quarta-feira, 24 de novembro de 2010

CPMF: caminho da justiça tributária


A recriação ou não da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira ganhou as manchetes e transformou-se no grande balão de ensaio político do momento. Tanto a situação quanto a oposição fazem deste debate o delimitador de suas posições e o utilizam para medir as forças que cada lado poderá ter sob seu controle no novo cenário político nacional.

Nesta disputa, invertem-se as posições: o PSDB e o DEM passam agora a ser radicalmente contrários à CPMF e fortes defensores das vinculações constitucionais e o PT faz exatamente o oposto.Cabe discutir, inicialmente, a carga e a matriz tributária brasileira e, depois, considerar a necessidade e a importância da CPMF.

Segundo estudo comparativo realizado pela Receita Federal e divulgado no mês de setembro deste ano, a carga tributária brasileira encontra-se “no meio do caminho” entre a verificada nos “países mais liberais, que não oferecem certos serviços públicos à população e não têm a Previdência administrada pelo setor público”, e a existente entre os “países que têm o perfil mais ligado ao atendimento de forte demanda social à população [e que] (…) têm uma carga tributária bruta maior”.

Utilizando-se de dados da OCDE de 2008, o estudo aponta que enquanto no Brasil os impostos chegaram ao seu nível recorde naquele ano, atingindo 34,41% do PIB, eles representaram 17,6% do PIB do Japão, 20,4% do México, 26,9% dos EUA, 28,3% da Irlanda, 29,4% da Suíça, 32,2% do Canadá, 33% da Espanha. Acima do nível brasileiro, a carga tributária relativamente ao PIB foi de 35,7% no Reino Unido, 36,4% na Alemanha, 36,5% em Portugal, 40,1% na Hungria, 42,1% na Noruega, 43,1% na França, 43,2% na Itália, 47,1% na Suécia e 48,3% na Dinamarca.

A carga tributária brasileira teve o seu maior salto de crescimento no governo FHC, quando aumentou 4,6 pontos percentuais frente ao PIB, partindo de 27,26% em 1995 e chegando a 31,86% em 2002. No governo Lula, considerando-se a mesma relação impostos/PIB, o aumento total, até o final de 2009, foi de 1,72 pontos percentuais. Entre 2008 e 2009, quando a carga tributária regrediu para 33,58% do PIB, ocorreu a maior diminuição desde o início do Plano Real, em 1994.

Diversos estudos demonstram, no entanto, que a matriz tributária brasileira é mais onerosa ao desenvolvimento econômico e social do país do que a carga tributária existente. De acordo com publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 1998, “uma parcela significativa e crescente da carga tributária [nacional] é arrecadada por tributos cumulativos que deveriam ser substituídos por outros de melhor qualidade. A tributação da folha de salários é pesada e cerca de 2/3 da arrecadação do imposto de renda provêm de empresas, e a tributação da renda pessoal é relativamente pouco explorada.”.

A maior incidência de impostos no país ocorre de forma indireta, ou seja, embutida no preço dos produtos de consumo e não diretamente sobre a renda, a movimentação financeira e o patrimônio dos contribuintes. Agravam-se, desta forma, as desigualdades sociais existentes no país. São os cidadãos de menor renda os que sofrem o maior impacto dos impostos indiretos sobre seus vencimentos. Estes impostos consomem 30,73% do orçamento das famílias que ganham entre R$ 600 e R$1 mil e apenas 16,72% das que auferem entre R$ 4 mil e R$ 6 mil.

Um imposto como a CPMF revela-se, assim, fundamentalmente justo e promotor do equilíbrio social no Brasil. Com ele, paga mais quem movimenta mais recursos financeiros e paga menos ou fica isento quem movimenta menos. Além disto, a CPMF expõe as grandes fortunas, as grandes sonegações e até a lavagem de dinheiro. Dos 100 maiores contribuintes da CPMF, enquanto ela existiu, apenas cerca de 40 deles declaravam imposto de renda.

O ideal seria realizar uma profunda reforma tributária e fiscal no país, taxando-se as altas rendas e os lucros não reinvestidos e liberando-se a produção e o consumo, como se faz na maioria dos países desenvolvidos. Fazer uma reforma com este teor implica a realização de um amplo pacto político, do qual participem governadores, prefeitos, parlamentares e, sobretudo, as organizações da sociedade civil. As elites políticas e econômicas precisam se unir em defesa do bem público, abrindo mão dos privilégios que detêm hoje.

As chances de que isto ocorra são exíguas, quiçá inexistentes hoje. Desta forma, a recriação da CPMF representaria um passo no caminho da justiça tributária. Estranho, portanto, que uma entidade como a OAB, em sua secção do Rio Grande do Sul, levante a bandeira do combate à CPMF, fazendo eco com as organizações sociais de visão mais estreitas, que não conseguem enxergar além dos seus interesses particulares e imediatos. Editorial Sul21

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