terça-feira, 17 de agosto de 2010

A dimensão internacional da eleição brasileira


Por Emir Sader*

No calendário eleitoral do continente, a eleição brasileira deste ano ganha relevância particular, não apenas pelo peso que o país tem do ponto de vista econômico, mas também pelo dinamismo e pelas funções que a política exterior brasileira foi tendo. Depois da confirmação de rumo das eleições de Evo Morales na Bolívia e de Pepe Mujica no Uruguai, a brasileira reiteraria a popularidade das orientações dos governos que se conduzem seus países pelo caminho do posneoliberalismo.

Para se ter uma idéia da importância internacional dessa eleição, basta olhar para que mudanças de linha representariam uma – hoje hipotética eleição – do Serra. Uma matéria do Estadão aborda o que seria a linha internacional dos tucanos e a primeira observação é de que o assunto “está longe de ter um grande destaque nas propostas de governo dos dois candidatos da oposição” (OESP, 9/8/2010, caderno Desafios, página H7).

Alinha as mudanças apontadas aqui ali pelo discurso do tucano: o primeiro, rever o Mercosul, liberando o Brasil para ter acordos bilaterais com outros países (evidentemente, em primeiro lugar, com os EUA). Seria um começo de “despolitização” (sic) da política exterior brasileira. (Existe política exterior despolitizada? Parece que despolitizar é seguir nosso “destino histórico” de ser subordinados aos EUA.)

Cita-se os conspícuos eventuais papas da política exterior tucana, caso ganhassem, as eleições: Rubens Barbosa, atual presidente do Conselho Superior de Comércio da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp e Sérgio Amaral, ex-porta voz de FHC, como os anteriores, ex-membros do governo tucano.

Os tucanos minimizam a diversificação das exportações brasileiras. Aliás, a China é a maior ausente de qualquer proposta tucana, como se o comércio com a China não fosse determinante no mundo atual. Ao invés disso, deveríamos “intensificar as relações com os EUA”.

O Mercosul foi definido por Serra como “uma farsa”, como “uma barreira para que nosso país possa fazer acordos comerciais”. “Giannetti e Barbosa defendem retroceder (sic) a um estágio anterior, apenas de livre comércio, liberalizando os países do bloco para fazer acordos bilaterais.”

Na relação com a Argentina, “os tucanos pregam um endurecimento”, da mesma forma, seria “outro exemplo da política de generosidade do governo” (para eles generosidade não tem o sentido de solidariedade, mas tem sempre uma conotação negativa, egoísta). Recorda-se as acusações do Serra ao governo boliviano, que suscitaram o epíteto de “exterminador do futuro”, pelo grau de isolamento e de liquidação das políticas de alianças que a orientação tucana representaria.

Rubens Barbosa diz que está na hora de o Brasil reativar o relacionamento com os EUA. Confirmando seu característico entreguismo e subserviência, ele diz: “Podemos adotar uma política de confiança”.

Bastaria isso para termos consciência como um governo tucano seria o melhor representante dos EUA na região, buscando desarticular as alianças e processos de integração regional, para tentar substituí-los por um eixo com o Chile de Piñera, o Peru de Alan Garcia, a Colômbia de Santos e o México de Calderón. Promovendo o isolamento da Venezuela, da Bolívia, do Equador, do Paraguai, da Argentina, do Uruguai e de El Salvador. Mudaria radicalmente o panorama regional.

Não por acaso os principais governantes da região estão de olho nas eleições brasileiras. Não por acaso governos como os da Argentina, do Uruguai, da Bolívia, do Equador, do Paraguai, da Venezuela, de El Salvador, não escondem sua preferência pela vitória de Dilma, que representa a continuidade e o aprofundamento das políticas que levaram a América Latina a reconquistar projeção internacional, a conseguir sair rapidamente da crise e afirmar sua soberania, seu desejo de integração regional e de alianças prioritárias com os países do Sul do mundo.

*Matéria originalmente publicada no site Sul 21

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