sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Desafio aos quatrocentões


Mauricio Dias


A imprensa brasileira ignorou o que talvez tenha sido o mais importante e corajoso discurso político do presidente Lula feito ao longo deste segundo mandato.

No dia 22 de janeiro, durante a cerimônia de inauguração da sede do novo sindicato dos trabalhadores do setor de processamento de dados, em São Paulo, Lula finalmente percebeu a vertente da história brasileira em que meteu e anunciou o encontro com ela.

O presidente improvisou. Talvez tenha sido alertado de que falaria no auditório que leva o nome de Vargas, em homenagem ao ex-presidente. Lula falou:

“Muitas das coisas boas que temos (devemos) à coragem de Getúlio Vargas, à visão de Estado que tinha Getúlio Vargas. Estamos convencidos de que Getúlio prestou esse serviço ao Brasil. Lamentavelmente, uma parte da elite brasileira, inclusive uma parte da elite intelectual, (vive) inconformada porque não conseguiu ganhar o golpe de 32 que chamam de revolução. Aquilo foi uma tentativa de golpe. Não se conformam. É muito triste aqui em São Paulo a gente não encontrar uma rua com o nome de Getúlio Vargas”.

A memória da sociedade sobre Vargas – aquela pequena parte que tem memória histórica – transita da ditadura do Estado Novo às leis trabalhistas, marcos de sua passagem inicial pelo poder. Foi nesse período de bancar o confronto com as oligarquias que, pressentindo a marginalização iminente, reagiram ao lançamento de algumas das pedras fundamentais sobre as quais se assenta o Estado brasileiro moderno. Lula prosseguiu:

“(Getúlio) parece uma coisa ruim. Um homem que foi presidente da República e deixou um legado e as pessoas mais pobres são agradecidas”.

A admiração manifestada por Lula não sufocou a crítica ou a autocrítica.

Durante as jornadas de greve liderada pelo metalúrgico Lula, em São Bernardo do Campo, em confronto com a ditadura, Lula atacou as amarras dos sindicatos ao Estado e, então, exagerava nas reações contra Vargas. Naquele final da década de 1970, quando foi chamado pela revista The Economist de “herói da classe operária”, deixava a impressão de que o único sindicalismo válido era aquele que emergiu no berço avançado do capitalismo brasileiro.

Lula encerrou o discurso de reatamento com Vargas e com o melhor fio da história brasileira:


“Eu tenho divergências com Vargas na questão da estrutura sindical (...) mas eu sou capaz de ter divergências com um companheiro e não ver só defeito, ver as virtudes que a pessoa tem. Eu acho que Getúlio foi um excepcional presidente deste país”.

Em 24 de agosto de 1954, sob pressão insuportável da oposição golpista, Getúlio Vargas deu um tiro mortal no peito. Mas seu legado ficou e resistiu até mesmo aos ataques do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em discurso, em dezembro de 1994, pintou o “legado de Vargas” como “o passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade”. Prometeu “a abertura de um novo ciclo de desenvolvimento” e “um novo modo de inserção do País na economia internacional”.


Fracassou. Getúlio ficou oito anos no ostracismo. Lula o resgatou. O legado de Vargas continua.

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