O excelente Fernando Brito, do blog Tijolaço, com a justa indignação de criticar o peso dos juros da dívida no Orçamento da União comparado ao orçamento social, acabou de escorregar em uma casca de banana que eu também já escorreguei muitas vezes.
Brito escreveu uma nota onde diz "Juros: oito vezes os gastos com a Educação, seis vezes mais que com a Saúde", usando como número R$ 655 bilhões para "pagamento de juros, amortização e outros encargos", segundo ele. Está errado, e essa confusão é comum entre os militantes do PSOL (não é o caso de Brito). Esse bicho é feio, mas não é tão grande como pintam.
Os R$ 655 bilhões é refinanciamento. Equiparar ao pagamento de juros da dívida é tão errado como se alguém dissesse que o Brasil ganharia R$ 655 bilhões de presente dos banqueiros e investidores, pois é o valor que também aparece na coluna de receitas do Tesouro Nacional pelo dinheiro que entra neste refinanciamento. Estes números se anulam, sem diminuir, nem aumentar a dívida, nem o gasto público real. É despesa contábil de um lado e receita do outro, que zeram.
De pagamento de juros (e é esse o dinheiro gasto de fato, que gostaríamos que fosse para educação e saúde), o orçamento de 2014 prevê R$ 189,5 bilhões. Parte desse valor volta ao Tesouro Nacional, com o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o rendimento das aplicações feitas no Brasil e IOF. Então o número líquido que sai do Tesouro de fato é menor. Ainda é muita coisa, mas é um número bem menor do que os 655, e do que era no passado, proporcionalmente ao PIB e ao orçamento.
Considerando uma previsão de inflação de 5% para 2014, cerca de R$ 100 bi destes juros seria para compensar a inflação, sobrando de juros reais R$ 89,5 bi (menos do que isso, na verdade, pois não computamos o que volta ao Tesouro pelo IRRF e IOF). Ainda assim é muito, mas o valor é praticamente o mesmo do que vai para a educação (R$ 81,3 bi) e não oito vezes mais, como disse Brito. E é menos do que os R$ 106 bi que irão para a saúde.
Outros R$ 147,8 bilhões estão previstos em 2014 para amortização, ou seja, pagar a dívida sem refinanciá-la, reduzindo-a. Esse número também entra na disputa de verbas com a saúde, educação e programas sociais, mas não é juros, pois a dívida fica quitada, melhorando as finanças e, com isso, abrindo espaço para investir mais na saúde, educação, etc, nos próximos anos.
Mas vale a discussão: não seria melhor refinanciar também este valor? Suspeito que o motivo desta escolha seja justamente para pagar menos juros, principalmente a médio prazo. Se não amortizasse nada, a conta de pagamento de juros seria bem mais salgada com o correr do tempo.
O Ministério do Planejamento tem um "site" para a gente consultar tudo sobre o orçamento da União que destrincha estes números, e tem a revista em PDF (18,3 MB) "O orçamento ao alcance de todos" com dados em linguagem e formato mais acessível para leigos, .
Resta a pergunta: Afinal de contas, não teria jeito de deixar de pagar esse valor de juros e direcionar todo o dinheiro para a saúde, educação e programas sociais?
Não sou economista, por isso não me peçam para explicar a rebimboca da parafuseta, nem para decifrar palavrões como "agregados monetários M1, M2, M3 e M4", e esse tipo de economês, porque não sou a pessoa certa. Mas posso compartilhar algumas informações que foram úteis para mim entender um pouco essa caixa preta e que acho boas justamente para leigos em economia, como eu.
Na economia doméstica do cidadão comum, se a gente tiver uma dívida e suspender o pagamento, nosso nome vai para o SPC, mas o dinheiro do nosso salário continua ali disponível para a gente remanejar para uma necessidade emergencial, como um imprevisto na saúde.
Na macroeconomia dos governos isso não acontece. O dinheiro que deixa de ser pago através de uma moratória, em grande parte, simplesmente desaparece automaticamente pelos efeitos provocados na inflação, no câmbio, na queda da oferta de crédito, e o resultado é o menor crescimento, inclusive com menor arrecadação de impostos para investir nas áreas sociais.
Na economia "moderna" (desde o surgimento dos bancos na idade média), dinheiro é dívida também. As próprias dívidas formam o lastro que garante o valor da moeda. Não é mais barras de ouro equivalente à quantidade de cédulas circulantes, como era no passado. Se dívidas públicas do estado não são pagas, o dinheiro não sobra, ele "evapora", de uma forma ou de outra.
Do jeito que a economia funciona hoje, deixar de pagar os R$ 190 bi juros equivaleria a fazer o truque de mandar a Casa da Moeda imprimir cédulas a mais até o valor de R$ 190 bi para pagar os juros. Emissão de dinheiro sem lastro na economia real acaba com a credibilidade da moeda, gerando inflação alta, o que anularia qualquer aporte de dinheiro a mais para saúde e educação. A verba poderia parecer maior no número, mas teria um poder de compra menor. Compraria menos material escolar, menos remédios, vacinas e atendimentos para o SUS, e remuneraria pior os servidores públicos, pela desvalorização da moeda.
O excelente filme de animação acima, feito por um artista ativista canadense (que não é economista), explica didaticamente isso, como uma introdução ao assunto para leigos. Vale a pena ver, quem ainda não viu. Ajuda a compreender como funciona o dinheiro.
E para quem está achando que este meu texto é meramente para justificar "ortodoxias" econômicas conservadoras, está enganado. Prestem bem atenção nas sugestões de transformações no fim do filme. Será assunto para o próximo capítulo desta nota.
Zé Augusto, do Os Amigos do Presidente Lula
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