A eleição de 2010 foi marcada pela interferência da Justiça depois que a mídia acuou o Congresso
A Campanha eleitoral de 2010 teve características típicas de avanços e retrocessos. E a escolha de uma mulher para a Presidência foi, entre outras, uma referência de progresso democrático. Por outro lado, a interferência da Justiça na campanha eleitoral, muitas vezes de legalidade duvidosa, marcou a eleição como sinal do retrocesso.
Há notícias de que a pauta do Tribunal Superior Eleitoral está entupida por, aproximadamente, 200 processos sobre Ficha Limpa, oriundos da eleição encerrada.
Essa marca não é sintoma do importante, mas acadêmico debate sobre a judicialização da política versus politização da Justiça. O que vem ocorrendo no Brasil tem identificável tonalidade verde-amarela e faz parte da demonização da política aos olhos da sociedade, promovida pelos meios de comunicação. Esse movimento começa com a posse de Lula.
É como se o País tivesse vivido antes um período de absoluta decência política, exce-tuado, é claro, o governo constitucional de Getúlio Vargas (1951-1954), em que a mesma mídia levou o presidente ao suicídio, após criar a imagem de que um falso “mar de lama” corria sob o Palácio do Catete, no Rio, então sede do Poder Executivo.
Tudo muito parecido, não?
Os poderes públicos devem ser sempre fiscalizados com rigor. O que tem ocorrido, porém, nos últimos anos, é a tentativa de invalidar o Parlamento como expressão maior da soberania da sociedade. E a nova composição do Senado e da Câmara, saída das urnas com maioria da base de apoio do próximo governo Dilma, em 2010, deve acirrar essa situação. É natural concluir que a imprensa não vai abandonar o papel de “oposição”, conforme a classificação feita pela insuspeita senhora Judith Brito, presidente da Associação Brasileira de Jornais e, portanto, porta-voz do restrito grupo de controladores da mídia brasileira.
A preeminência da magistratura, analisada em contexto mais amplo pelo advogado Cezar Britto, ex-presidente da OAB nacional, tornou a Justiça “o último responsável pela ratificação executória de toda política pública federal, estadual ou municipal”.
Nos limites da questão política, essa interferência se projeta de forma mais aguda. O Congresso, diante de uma emenda popular estimulada pelo viés da moralidade com apoio da imprensa, aprovou a Lei da Ficha Limpa. Os méritos da iniciativa, que, pelo casuísmo, atropelou regras democráticas, se perderam diante dos interesses políticos. O Congresso votou acovardado. De joelhos. E ajoelhou-se diante de um arrasador e permanente ataque da mídia.
Cezar Britto elaborou uma longa lista já sob o alcance do longo braço do Judiciário, da qual se extraem esses poucos exemplos: “…a transformação do refúgio político em simples ato administrativo, o asilo em ato judicialmente controlável, a tortura em crime banal, a fidelidade partidária como impositivo constitucional, os limites legais e éticos das campanhas eleitorais…”.
O ex-presidente da OAB lembra que, nesses casos, o País não se encontrava diante de um vazio constitucional ou legislativo: “Em todos eles existia ação decisória do Poder Executivo e/ou do Poder Legislativo”. Ainda assim, alerta Cezar Britto, foi do Poder Judiciário “a palavra definitiva e inquestionável”.
A perigosa demonização da política levou à arriscada santificação da Justiça.
Maurício Dias é jornalista, editor especial e colunista da edição impressa de CartaCapital. A versão completa de sua coluna é publicada semanalmente na revista.
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