A NOTÍCIA FORA DOS JORNAIS
Recife (PE) - A gente não precisa ir muito longe para descobrir o que é digno de notícia. Aqui mesmo perto de casa existe um trabalhador, um eletricista de autos. Coisa mais comum, não é? Mas esse eletricista, além de cuidar como poucos de automóveis, porque é competente e honesto, também escreve. Sim, e....? perguntaria o repórter de qualquer jornal brasileiro. Ele se chama Valter Fernandes, respondo, e continuo: Valter Fernandes assim se apresenta em um dos seus livros: “Nasceu em 27 de setembro de 1960, no Recife. É filho de Josefa Maria da Silva e de pai ignorado”. Sim, e...? . Antes que me respondam que a notícia não é uma sucursal da Casa da Misericórdia, acrescento outros personagens merecedores de notícia.
Aqui mesmo perto de casa, na Praça Pedro Jorge, jovens se reúnem todos os fins de semana, e bebem e fumam e namoram. Sim, e....? Na praça, há uma estátua de Pedro Jorge. Sim, e....? Não sei se o repórter, o editor sabe, mas Pedro Jorge foi um homem, um procurador da República muito digno, assassinado porque denunciou envolvidos no Escândalo da Mandioca. Sim, e o que têm a ver Pedro Jorge, jovens e a notícia? É que Pedro Jorge foi assassinado a menos de 5 minutos da praça onde se ergue como lembrança. Sim, mas...? Mas os jovens, que tão alegres se encontram e pulam e cantam, não sabem quem foi Pedro Jorge. Ainda que mijem ao pé da estátua que leva o seu nome. Bela notícia, o repórter responderia na minha cara. Jovens mijam ao pé de uma estátua e não sabem aos pés de quem mijam. Bela notícia! Estamos todos bem servidos.
Como seria a pauta?, ironiza o repórter. E relaciona como seria: a) entreviste um jovem em flagrante delito; b) pergunte-lhe se conhece a pessoa acima da sua cabeça; c) dê-lhe uma aula de história; d) fotografe o seu riso. Mesmo assim, o repórter pergunta, em um nocaute: quem iria ler coisa tão sem graça?
Um pouco mais longe daqui, no centro do Recife, ali também poderiam ser encontrados fatos dignos de notícia. Sem gancho. Bastava o repórter apurar os ouvidos, abrir os olhos, e se render à criação espontânea da rua. Como ouvi de um mendigo, sem pernas, sentado em uma cadeira de rodas. Ao pedir esmola a uma bela jovem e receber de volta que ela estava sem trocado, assim ele respondeu à recusa: “mas quando tu tiver, tu dá?”.
O homem disse isso com um sorriso amplo, de malícia, que me fez romper de felicidade a gargalhar. No entanto, esse pedinte, com um otimismo que o levará à idade de 100 anos, não é digno de aparecer nas folhas. O leitor já vê que a notícia divide o mundo em dois tipos de pessoas: as comuns e as celebridades. Se forem comuns, perdem o anonimato se com elas acontecer algo inusitado, como uma morte violenta, um acidente fatal, um espetacular roubo, um estupro de escândalo.
Se forem celebridades – e caberia uma crônica à parte sobre quem deve ter esse nome -, tudo que fizerem é notícia: até mesmo o mijo em via pública, cujo simples fio de urina já entra no ar. Daí vem a razão de qualquer Big Brother ser mais notícia que Welington Gonçalves da Silva, um menino pobre de Água Fria, que foi premiado em olimpíada nacional de matemática. Daí vem a razão de não se saber quem é Valter Fernandes, e ninguém, nem mesmo no bairro, prestar atenção à sua poesia. Trabalhador e poeta, bela manchete daria...
Na crônica “O gancho”, eu lembrava que os repórteres nem sonham com um tratamento, com uma recriação do mundo que faz qualquer fato se tornar notícia. Mas nesse aspecto, dou a mão à palmatória ao poeta Valter Fernandes. Ele expressou melhor o que antes eu tentei dizer:
“Catou o lixo Garrafa
Ferro
Plástico
Pneus
Tampinhas
E até papelão.
E com sentimento nobreFez o que mandava seu coração”.
Uraniano Mota.
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