Em entrevista ao jornalista Umberto Martins, do Vermelho, o economista João Sicsú, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA e professor-doutor do Instituto de Economia da UFRJ, afirma que dois projetos nacionais estarão em disputa na eleição presidencial. Um de caráter desenvolvimentista, liderado hoje pelo presidente Lula e por Dilma Rousseff. Outro, “estagnacionista”, representado pelo tucano José Serra, significa uma ameaça de retrocesso ao neoliberalismo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Vermelho: Alguns analistas afirmam que não existem maiores divergências programáticas entre os principais pré-candidatos à eleição presidencial, Dilma Rousseff e José Serra. Qual é a sua opinião sobre isto?
João Sicsú (JS): Penso o contrário. Teremos dois projetos bem distintos em disputa. A Dilma representa a continuidade do governo Lula, cujo projeto ficou mais nítido no segundo mandato, e é respaldado pelo PT, PCdoB, outros partidos da base aliada e os movimentos sociais. A questão central neste projeto é o crescimento econômico, mas isto não significa uma visão “crescimentista”, ou seja, em que o crescimento é a meta, final e exclusiva.
Trata-se de um projeto desenvolvimentista, ambientalmente sustentável, com balizadores econômicos como a manutenção da inflação em níveis moderados, administração fiscal que busca o equilíbrio das contas públicas sem sacrificar os investimentos e políticas anticíclicas, redução da vulnerabilidade externa e algum nível de administração cambial, ampliação do crédito e aumento dos investimentos públicos e privados. E com objetivos sociais como geração de milhões de empregos com carteira assinada, melhoria da distribuição funcional da renda e recuperação do valor do salário mínimo.]
Diferentemente, o projeto capitaneado pelo pré-candidato do PSDB tem um caráter estganacionista. É necessário lembrar a este respeito que FHC, que governou o país entre 1995 a 2002, aprofundou as vulnerabilidades sociais e econômicas do Brasil. A comparação dos resultados dos dois projetos favorece amplamente o atual governo, mas a situação da nação ainda está muito distante das necessidades e potencialidades da economia e da sociedade, de forma que o modelo precisa ser aperfeiçoado, e muito.
Vermelho: Não faz sentido a ideia do pós-Lula inicialmente apresentada por José Serra?
JS: O cenário chamado por alguns de pós-Lula não corresponde à realidade política do país. Temos, na realidade, dois projetos distintos em disputa. O falso cenário pós-Lula tem o objetivo de despolitizar o voto, é uma tentativa de salvação da candidatura do PSDB e seus aliados evitando a comparação das realizações dos governos Lula e FHC, que sem dúvidas é muito desconfortável para os tucanos.
Vermelho: Como foi o comportamento da economia nacional nos dois períodos?
JS: O indicador mais relevante é a evolução do Produto Interno Bruto (PIB). A taxa média anual de crescimento do PIB no primeiro mandato de FHC (1995-1998) foi de 2,5% e caiu para 2,1% no segundo (1998-2002). Nos governos Lula os resultados foram bem melhores, passando de 3,3% no período compreendido entre 2003 a 2006 para cerca de 4,4% no segundo mandato (2007-2010). Estimamos no último caso um crescimento de 6,5% em 2010.
O desempenho do PIB refletiu a evolução dos investimentos, que subiram 4,3% ao ano em média no primeiro mandato de FHC, desabando depois (-2,0 a.a entre 1998 a 2002). No governo Lula ocorreu o contrário. O primeiro mandato foi um pouco melhor do que o da administração tucana, com um crescimento médio anual de 4,5%. No segundo, o ritmo de expansão dos investimentos quase dobrou. Foi de 8,6%.
Aqui cabe destacar o papel do Estado. Nos governos FHC, os investimentos públicos declinaram de um mandato para outro, descendo de 2,21% para 1,6% do PIB. No governo Lula, o começo foi modesto, pois a capacidade de investimentos do Estado foi reduzida a quase zero pelas políticas neoliberais. Os investimentos públicos equivaleram a 1,52% do produto, ao passo que no segundo mandato (2007-2010) a taxa subiu a 2,56%. Neste caso se verifica mais claramente a diferença de projetos. A administração tucana considerava o Estado um entreve ao funcionamento da economia, por isto privatizou o que pode e se orientou pela ideologia do “Estado mínimo”.
Vermelho: isto mudou...
JS: O atual governo está resgatando o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico, interrompeu a política de privatizações, criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reforçou os bancos públicos e as estatais.
Foi no segundo mandato que o projeto liderado por Lula ganhou contornos mais claros. A taxa de crescimento do PIB a partir de 2006 tornou-se mais elevada. O crescimento a partir daquele ano teve uma característica digna de nota: a taxa de crescimento do investimento se tornou, pelo menos, o dobro da taxa de crescimento de toda a economia. Para evitar o chamado “vôo de galinha” as economias devem buscar reduzir suas vulnerabilidades e elevar a taxa de investimento, pois mais investimento hoje significa mais investimento e mais crescimento amanhã. Estima-se para 2010 um crescimento de 17% dos investimentos público e privado. O investimento público, incluindo os gastos feitos pela União e pelas estatais federais, alcançará mais de 3% do PIB este ano.
Os tucanos teriam que governar o Brasil por aproximadamente 14 anos para obter o resultado que o presidente Lula obteve em 8 anos. Ou seja, somente em 2016 alcançaríamos o PIB que devemos ter ao final de 2010 se o país tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.
Vermelho: Qual o papel que você atribui ao crédito no crescimento da economia?
JS: O atual governo está resgatando o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico, interrompeu a política de privatizações, criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reforçou os bancos públicos e as estatais.
Foi no segundo mandato que o projeto liderado por Lula ganhou contornos mais claros. A taxa de crescimento do PIB a partir de 2006 tornou-se mais elevada. O crescimento a partir daquele ano teve uma característica digna de nota: a taxa de crescimento do investimento se tornou, pelo menos, o dobro da taxa de crescimento de toda a economia. Para evitar o chamado “vôo de galinha” as economias devem buscar reduzir suas vulnerabilidades e elevar a taxa de investimento, pois mais investimento hoje significa mais investimento e mais crescimento amanhã. Estima-se para 2010 um crescimento de 17% dos investimentos público e privado. O investimento público, incluindo os gastos feitos pela União e pelas estatais federais, alcançará mais de 3% do PIB este ano.
Os tucanos teriam que governar o Brasil por aproximadamente 14 anos para obter o resultado que o presidente Lula obteve em 8 anos. Ou seja, somente em 2016 alcançaríamos o PIB que devemos ter ao final de 2010 se o país tivesse sido governado pelo PSDB desde 1995.
Vermelho: Qual o papel que você atribui ao crédito no crescimento da economia?
JS: Observamos uma ampliação substancial do crédito na economia brasileira ao longo dos últimos anos. Se em 2003, o crédito representava menos que 23% do PIB em 2009 alcançou mais de 46%. O ambiente de crescimento econômico e a confiança gerada pelo governo Lula na sociedade explicam esta expansão extraordinária. A inovação institucional do crédito consignado e a criação de milhões de empregos com carteira assinada contribuíram fortemente para esta performance. Cabe destacar que os bancos públicos foram instrumentos preciosos para que o crescimento dos anos recentes fosse acompanhado por um aumento vigoroso do crédito.
O crescimento, o aumento do investimento e a ampliação do crédito foram alcançados sem comprometer a estabilidade monetária e o equilíbrio fiscal. Tivemos inflação controlada, dívida líquida do setor público monitorada de forma responsável e redução da vulnerabilidade externa. A dívida pública dolarizada [títulos do governo com cláusula de correção cambial], herdada do governo FHC, foi zerada.
Vermelho: As centrais sindicais realizaram recentemente uma conferência nacional da classe trabalhadora cujo principal eixo foi a defesa de um novo projeto nacional de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho. A valorização do trabalho contribui para o crescimento da economia?
JS: Creio que sim, pois a valorização do trabalho fortalece o nosso mercado interno. Isto ficou claro ao longo dos últimos anos, quando tivermos a criação de milhões de empregos com carteira assinada, a valorização do salário mínimo e melhoria da distribuição funcional da renda. O primeiro governo FHC foi uma tragédia para o mercado de trabalho. A geração de emprego com carteira assinada encolheu em média 296 mil por ano e a taxa de desemprego disparou.
No segundo, a situação melhorou um pouco, sendo criados cerca de 454 mil empregos com carteira assinada, um resultado abaixo do necessário para que o nível de desemprego deixasse de crescer, uma vez que mais de um milhão de jovens continuam engordando a população economicamente ativa todo ano. No primeiro mandato do governo Lula foram gerados 1,163 milhão de empregos com carteira assinada por ano; no segundo, o número subiu para 1,466 milhão. A atual administração vai fechar com chave de ouro, pois entre 2003 e 2010 devem ser criados 10,5 milhões de novos postos de trabalho com carteira assinada. FHC teria de governar o Brasil por 64 anos para conseguir o mesmo resultado.
Vermelho: E a valorização do salário mínimo?
Tivemos também uma política de valorização do salário mínimo que foi um elemento chave para o crescimento econômico com distribuição de renda, pois fortalece o mercado interno e beneficia milhões de trabalhadores na ativa e aposentados. No primeiro mandato de Lula, o mínimo subiu 19%, no segundo a valorização foi ainda maior: 31%. Isto ampliou o consumo popular e fortaleceu o mercado interno. A participação dos salários no PIB também cresceu, melhorando a distribuição funcional da renda entre trabalhadores e detentores do capital. Entre 1995 e 2004 a participação dos salários no produto caiu de 35,2% para 30,8%, que foi seu pior nível histórico. A partir de então, houve um nítido processo de recuperação, de modo que em 2009 retornamos ao patamar de 1995.
Assim, podemos concluir que há dois projetos em disputa: o estagnacionista, que acentuou vulnerabilidades sociais e econômicas, aplicado no período 1995-2002, e o desenvolvimentista com distribuição de renda, que está em curso. Portanto, o que está em disputa, particularmente neste ano de 2010, são projetos, já testados, que pregam continuidade ou mudança.
De São Paulo, Umberto Martins
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