terça-feira, 13 de outubro de 2009

Di Franco e a nova marola


Tanto quanto a economia, a política brasileira também está sujeita a marolinhas. Num caso e no outro, são ideias que começam a se formar, ganham corpo e dão a impressão de que irão atropelar tudo à sua frente. Mas, a exemplo da marola original, acabam refluindo antes de arrebentar.

O mais novo desses fenômenos vem sendo produzido por um grupo destacado de doutores. Com espaço cativo nas páginas dos jornais, eles buscam sistematicamente embaralhar e deturpar conceitos sedimentados há séculos na tradição democrática ocidental. Assim, a ditadura virou "ditabranda", o governo golpista de Honduras virou "governo interino" e a consulta popular virou sinônimo de "autoritarismo".

No último dia 4 de outubro, essa marola revisionista voltou-se contra o PT - o que não é exatamente uma novidade. Em artigo publicado na página de Opinião deste jornal, o doutor Carlos Alberto Di Franco acusou o partido de práticas fascistas. Motivo: as suspensões aplicadas pelo PT a dois deputados federais que se insurgiram agressiva e ostensivamente contra decisão democrática e soberana das instâncias partidárias.

A democracia interna no PT pode parecer muito complexa para alguns, mas na verdade é bem simples: vence a maioria.

Não é uma maioria de meia dúzia, como acontece em muitos partidos brasileiros admirados pelo doutor Di Franco. É uma maioria verdadeiramente democrática, construída e debatida nas bases, com a decisão levada a voto quando não há consenso.

É muito comum a piada segundo a qual um grupo de petistas, após cinco horas de reunião, não decidiu nada além de marcar a data do próximo encontro.

Esse estereótipo surgiu do fato de os petistas terem, por formação e tradição, o saudável hábito de debater, debater e debater.

Chega um momento, porém, em que é preciso votar, ou seja, decidir.

A questão da descriminalização do aborto é debatida no PT há pelo menos 20 anos.

Em 2007, quando fizemos nosso 3o Congresso Nacional, ela entrou novamente em pauta. E esteve presente nos congressos municipais e estaduais, que elegeram delegados à etapa nacional pelo modo mais democrático possível: cada filiado, um voto.

Mais de 200 mil petistas participaram dos debates preparatórios ao 3o Congresso. No final, cerca de 80% dos delegados eleitos nessas fases votaram favoráveis à resolução que tratava da descriminalização do aborto, com a contrapartida do atendimento às mulheres pela rede pública de saúde - o que incluiria acompanhamento médico, psicológico e social.

Os 20% que não concordavam à época continuam não concordando agora. E continuam expressando e defendendo sua opinião, seu ponto de vista, tentando democraticamente construir a maioria interna que lhes faltou no Congresso.

Este não era o caso dos dois deputados punidos.

Luiz Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC) não praticavam direito de opinião.

Praticavam fundamentalismo tosco, dirigido diretamente contra o partido ao qual eram filiados.

Através de movimentos liderados por eles, agrediam e insultavam os pares petistas que discordavam de sua opinião, negando o debate democrático.

O autoritarismo e o fascismo, nessa questão, estão do lado oposto ao apontado pelo doutor Di Franco. O PT, ao contrário, tem o direito de expressão previsto em seu estatuto, democraticamente aprovado por seus filiados.

Ricardo Berzoini, deputado federal (PT-SP), é presidente nacional do PT.
Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, edição de 13/10/2009.

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