segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O mensalão, a vaidade e a mídia

 

Lendo o artigo de Eliakim Araújo, abaixo, me reporto a algumas previsões minhas, feitas há algumas semanas.

Previ que a imprensa iria, literalmente, “enquadrar” o STF e seus ministros, colocando-os sob a passarela e os holofotes de noticiários afobados, sendo comentados por âncoras e repórteres tendenciosos, tudo na tentativa de se produzir um julgamento pautado e com final pré-determinado. Por incrível que pareça, as previsões, quase todas, se confirmaram.

O STF seguiu o script que lhe foi apresentado e produziu um de seus julgamentos mais demorados e mais filmados em “real time” da história da imprensa brasileira, talvez o mais comentado de todos. E, de todas as previsões que fiz, só não se confirmou aquela de que haveria absolvição à maioria dos réus, principalmente por algo que já despontava gritante desde o início do processo: a falta de provas. Pois o STF, de fato, contrariando esta expectativa, inovou, acabando por condenar metade dos réus, em especial o chamado “núcleo político” do dito escândalo do mensalão, mesmo à míngua de provas.

Lamento que as condenações ocorridas não tenham sido produzidas a partir de provas reais e concretas, pois quem faz, comprovadamente, algo que é errado e nocivo à sociedade deve, sim, ser condenado. Porém, isto só pode ocorrer com amparo na prova, como sempre foi no direito penal brasileiro. Todavia, desta vez e neste específico caso, o STF inovou, ao adotar teses doutrinárias que, convenhamos, num país como o Brasil, são para lá de duvidosas, além de grandemente perigosas à nossa ainda jovem democracia. Preferiria ver o José Dirceu e o José Genuíno, por exemplo, condenados sob a comprovação dos crimes a eles imputados.

Porém, a pressão do espetáculo foi mais forte. E o Supremo utilizou, ao que parece, pela primeira vez em seus julgados, a denominada “teria do domínio do fato” para condenar os réus políticos do processo. O problema reside em que tal teoria admite a condenação criminal de alguém sem a presença de provas, a partir tão-só de suposições.

Entendo que o precedente é perigoso porque, a partir de agora, o STF deu a senha para que seja tal tese utilizada por todo o Poder Judiciário. Através dela, denúncias afobadas do MP poderão ser recebidas, com instauração de processos criminais cujos objetivos podem estar longe da aplicação, tão-só, da lei penal, com a geração de julgamentos de políticas de governo de qualquer instância ou nível, com a criminalização e condenação de pessoas sem mais a exigência da prova, mas mediante meras suposições.

 

Como temos problemas do Poder Judiciário, com vícios de origem até na própria indicação dos integrantes da mais alta Corte Brasileira (o que é uma opinião unânime entre juristas e demais analistas), deve-se perguntar: será que o julgamento do mensalão promoveu alguma coisa efetivamente benéfica à democracia e ao Estado Democrático de Direito de nosso país? Que tipo de paradigma é este que foi criado, se o projetarmos para o futuro?

Isto tudo preocupa não só pelo que aponta Eliakim no seu artigo (obediência do STF a um cronograma de julgamento e a resultado pré-definidos pela imprensa conservadora do país, entre outros). Preocupa porque o julgamento destes políticos, realizado pelo STF, foi e está sendo apresentado pela imprensa como se fosse o julgamento de um partido e de um governo, o que dá uma feição descaradamente político-partidária, não-jurídica, ao resultado do trabalho do STF. E isto acaba se complicando mais ainda, exatamente, pelo fato da Suprema Corte condenar os réus sem provas, baseado apenas em suposições, em ilações.

A ministra Carmen Lúcia está correta ao dizer que o uso de dinheiro dos empréstimos bancários para cobrir “caixa dois” de campanha, como na tese de defesa apresentada por alguns dos réus, é algo grave e que ofende a sociedade. Todavia, a ministra deveria ter levado em consideração que a denúncia apresentada pelo MP não era de uso do dinheiro para “caixa dois” e sim para ser pago, como propina, a parlamentares e partidos da base de apoio do governo da época. Não pode a mais alta Corte do país, pelo fato de estarem seus integrantes sendo retratados nos tele-noticiários em todo país, esquecerem-se de que um julgamento criminal deve pautar-se pelos elementos do processo, nos estritos limites da denúncia. Engana-se quem pensa que a imprensa tradicional do país leva a sério prática (confirmada ou não) de mensalão pelos políticos do país.

Basta ver que a mesma imprensa jamais reverberou as mesmas cobranças do Poder Judiciário em relação a outros dois conhecidos mensalões, os quais, por sinal, permaneceram totalmente esquecidos pelo MP e desconhecidos pelas instâncias judiciárias. O primeiro é o mensalão mineiro, em que o governador tucano Eduardo Azeredo estava envolvido até as barbas, um esquema no qual era mestre-administrador o mesmo Marcos Valério agora condenado. E o outro é o mensalão do Partido Democratas, envolvendo o governador do DF, Roberto Arruda (DEM).

Pergunta-se: onde estão as denúncias, as CPIs e os julgamentos do Poder Judiciário sobre estes outros dois mensalões? Porque a mídia simplesmente abandonou-os? Querem um exemplo mais antigo de mensalão? O do FHC, para aprovar a emenda constitucional para assegurar sua reeleição, com pagamentos realizados e favores prestados a uma enorme quantidade de parlamentares do Congresso, como se tornou público e notório, na segunda metade dos anos 90. Na seqüência, tivemos ainda o escândalo econômico-político e financeiro do mesmo FHC, envolvendo o Marka e Fonte Cindam, em janeiro de 1999, quando o real perdeu três vezes seu valor frente ao dólar, levando muitas empresas à quebra.

Querem um outro caso mais atual? Vejam o que ocorre com o há pouco estrondoso escândalo do Carlinhos Cachoeira. Como pode-se constatar hoje, nos telejornais, este é um caso que foi totalmente esquecido e abandonado na pauta da grande imprensa do país. Isto ocorreu, coincidentemente, na medida em que começou a aparecer o governador tucano de Goiás, Marconi Perilo, envolvido até as barbas com as falcatruas do bicheiro. Me preocupa que o Judiciário, especialmente a mais alta Corte de Justiça do país, se curve ao que lhe imponha e lhe dite a imprensa tradicional brasileira, que é tão ou mais venal e corrompida do que os mais venais e corrompidos políticos do país. Me preocupa um Poder Judiciário integrado por magistrados vaidosos, que se deixam seduzir por holofotes e câmeras de TV. Que, em troca da grande vitrine propiciada por uma imprensa para lá de tendenciosa e manipuladora, acabe produzindo julgamentos de encomenda, mais políticos do que jurídicos, como ocorreu neste chamado escândalo do Mensalão.

Talvez este seja um escândalo ainda muito maior, envolvendo um Poder de Estado, ocorrendo sob os olhos de todos e com muita pouca gente percebendo o perigo que ele representa aos interesses de uma democracia ainda em processo de consolidação, como a nossa.

 

Rogério Guimarães Oliveira, Advogado. Email rgo@via-rs.net

 
Fonte:Direto da Redação

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