quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ricardo Kotscho: “Grande imprensa comete suicídio”


Felipe Prestes

Ricardo Kotscho gosta de ser repórter. Já foi diretor de televisão, teve cargos políticos, mas hoje desfruta do fato de realizar grandes reportagens mensais para uma revista. Como repórter, Kotscho gosta da rua, e dispensa pesquisas na internet. “Tudo o que está na internet já saiu em algum lugar. Algum repórter já escreveu antes”, explica. Kotscho mantém um blogue e não acredita que a internet seja uma vilã, que reduz o espaço do jornalismo impresso. “Não é a internet que está matando. É um suicídio”.

Kotscho veio a Porto Alegre para participar do lançamento do livro “Lugar de repórter ainda é na rua”, em que dois jovens jornalistas, Mauro Junior e José Roberto da Ponte, narram a trajetória profissional de Kotscho. O livro começou a ser escrito em 2001, como um trabalho de conclusão de curso, quando os dois autores – que eram colegas – cursavam Jornalismo.

Desde o primeiro contato, Kotscho atendeu os jovens de forma amigável e despachada. “Não me chamem de senhor”, disse logo no primeiro telefonema. Enquanto eu fazia perguntas para os dois autores, em um café do hotel onde os três estavam hospedados, Kotscho aproveitava para dar lições. “Isso que eles estão lhe contando deviam ter colocado no livro”.

Os autores seguiam falando sobre o livro. Kotscho se mandou de nossa mesa e foi para o balcão tomar um café. Mauro e José Roberto contaram que retomaram o projeto no ano passado. Entre 2001 e 2010 reuniram, para o livro sobre Kotscho, mais de 30 depoimentos de jornalistas e também entrevistaram políticos como o vice-presidente José Alencar. Em 2001, quando Lula ainda era um eterno candidato à presidência, falaram com ele sobre o amigo que o acompanhou durante anos.

Kotscho e Lula se conheceram nas greves do ABC, no final da década de 1970, um como repórter, o outro como personagem principal. Em 1989, Kotscho foi assessor de campanha de Lula, e também em 1994. Em 2003 e 2004, Kotscho ocupou o cargo de secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. “Há afeto muito grande entre os dois”, conta Mauro Junior.

Depois de acabar o cafezinho, Kotscho voltou a sentar-se e conversou com o Sul21 por cerca de meia hora. Falou sobre o amigo Lula e, principalmente, sobre jornalismo: papel da internet, a imprensa como partido político, democratização dos meios de comunicação, entre outras questões que envolvem a imprensa.

“A maioria dos jornais, telejornais, internet, é tudo muito parecido. As notícias são as mesmas.”

Sul21: Mauro e José Robero estão dizendo que o livro deles é melhor que o seu (Do Golpe ao Planalto).


Ricardo Kotscho: Isto é uma estratégia de marketing. Só tem um jeito de saber qual é o melhor: tem que ler os dois. Aí eu aproveito para vender o meu. (risos de todos)

Sul21: Vamos começar então falando sobre o título do livro. Lugar de repórter ainda é na rua?


RK: Só pode ser. Porque as coisas acontecem na rua, e não na redação. Na redação não acontece nada. Você só pode descobrir histórias novas saindo para a rua. Em um dos últimos empregos que eu tive na grande imprensa, na Revista Época, tinha reunião de pauta toda a segunda-feira. E na reunião de pauta todo mundo brilha. Agora, na hora de fazer, tinha pouca gente para ir para a rua. O pessoal saía da reunião e ia direto para o Google pesquisar sobre o assunto. Eu falei para os caras: ‘tudo o que está aí (na internet) já saiu em algum lugar, algum repórter já escreveu isso antes. Nós temos que descobrir histórias novas’. Não pode ficar só no gabinete, no telefone, na internet, que é o que está acontecendo na maioria das redações. É por isso que a grande imprensa está perdendo prestígio e faturamento. Não é a internet que a está matando. É um suicídio. Estão deixando de ser imprescindíveis. A maioria dos jornais, telejornais, internet, é tudo muito parecido. As notícias são as mesmas. Personagens, assuntos (também).

Sul21: Você fez muitas grandes reportagens…


RK: Não só grandes reportagens. Esse negócio de grande reportagem que você diz: ‘pô, isso tem que ficar bom, esse cara teve um mês para fazer’. Eu fazia sobre qualquer assunto. Às vezes um pequeno assunto rendia uma coisa maior. Mas não é ‘só vou fazer matéria especial’, porque aí você só faz matéria fria.

Sul21: Por que estas grandes reportagens vêm desaparecendo dos jornais?


RK: As grandes e as pequenas. Não tem mais reportagem. O que você vê hoje são notícias e opiniões. Peguei um jornal hoje chamado “O Sul”, que tem um caderno inteiro de colunas. Tem mais colunas que a Grécia Antiga, pô. E aí tem várias razões. É lógico que tem uma razão financeira. Ir para a rua custa dinheiro. Mas nem sempre. Eu fiz boas matérias perto da redação, e 90% das matérias era um repórter, um fotógrafo e um motorista. Aliás, está desaparecendo a figura do motorista de reportagem. Era uma figura imprescindível, participava das matérias. Tinha um motorista de reportagem na Folha (de S.Paulo) que gostava de fazer reportagem. Se ele me encontrava coçando o saco na redação, falava: ‘Porra, meu, que cê ta fazendo aí? Lugar de repórter é na rua’. O Gil Passarelli – fotógrafo que trabalhou por 50 anos na Folha – no final da carreira foi encostado. Ele ficava agoniado, chegava para mim e dizia: ‘Kotscho, vamos caçar alguma matéria na rua’. A gente saía sem pauta, sem porra nenhuma. Saía andando pela região da Folha de S.Paulo e nunca voltava sem matéria, sempre achava alguma coisa. Leia entrevista na íntegra.

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