Desde que me dispus a escrever aqui no DR, em resposta ao honroso convite do Eliakim, também me impus uma regra de comportamento: jamais contraditar os comentários feitos a propósito dos meus textos, por mais agressivos que às vezes aqueles se revelem. Aprendi isso com minha mãe e seus ditados colhidos da boca do povo: quem diz o que quer corre o risco de ouvir o que não quer... E isso nunca foi tão verdadeiro como quando o que se diz e o que se ouve envolve a matéria politica ou a religiosa, por exemplo.
Assim, considero que, tendo exercitado levremente a produção de um texto de opinião, e lançando-o à divulgação, ele não mais me pertencerá com exclusividade, podendo e devendo, a partir daí, sem a minha participação, merecer reparos, aditamentos, contestações, reprimendas e tudo mais que é autorizado pelo livre direito de expressar o pensamento.
Esse respeito à opinião alheia, um princípio da alteridade e um pilar do intercâmbio democrático, só não deve prevalecer quando o contraditório abusa do requinte da selvageria e da perversidade, com preconceitos e discriminações que, em nome da dignidade humana, não podem passar em branco. E aí, desculpem-me os defensores da liberdade absoluta, nem é caso de diálogo: é preciso reprimir esses pensamentos, denunciá-los como insanos e aviltantes e condená-los ao silêncio.
Essas considerações vêm a propósito de algo que não aconteceu aqui no DR – é verdade que houve umas tentativas que passaram “de raspão” por essa postura - , mas que andou movimentando sites, blogs e twitters na internet: as declarações feitas sobre os nordestinos e sua desvalorização enquanto pessoas, tidos como dispensáveis no concerto nacional, considerados como menos brasileiros e, pior, como menos humanos. Tudo porque o Nordeste está sendo “responsabilizado” pela vitória da Dilma, o que, aliás, não corresponde matematicamente á verdade, já que ela também venceu no Sudeste.
Há quem diga que a maior resposta para tais afirmações é ignorá-las. Eu discordo. É preciso execrá-las! Elas representam a liberdade inaceitável, a barbárie do pensamento !
Somos um país uno em sua formidável diversidade. Um país plural em suas manifestaçôes culturais. Um país miscigenado etnica e culturalmente. E essa é a nossa grande força. a grande arma – ao contrário do que pensam os arautos da discriminação – para que venhamos a ocupar, em futuro bem próximo, lugar de grande destaque no conjunto das nações, como resultado dessa vocação para a comunhão, para o diálogo, para a integração.
A eventual maior “riqueza” ou o suposto maior “progresso” do Sul e do Sudeste não pode funcionar como juízo de valor para conferir-lhes uma posição de maior “brasilidade” em relação às demais regiões. Em primeiro lugar, porque os nordestinos, ao longo do tempo, foram e continuam sendo artífices importantes no crescimento do Sudeste. Em segundo lugar, porque talvez seja de lá que venha, majoritariamente, esse sentimento de cordialidade, de confraria, de alegria e bondade que dão o tom do verdadeiro Brasil. Seríamos um país muito pouco brasileiro se nos limitássemos a ser apenas um grande São Paulo...
Quando uma estagiária de direito paulistana, em frase que circula na internet, declarou que “nordestino não é gente” e conclamou que se devia “fazer um favor a São Paulo e matar um nordestino afogado”, no que foi secundada no twitter por muitos fascitoides iguais a ela, isso não pode ser visto como “livre exercício da expressão do pensamento”, mas como perigosa e atentatória manifestação de intolerância e apologia do crime.
O legado cultural nordestino ao Brasil passa por vários âmbitos, está em todos os níveis. Está em Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel de Queirós, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Jorge de Lima, Ferreira Gullar, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, alguns que me vêm à mente em meio a uma plêiade de artistas da palavra.
Está no Cego Aderaldo, em Patativa do Assaré, em Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Djavan, Raul Seixas, Fagner, Dorival Caymmi, Caetano, Gal, Gil e Betânia, em Jackson do Pandeiro, Elba e Zé Ramalho, alguns dos ícones nordestinos de nosso cancioneiro popular. Está no Mestre Vitalino, em Cícero Dias, Antônio Bandeira, Vicente do Rego Monteiro, Mário Nunes , João Câmara e tantos outros consagrados artistas plásticos. Espalha-se da excelência acadêmica de um Anísio Teixeira, um Paulo Freire ou um Celso Furtado à genialidade intuitiva de um Dida, um Vavá, um Almir, um Bebeto, um Canhoteiro, um Dequinha, um Rivaldo, um Zózimo, um Zagallo, um Juninho e tantos outros magos do nosso orgulho no futebol (aqui, posso ser ajudado pela enciclopédia, que é o Roberto Porto...)
Mas tal legado está, principalmente, nos irmãos nordestinos como um todo, que, embora sofredores das iniquidades e desigualdades sociais, constituem essa massa anônima trabalhadora que ajuda a construir nosso novo país, um país que não sofrerá retrocesso depois de Lula – esse também um nordestino que revolucionou a prática política no país -, e em cujo caminho rumo ao progresso não haverá lugar , no futuro, para os pensamentos perversos, retrógrados, divisionistas e antipatrióticos como os formulados por essa infeliz turma twiteira.
Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação
Um comentário:
Minha mãe me ensinou que existe diferença em liberdade e libertinagem.
Liberdade é um direito.
Libertinagem seria o abuso desse direito, coisa que ninguém tem direito de fazer.
A xenofobia que atualmente assola algumas classes sociais é um duro exemplo de libertinagem.
[]’s
Cacilhας, La Batalema
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