sexta-feira, 11 de junho de 2010

A gerentona do Minha Casa, Minha Vida

Tijolos e sonhos
A pernambucana Maria Fernanda Ramos Coelho

André Siqueira



A presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, comemora a ampliação da carteira de empréstimos da instituição em 2009, quando a crise financeira internacional levou os concorrentes do setor privado a atuar de forma mais tímida. A executiva considera que os bancos públicos foram bem-sucedidos em sua principal missão: sustentar o processo de ampliação do acesso ao crédito no Brasil.

A melhor notícia, porém, é que a oferta continua a avançar, sobretudo na área do financiamento habitacional. A CartaCapital, Maria Fernanda Coelho afirmou que o programa Minha Casa, Minha Vida deverá ser responsável por elevar a participação do crédito imobiliário na economia de pouco mais de 3% para 10% do PIB em até quatro anos, com uma contribuição sensível para a redução do déficit habitacional.

CartaCapital: Do que o Brasil precisa para crescer?


Maria Fernanda Ramos Coelho: O mais importante, do ponto de vista de uma estratégia de País, é democratizar o acesso ao crédito. Para que a gente aprofunde esse processo, é fundamental dar continuidade ao atual ciclo de desenvolvimento, que combina crescimento econômico, inclusão social e controle da inflação. Isso permitiu que 24 milhões de pessoas entrassem no mercado de consumo e contribuíssem para a geração de mais de 10 milhões de empregos. Essa diretriz é fundamental principalmente quando a gente olha para o longo prazo. No caso dos bancos públicos, democratizar o crédito é uma diretriz de longo prazo, que tem uma função estratégica para o Estado, não só para os governos.

CC: O setor privado vai acompanhar os bancos públicos na oferta de crédito?


MFR: Há uma predisposição dos bancos privados em recuperar espaço no mercado de crédito. Mas os bancos públicos, e com maior ênfase a Caixa, adotaram uma postura de defender as posições conquistadas neste período. Nos três primeiros meses aumentamos nossa carteira de crédito em 8,2%, sendo que o sistema financeiro como um todo cresceu 3,7%. Os bancos públicos cumprem um papel, que é primeiro estimular a concorrência. Isso foi muito visto no período da crise, quando os bancos privados praticamente interromperam suas operações. As instituições públicas continuaram na sua estratégia de trabalhar no crédito, para que as famílias e as empresas não deixassem de ter recursos. E também cumprem uma referência no que se refere a juros e tarifas, servem também como balizadores nesse mercado.

CC: Já é possível dizer que a estratégia foi bem sucedida?


MFR: Várias coisas deram certo. A primeira foi acreditar nos fundamentos macroeconômicos que o País desenvolveu desde 2003. Temos um mercado de consumo de massas organizado, estruturado internamente. O índice de emprego é crescente e também há as políticas de valorização do salário mínimo e de transferência de renda, que garantem uma estabilidade do ponto de vista econômico interno. Também merece registro a gestão dos recursos públicos. Não fizemos nenhuma alteração, mesmo na crise, na nossa política de conformidade e de gestão do risco. Não houve nenhum tipo de flexibilização ou de condições diferenciadas para o período de crise, o que fez com que a gente continuasse a ter índices de inadimplência em um patamar baixo.

CC: Por que o custo do dinheiro no Brasil continua entre os mais altos do mundo?


MFR: Do ponto de vista do crédito habitacional, a gente já é comparável com todo o mercado internacional. Trabalhamos com prazos de 30 anos, e não há nada além disso lá fora. Também temos taxas de juros que, em termos reais, são compatíveis com as internacionais. Para o crédito imobiliário, o grande desafio é ampliar a participação, que ainda é muito baixa na comparação com outros mercados. Temos algo em torno de 3% do PIB, e eu acredito firmemente que em três ou quatro anos a gente possa chegar próximo a 10% do PIB. O Chile, por exemplo, nosso vizinho, tem 13% do PIB. Fundamental foi o governo estabelecer uma política nacional de habitação, consubstanciada no programa Minha Casa, Minha Vida. Sem dúvida, é o grande marco do governo do presidente Lula, nesses oito anos de mandato, no que se refere ao crédito habitacional, porque beneficia principalmente as famílias de baixa renda.

CC: Há quem diga que o programa está demorando a engrenar.


MFR: Eu gostaria muito de ser como a feiticeira do programa de tevê, para mexer o narizinho e ver a casa ficar pronta. Não fica. O programa foi criado no dia 13 de abril do ano passado. Extremamente ousado, com uma meta de um milhão de novas moradias. Nós temos hoje 440 mil unidades contratadas. Destas, 80% com obras já iniciadas. A Caixa recebeu propostas para 870 mil unidades. É uma resposta, na minha avaliação, muito rápida do mercado de construção. Há ainda um processo de articulação importantíssimo no Minha Casa, Minha Vida, a interação entre a Caixa, como agente do governo federal e financiador, os estados e municípios, que viabiliza terrenos adequados para famílias com renda de até três salários mínimos, e a iniciativa privada, que fará toda a construção.

CC: Quando essas unidades começarão a ser vendidas ao público?


MFR: Grandíssima do total contratado é de construtoras que estão construindo as unidades. Mas há muitos casos como o dos feirões, onde muita gente, na faixa de renda de seis a dez salários-mínimos, já encontrou oferta e adquiriu seu imóvel. Hoje, das 440 mil unidades contratadas, 105 mil são contratos fechados com pessoas físicas.

CC: A demora é maior para as pessoas de renda mais baixa, que se inscreveram no programa.

MFR: A inscrição do público de renda até três salários-mínimos se dá direto com o município, que é o responsável pela seleção. A ansiedade é natural. Há uma política em andamento, as pessoas estão vendo que está acontecendo. É preciso continuar com esse programa, que, não tenho a menor dúvida, é um divisor de águas.Agora veja: um milhão de moradias ainda é 14% do déficit habitacional. O governo lançou o Minha Casa, Minha Vida 2, importantíssimo se a gente for considerar o que o Brasil precisa para crescer. Dentro da primeira parte do programa serão 400 mil unidades para a faixa de público de renda até três salários-mínimos, outras 400 mil para quem tem renda de três a seis mínimos e 200 mil para seis a dez salários. No Minha Casa, Minha Vida 2, até por conta de todo o nosso aprendizado, da percepção da realidade nacional e do próprio desempenho inicial do programa, o maior percentual de propostas contratadas e de unidades está na faixa de zero a três salários mínimos, que hoje concentra o maior percentual de propostas contratadas, 53% da meta. E na segunda etapa do programa 60% das moradias serão exatamente para esse público, o que significa 1,2 milhão de moradias.

CC: Há espaço para construir tudo isso em capitais como Rio e São Paulo?


MFR: O foco foram as regiões metropolitanas, porque é onde se concentra o déficit habitacional. Em São Paulo temos parceria com a companhia habitacional do estado, porque o poder público tem terrenos inseridos na malha urbana. Só um dado pontual: São Paulo tem uma meta de 183.995 unidades. Nós já contratamos 90,5 mil unidades, sendo 28,8 mil para o público de renda até três salários mínimos. Em cada uma dessas capitais, o estado ou a prefeitura ofereceram isenções de tributos, estimularam as construtoras a fazer adquirir terrenos nessas regiões que viabilizam a moradia para famílias de baixa renda.

CC: O atual ciclo de aperto monetário pode prejudicar o avanço do crédito imobiliário?


MFR: Acreditamos que as metas da Caixa para crédito imobiliário em 2010 serão cumpridas, com um montante contratado de aproximadamente 60 bilhões de reais. Isso significa um crescimento de aproximadamente 30% em relação ao ano anterior. Temos ainda maior convicção sobre isso se analisarmos os números deste primeiro semestre. Até 17 de maio, havíamos superado a marca de 23 bilhões de reais em recursos contratados, um volume superior ao contratado durante todo o ano de 2008 e que representa um aumento da ordem de 118% sobre igual período de 2009. Foram realizados 4.281 contratos por dia, o que representa uma média diária de 260 milhões de reais negociados pela Caixa. Só para ter uma idéia, é como se o banco todo mês financiasse a construção de uma cidade de 300 mil habitantes. Ou seja, temos condições bastante favoráveis para acreditar que as metas estabelecidas para o ano de 2010 serão cumpridas.

CC: Até que ponto a continuidade do programa Minha Casa, Minha Vida está suscetível a mudanças de orientação após as eleições presidenciais?


MFR: O Minha Casa, Minha Vida demonstrou com sucesso ser possível ter uma política pública de habitação no Brasil que combine crédito e subsídios às famílias, a partir da parceria entre a iniciativa privada e o Estado, nos três níveis: federal, estadual e municipal. Por sua vez, ao lado do PAC, o programa mostrou também ser viável a atuação do Estado enquanto indutor do crescimento, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento de longo prazo e sobre bases republicanas, capaz de pensar o País e não este ou aquele programa político-partidário. Tanto isso é verdade que a distribuição das unidades habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida respeitou a distribuição espacial do déficit habitacional nos diversos Estados da federação, independentemente de o governador ou prefeito ser da base de sustentação do governo ou de oposição. E isso reflete um amadurecimento de nossa sociedade, que é cada vez menos tolerante com irresponsabilidades na gestão pública. A estabilidade econômica, por exemplo, foi conquistada com muito sofrimento e a um preço muito alto pelo povo brasileiro, logo não se admite que questões eleitorais a ameacem. Da mesma forma, tendo a crer que as necessidades de nosso povo e as desigualdades regionais ainda existentes fazem de programas como o Bolsa Família, os investimentos do PAC e o Minha Casa, Minha Vida políticas de Estado por excelência. Mudanças, se vierem, devem ser no sentido de aperfeiçoar tais programas.

CC: Há viabilidade econômica para aumentar tanto a oferta, inclusive em outras modalidades de crédito?


MFR: A Caixa mantém o menor índice histórico de inadimplência dos contratos habitacionais. Está entre 1,8 e 1,9%. O mercado fica em 2,5%. Obviamente, em termos macroeconômicos, o crescimento do crédito deve ser sobre bases sustentáveis. De modo geral, há espaço para aumentar a oferta, principalmente de recursos de longo prazo para investimento, já que a relação entre crédito e PIB no Brasil, hoje por volta de 45%, está abaixo de países com mesmo nível de desenvolvimento, que apresentam essa proporção entre 60% a 80%. A ampliação da carteira deve ser acompanhada de maior capacidade de endividamento das famílias e empresas. Isso ocorre na medida direta em que cresce o emprego, a renda e os níveis de inflação se mantêm estáveis. Tais condições estão garantidas neste ano e há um nível de confiança razoavelmente alto de permanecerem nos próximos anos. As expectativas de crescimento até 2015 variam de 4,5% a 5,5%. Num cenário assim, as famílias e empresas sentem-se confiantes quanto à possibilidade de assumirem compromissos futuros e contraírem financiamentos, pois acreditam que a renda tende a manter-se ou elevar-se. Essa confiança é medida periodicamente e tem demonstrado que há um otimismo de empresários e consumidores quanto ao futuro econômico.

CC: Não estamos perto demais do limite de endividamento para quem tem renda mais baixa?
MFR: As famílias das classes C e D apresentam uma demanda reprimida por bens de consumo duráveis, querem realizar o sonho de adquirir uma geladeira nova, um computador novo, ou mesmo um automóvel novo. Esses sonhos vinham sendo postergados, mas agora, com um nível de renda e emprego maiores, podem se realizar. Essa camada de consumidores tende a ser muito criteriosa no momento de definir sobre a realizar ou não um financiamento. Diferentemente do que muitos acreditam, eles sabem muito bem o peso das prestações nas contas domésticas e só fazem um empréstimo se realmente podem pagar. Além desse comportamento do consumidor de baixa renda, é importante lembrar que produtos como financiamento de veículos têm o bem como garantia, sendo que este fica alienado ao credor até a conclusão do pagamento, garantindo maior segurança que se traduz em taxas de juros mais baixas. Já o crédito consignado tem como trava a capacidade de endividamento do tomador, que não pode ter mais de 30% de sua renda comprometida com o financiamento. Como a garantia de pagamento é o próprio salário, o risco é mais baixo do que as outras operações, o que se reflete em taxas de juros menores. Enfim, mantendo-se as atuais condições econômicas é muito improvável termos uma crise de sobrendividamento das famílias de baixa renda, até porque isso vem sendo monitorado e os indicadores de inadimplência têm se mostrado estáveis.

Hoje, invariavelmente, as famílias saem de um aluguel que é mais caro do que o valor da prestação. Muitas vezes isso contribui para diminuir a despesa da família. Eu diria que a aquisição é fundamental para que a família tenha tranqüilidade. Um filósofo disse que as pessoas precisam de 4 “as”: alegria, afeto, abrigo e amor. O abrigo é a casa.

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