Nascido da tradição da Filosofia da História, o tempo lento, linear e previsível não costuma dar espaço para que surjam agitações trazidas por "eventos" desconstrutores de representações sedimentadas No entanto, quando constelações específicas condensam a vida, restituindo sua dimensão dialética, estamos, sem dúvida, diante de atos ou fatos inaugurais quase sempre originados na esfera política.
Por Gilson Caroni*
José Serra, em discurso na convenção do PSDB que aprovou seu nome como candidato à sucessão de Lula, mostrou desconhecer quando a história se torna presente no espaço. Sua fala aparenta ser prisioneira de um passado que, por não poder ser explicitado para eleitores mais jovens, ameaça se voltar contra ele, de forma grotesca, quase patética
Ao dizer que “não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas e não tenho padrinhos", Serra tenta, em vão, esconder de onde vem e quais são suas companhias. Tanto o PSDB quanto o PFL, partidos da coligação vencedora da sucessão eleitoral em 1994 e 1998, foram criaturas concebidas e direcionadas a fim de se tornarem instrumentos viabilizadores das velhas elites no sistema político hegemonizado pelo neoliberalismo. O ex-governador paulista, velho militante da AP, ressurgiu como ator de relevo no bojo da velha conciliação negociada.
É isso que faz dele o ator antagônico das novas formas de articulação entre o Estado e a sociedade civil, forjadas nos últimos oito anos de governo Lula. O tucanato representa uma época em que qualquer demanda coletiva, mesmo quando meramente setorial, encontrava barreiras quase intransponíveis na desorganização e apodrecimento dos aparelhos institucionais do Estado cartorial, submetido aos ditames do mercado.
Quando compara, de forma jocosa, Lula a Luís XIV, Serra incorre em dois erros perigosos. O primeiro mostra a indigência política de sua maneira de ver o país. O segundo traz à cena o “padrinho" que precisa ser ocultado. O desmantelamento do consórcio tucano-pefelista combinou ampliação da participação com fortalecimento institucional. O presidente petista não expressou a ameaça de uma via personalista, carismática, na qual a institucionalidade se enfraqueceu e a participação popular aumentou de forma abrupta e inorgânica
Pelo contrário, dialogando com movimentos sociais, a inclusão de novos atores se deu de forma consistente, sem prejuízo do Estado Democrático de Direito. Antes o reforçou, na medida em que conferiu maior densidade e vitalidade aos partidos políticos, entidades de classe e ao próprio processo eleitoral.
A alusão ao monarca absolutista, a quem se atribui a frase " L’État c'est moi", não só não guarda sintonia com o momento de avanços democráticos em que vivemos, como remete à genealogia política do candidato da Rede Globo, revelando o apadrinhamento rejeitado. Sim, Serra não é pouca coisa. Pontificou como gente grande no poder quando o Palácio do Planalto, no início do governo de FHC, parecia o de Lourenço, o Magnífico, fino poeta e protetor das artes em Florença. Ele permitiu a falência do banco dos Médicis.
No segundo mandato, o Planalto ficou parecido com o palácio de Lorenzaccio, príncipe intrigante e sem princípios, que assassinou o primo Alexandre e depois foi assassinado também
Na trama palaciana do tucanato, um forte componente de sua personalidade era o orgulho e alta conta em que tinha a si mesmo. O que mais temia, no entanto, ocorreu: passou à história como um fracassado na economia e um pusilânime na política, tolerante com os desmandos de seus aliados e com a corrupção. Esse é o legado que Serra, com o apoio da grande mídia corporativa e do judiciário partidarizado, pretende resgatar. Será isso o que queremos?
Pretendemos voltar a um período em que ação econômica instrumentalizava a política, fazendo dela um meio de coerção para maximizar fins acumulativos? Ou desejamos manter as conquistas de oito anos de governo democrático- popular, que, enfrentando a questão social, inverteu os termos da equação?
*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Por Gilson Caroni*
José Serra, em discurso na convenção do PSDB que aprovou seu nome como candidato à sucessão de Lula, mostrou desconhecer quando a história se torna presente no espaço. Sua fala aparenta ser prisioneira de um passado que, por não poder ser explicitado para eleitores mais jovens, ameaça se voltar contra ele, de forma grotesca, quase patética
Ao dizer que “não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas e não tenho padrinhos", Serra tenta, em vão, esconder de onde vem e quais são suas companhias. Tanto o PSDB quanto o PFL, partidos da coligação vencedora da sucessão eleitoral em 1994 e 1998, foram criaturas concebidas e direcionadas a fim de se tornarem instrumentos viabilizadores das velhas elites no sistema político hegemonizado pelo neoliberalismo. O ex-governador paulista, velho militante da AP, ressurgiu como ator de relevo no bojo da velha conciliação negociada.
É isso que faz dele o ator antagônico das novas formas de articulação entre o Estado e a sociedade civil, forjadas nos últimos oito anos de governo Lula. O tucanato representa uma época em que qualquer demanda coletiva, mesmo quando meramente setorial, encontrava barreiras quase intransponíveis na desorganização e apodrecimento dos aparelhos institucionais do Estado cartorial, submetido aos ditames do mercado.
Quando compara, de forma jocosa, Lula a Luís XIV, Serra incorre em dois erros perigosos. O primeiro mostra a indigência política de sua maneira de ver o país. O segundo traz à cena o “padrinho" que precisa ser ocultado. O desmantelamento do consórcio tucano-pefelista combinou ampliação da participação com fortalecimento institucional. O presidente petista não expressou a ameaça de uma via personalista, carismática, na qual a institucionalidade se enfraqueceu e a participação popular aumentou de forma abrupta e inorgânica
Pelo contrário, dialogando com movimentos sociais, a inclusão de novos atores se deu de forma consistente, sem prejuízo do Estado Democrático de Direito. Antes o reforçou, na medida em que conferiu maior densidade e vitalidade aos partidos políticos, entidades de classe e ao próprio processo eleitoral.
A alusão ao monarca absolutista, a quem se atribui a frase " L’État c'est moi", não só não guarda sintonia com o momento de avanços democráticos em que vivemos, como remete à genealogia política do candidato da Rede Globo, revelando o apadrinhamento rejeitado. Sim, Serra não é pouca coisa. Pontificou como gente grande no poder quando o Palácio do Planalto, no início do governo de FHC, parecia o de Lourenço, o Magnífico, fino poeta e protetor das artes em Florença. Ele permitiu a falência do banco dos Médicis.
No segundo mandato, o Planalto ficou parecido com o palácio de Lorenzaccio, príncipe intrigante e sem princípios, que assassinou o primo Alexandre e depois foi assassinado também
Na trama palaciana do tucanato, um forte componente de sua personalidade era o orgulho e alta conta em que tinha a si mesmo. O que mais temia, no entanto, ocorreu: passou à história como um fracassado na economia e um pusilânime na política, tolerante com os desmandos de seus aliados e com a corrupção. Esse é o legado que Serra, com o apoio da grande mídia corporativa e do judiciário partidarizado, pretende resgatar. Será isso o que queremos?
Pretendemos voltar a um período em que ação econômica instrumentalizava a política, fazendo dela um meio de coerção para maximizar fins acumulativos? Ou desejamos manter as conquistas de oito anos de governo democrático- popular, que, enfrentando a questão social, inverteu os termos da equação?
*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário