Leonardo Boff
Jornal do Brasil - 07/06/2010
O acordo alcançado pelo presidente Lula e o primeiro ministro turco Erdogan com o Irã, acerca do programa nuclear, através do diálogo, da negociação olho no olho e da mútua confiança, serve de teste para verificar quem toma a sério a fase planetária da humanidade que exige um novo tipo de diplomacia e quem ainda se aferra à velha ordem com sua velhista diplomacia imperial da intimidação e do uso da força.
Uma potência cuja real força reside em sua capacidade de matar todo mundo através de seu arsenal de armas nucleares, químicas e biológicas, os EUA, impõe uma verticalização da ordem internacional. Imperialmente fazem prevalecer sua vontade e seus interesses e forçam todos os demais a se alinharem. Os instrumentos usados são as ameaças de sanções, a negociação com o porrete na mão ou a pura e simples intervenção militar. Apesar de Barack Obama ter anunciado a diplomacia do diálogo, agora está montando a sua mentira à la Bush, segundo a qual o Irã pode representar uma ameaça aos EUA e ao Ocidente, o que justificariam sanções e uma eventual ação militar.
Se o Irã fosse somente um produtor de tâmaras e de laranjas, os EUA jamais pensariam em ameaçá-lo. Mas como tem petróleo e gás, que é o sangue do sistema vigente (é isso que realmente conta e não a questão o urânio), passa a pertencer aos interesses estratégicos dos EUA. Há que submetê-lo à política da verticalização, coisa a que Ahmadinejad se recusa.
A maior ameaça para a estabilidade mundial hoje não é o Irã nem o mundo muçulmano, mas os EUA, pois a ilusão de serem “o novo povo eleito” como reza “o destino manifesto”, faz com que se sintam no direito de intervir em todo o mundo. Pretendem levar os direitos humanos quando os violam vergonhosamente, querem impor a democracia quando, na verdade, criam uma farsa, visam abrir o livre mercado para suas multinacionais a fim de que livremente possam explorar seu petróleo e seu gás.
O paradigma velho precisa sempre criar um inimigo qualquer, bem na linha do que ensinou um jurista alemão que forjou as razões para os regimes de força, Carl Schmitt. Em seu livro O conceito do politico, ele claramente afirma: “A existência política de um povo depende de sua capacidade de definir quem é amigo e quem é inimigo; o inimigo deve ser combatido e psicologicamente deve ser desqualificado como mau e feio”.
Esta satanização do inimigo é sistêmica e funciona ainda hoje na cabeça dos dirigentes norte-americanos. Políticas inspiradas nesse paradigma arrogante podem levar a cenários dramáticos com o risco de comprometer o projeto planetário humano. Esse paradigma é belicista, reducionista e míope face à nova fase da história. Esta exige estratégias de cooperação de todos, visando a convivência pacífica e a proteção da biocapacidade da Terra.
A diplomacia de Lula se contrapõe diretamente àquela do Conselho de Segurança e a de Barack Obama. A de Lula olha para a frente e se adequa ao novo. A de Barack Obama olha para trás e quer reproduzir o velho.
Lula assume a singularidade do atual momento histórico. Incorporou a percepção de fundo segundo a qual todos somos interdependentes, habitando juntos na mesma casa comum, a Terra. Ninguém tem um futuro particular e próprio. Surge um destino comum globalizado: ou cuidamos da humanidade para que não se bifurque entre os que comem e os que não comem e protegemos o planeta para que não seja dizimado pelo aquecimento global – ou então não teremos futuro algum. Por termos um destino comum, justifica-se que o Brasil se interesse em garanti-lo, exercendo a nova diplomacia com o Irã.
Curiosamente, a imprensa comercial brasileira e seus intelectuais orgânicos que sempre se afinam à lógica imperial – bela exceção o faz o JB – tentaram desmoralizar a pessoa de Lula e sua diplomacia. Obtusos, não mudaram como ele mudou. Querem um Brasil secundarizado e globoneocolonizado pelos EUA.
Mas Lula, em sua fina percepção pelo novo, agiu coerentemente: não se pode isolar e sancionar o Irã. Importa trazê-lo à mesa de negociação, com confiança e sem preconceitos. Essa atitude é a única sensata nesta nova fase da história. Lula aponta e inaugura o futuro da nova diplomacia, a única que nos garantirá uma paz duradoura.
Leonardo Boff é teólogo.
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