segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A (quase) retomada das favelas cariocas


Operação de guerra. Intervenção federal não declarada. Apoio das três armas, marinha, aeronáutica e exército e ação integrada de todas as forças policiais: 800 homens da marinha, 45 carros blindados, 3 helicópteros, 1200 PMs, 400 policiais civis, 300 policiais federais. Rastreamento casa-a-casa, como nas ações de guerra urbana. Participação de homens que integraram as Forças de Paz da ONU, no Haiti, e a instalação de hospitais de campanha, como os utilizados no Iraque e no Afeganistão. Bandeiras do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro hasteadas no Morro do Alemão são a prova de que se travou e se venceu uma batalha.

Mais do que o combate ao crime e à delinqüência comuns, mesmo que organizados, a luta que se travou durante a última semana no Rio de Janeiro foi um combate contra “guerrilheiros”, “terroristas” e “insurgentes” do crime. Sem nenhuma concepção política ou ideológica, mas na defesa de seus domínios, a marginalidade dos morros cariocas (como, de resto, de todo o país) tem se armado fortemente, constituído tribunais para julgar e punir seus desafetos e impor suas próprias leis aos moradores das áreas sob seu comando. Utilizam-se, há anos, de táticas de guerrilha e de terrorismo puro, como atear fogo em carros e ônibus com pessoas ainda em seu interior, em uma luta insurgente contra o Estado.

Ao final de sete dias de combate, o saldo da operação, segundo as informações divulgadas até aqui é o seguinte: 50 mortos, 106 veículos incendiados, 204 prisões e detenções, apreensão de 200 kg de cocaína, 10 kg de crack, 40 toneladas de maconha, 500 frascos de lançaperfume, além de 50 fuzis, 9 metralhadoras calibre .30, 10 mil munições, 50 coletes, balanças e uma prensa. Foi localizada também uma enfermaria do tráfico.

A ocupação das favelas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, mesmo que sob a alegação ainda não comprovada de que se respondia a uma reação da marginalidade à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), foi uma ação importante. A retomada daquela região, que se estende por 10 bairros da cidade e abriga mais de 400 mil habitantes, é um passo indispensável na recuperação dos territórios para a ação do Estado e a adoção de políticas de cidadania. Trata-se, no entanto, de um passo inicial.

As afirmações unânimes do secretário de Segurança do Rio de Janeiro, do comandante Militar do Leste, do governador do Estado e da Cidade do Rio de Janeiro, além do atual e da futura presidente da República, de que as ações terão continuidade também na “invasão de serviços sociais”, são afirmações promissoras. Nada garante, entretanto, que as promessas se concretizarão.

Em 1992, antes da Eco-92, em 1994 e em 2007-8 já foram realizadas ações semelhantes à atual, ainda que em menor escala. Passado o impacto inicial das ocupações, o Estado se retirou e a criminalidade retornou ou, ainda pior, implantaram-se milícias parapoliciais, que estabeleceram novas formas de dominação criminosa nas áreas anteriormente “libertadas”.

Hoje existem apenas 12 UPPs em funcionamento no Rio de Janeiro e uma em processo de instalação, enquanto existem 625 favelas na cidade. A instalação de UPPs exige tempo, pois demanda a formação prévia de policiais novos, ainda não corrompidos pelo tráfico nem aliciados pelas milícias, e especialmente treinados para atuar em conjunto com as comunidades. A rápida proliferação de UPPs, no entanto, é fundamental.

A permanência das forças militares nas áreas recuperadas do tráfico não pode se estender indefinidamente. Elas precisam ser substituídas rapidamente por policiais treinados, pois não se pode correr o risco da contaminação e da cooptação da hierarquia militar pela criminalidade das drogas. Os exemplos da Colômbia e do México não podem ser repetidos aqui.

Em abril de 2009, quando da instalação do Território da Paz e das UPPs na favela Dona Marta, o presidente Lula prometeu que a palavra “favela” seria esquecida pelos brasileiros até 2014, ano da realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Urge que esta promessa seja transformada em meta pela futura presidente da República, pelo governador e pelo prefeito do Rio de Janeiro e, posteriormente, pelos governantes de todas as demais unidades da federação. Recorde-se que a Europa eliminou suas “favelas” por um ato de vontade política e uma grande inversão de recursos públicos, logo após o término da II Grande Guerra.

Sem a transformação das favelas em bairros urbanizados, com o oferecimento de moradias dignas e todos os serviços públicos necessários, como escolas de todos os níveis, creches, transporte, saúde, assistência social e facilidade de obtenção e acesso ao trabalho, não se manterão as favelas e seus moradores longe do crime e do tráfico de entorpecentes. Sem que estas providências sejam tomadas, ou seja, sem que o Estado assuma as funções que lhe competem, pode-se eliminar todos os traficantes e marginais em uma noite, na seguinte outros estarão se preparando para assumir seus lugares. Editorial Sul21

Nenhum comentário: