Autor:Raphael Bruno
Jornal do Brasil - 15/03/2010
Reiteradas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, já deixaram claro que o campo governista pretende explorar, na campanha, o tema da participação feminina na política como maneira de capitalizar votos para a petista. É uma aposta arriscada. A questão do gênero não é, historicamente, um critério relevante para a decisão de voto do eleitorado brasileiro. A candidata petista tem, de toda maneira, uma margem razoável para crescimento,tendo em vista que, curiosamente, as sondagens de intenção de voto indicam que a ministra obtém, entre o eleitorado feminino, percentuais inferiores aos conquistados junto ao masculino.
É difícil deixar de constatar que as afirmações de Lula e Dilma nosentido de que o Brasil está preparado para eleger uma presidente e em defesa da ampliação da presença feminina na política nacional guardam sua dose de oportunismo. Se, por um lado, o governo petista buscou criar mecanismos para aperfeiçoar essa participação a nível institucional, por meio da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, por outro ignorou solenemente a questão em vários outros momentos significativos. O principal deles talvez tenha sido na última tentativa frustrada de emplacar uma reforma política, quando a proposta do governo não trouxe nenhuma espécie de mecanismo de cotas ou reserva de vagas para a eleição de mulheres. Um pecado haja vista o percentual ainda extremamente baixo de representantes femininas no Legislativo brasileiro.
A candidatura de Dilma, contudo, contém uma dimensão emancipatória por si só. Essa característica é explicada pela atuação político-administrativa da ministra. Dilma tem um perfil diferenciado que desafia fronteiras erguidas pelo machismo institucionalizado. Em geral, os partidos e os parlamentares reservam, para as poucas mulheres que conseguem obter um mandato ou um cargo no Executivo, áreas de atuação consideradas mais adequadas para a atuação política feminina. Este artifício altamente excludente abre as portas para as mulheres, por exemplo, de comissões setoriais consideradas leves, como de Seguridade Social e Família, Educação e Saúde, ao mesmo tempo que limita a participação delas em áreas entendidas como mais nobres, e ao mesmo tempo mais sérias, como política econômica, orçamento e tributação. O próprio governo Lula é um exemplo desse mecanismo. Dilma é a única ministra da equipe, além de Nilcéa Freire, titular da Secretaria Especial de Política para Mulheres, uma pasta atrelada à Presidência com status de ministério. No passado recente, quando mulheres chefiaram ministérios no governo de Lula, foram em assuntos como Meio Ambiente e Turismo. Nada de Planejamento, Fazenda ou Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Toda a carreira política de Dilma, por sua vez, está atrelada a áreas como infraestrutura e Casa Civil, onde, em geral, há hegemonia masculina. Mas a ministra não se limita a esse aspecto. A ciência política feminista, por muito tempo, ficou envolvida no debate que colocava em lados opostos a política de presença da política de ideias. De um lado, o argumento de que era necessária a presença física das mulheres nos espaços de poder. De outro, o entendimento ressaltando que o fundamental era que as políticas e legislações implantadas representassem adequadamente preferências femininas, independentemente do gênero de quem as impulsionava. Hoje, o debate parece ter alcançado um consenso em torno da percepção de que ambos aspectos são necessários. E essa lição Dilma demonstra ter apreendido ao vincular asimples identidade feminina a políticas públicas específicas, como fez na cerimônia comemorativa do Congresso em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres. Na ocasião, a ministra lembrou, por exemplo, que o pagamento do Programa Bolsa Família é feito para a mãe da família beneficiada. Melhor para todos nós que elas, teimosamente, ou sem superar os obstáculos que ainda as impedem de participar das decisões sobre o futuro do país como legitimamente lhes cabe.
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