depois do furto, tudo ganha relevo muito maior. Mas sempre há ocorrências.
FOLHA - O Inep não falhou no acompanhamento do contrato? A auditoria interna aponta que os problemas de segurança foram comunicados verbalmente ao consórcio.
HADDAD - Do meu ponto de vista, o maior responsável é o consórcio, que assinou um contrato se responsabilizando pela segurança da prova. Possivelmente houve erros da gráfica e pode ter havido problemas de acompanhamento da impressão. O fato é que o furto foi filmado e não havia ninguém atrás do monitor para impedir.
FOLHA - O que vai mudar no Enem?
HADDAD - Estou na dependência das negociações que estão sendo feitas entre o Inep e os órgãos de controle. Não podemos tomar essa decisão sem ter a segurança de que não haverá objeção ao contrato com o Cespe. Esse é o entendimento que está sendo construído, com boas chances de uma solução definitiva para o modelo de contratação dos exames que certificam e selecionam.
Entrevista completa
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