Fernando Cartaxo de Arruda, sociólogo
As pesquisas apontam o segundo turno entre Elmano Freitas (PT) e Roberto Claúdio (PSB). O Moroni Torgan (DEM) seguiu sua sina de despencar na hora da decisão final. O Inácio Arruda (PC do B) se inviabilizou ao não descolar sua imagem da antiga aliança junto ao PT e PSB. A travessia só o fez desidratar, pois teve o infortúnio de enfrentar o deserto sem água e mantimentos.
As candidaturas que poderiam surpreender não mostraram suficiente gás e fôlego para sobreviver. É o caso do independente Renato Roseno (PSOL) e do alternativo Heitor Férrer (PDT), único parlamentar na Assembleia a fazer oposição ao governo Cid Gomes. Entre outros obstáculos, tiveram que enfrentar a força do poder econômico, cada vez com custos mais elevados, além do escasso tempo na propaganda eleitoral, que exerce papel estratégico na persuasão do eleitor.
O fiasco da candidatura do Marcos Cals (PSDB) retrata o processo de desconstrução dos tucanato, fruto do habilidoso manuseio do poder pelos Ferreira Gomes. Apartaram-se do líder Tasso Jereissati e, paulatinamente, esvaziaram o partido. É bom lembrar que foi pelas mãos de Tasso a pavimentação da vida política dos irmãos Ciro e Cid Gomes. A apatia de Tasso no processo eleitoral além de refletir-se no baixo desempenho eleitoral, denota o desencanto com o jogo amargo da política.
Sem surpresas, as eleições caminham para o embate duro entre o PT e o PSB. A toada do PT na reta final demonstra que a candidatura ganha musculatura e entusiasmo. E o mito de incompetência construído em torno da administração Luizianne Lins tá sendo desfeito no próprio caminhar da campanha, ao propagar os feitos e os projetos realizados e a realizar.
É certo que existe resistência de setores das classes médias e das elites, alimentada por um misto de preconceito e crítica. No caso do PT, o preconceito atinge até o âmbito da personalidade e da intimidade da Prefeita Luizianne Lins; as críticas apontam fragilidades na administração, geradas por expectativas de maior agilidade nos resultados. Nestes aspectos, temos por um lado, o dedo da manipulação da mídia e, de outro, setores das classes médias esclarecidas que sintonizaram com candidaturas que afrontaram o pacto de poder que dominou o Ceará nos últimos anos, unindo um leque indigesto e oportunista que uniu as principais forças políticas (PT e PSB), o eterno fisiológico e sorrateiro PMDB e uma base estilhaçada de partidos que florescem nas sombras dos interesses individuais e de grupos específicos e mal acomodados nos grandes partidos.
Apesar de todo arsenal, tem sido impotentes para apagar os rastros reais de realização da administração petista. Dizer que a administração do PT foi inoperante e não realizou políticas sociais e reformas urbanísticas consistentes, é querer engabelar o senso comum da cidade, principalmente das camadas populares, que reconhecem os avanços e também as deficiências. Em certa medida, fracassou a política de comunicação social, deixando impregnar uma imagem maquiada de sua gestão. Os efeitos positivos na avaliação administrativa da cidade começam a serem sentidos com a estratégia de expor as realizações da gestão na propaganda eleitoral. Resta saber se atingirá um patamar de credibilidade confortável para a grande batalha do segundo turno ou se atingirá um ponto de saturação.
Até agora, a força do Lula e a administração de Luizianne embalam a campanha de Elmano Freitas (PT), assim como o apoio de Ciro Gomes e da administração do Cid Gomes sustentam a elevação das intenções de votos do Roberto Cláudio (PSB). Essas estratégias funcionaram bem para que ambos alcançassem os votos necessários para o primeiro turno, mas não é garantia para o enfrentamento da disputa final. Os eleitores vão exigir mais dos próprios candidatos, até mesmo porque terão mais tempo e serão os únicos no ringue. Ainda devem surtir efeitos os apoios estratégicos de figuras públicas, mas poderá atingir um ponto de esgotamento. No caso do PT, há expectativa que a presidenta Dilma faça um apoio mais explícito ao candidato Elmano, influenciando de forma decisiva o pleito, motivada pelo fato de Fortaleza ser uma das principais capitais a serem disputados pelo partido. De toda forma, no segundo turno sempre tem peso diferencial as qualidades pessoais, as inovações e prioridades nas propostas e no modo do agir político e de como conduzir a gestão. Não é só um detalhe, mas compõe uma essência que pode definir a escolha do futuro Prefeito de Fortaleza. A concorrência será acirrada e a busca é pelo eleitor mais crítico, que escolheu outros candidatos no primeiro turno. O PSB já começa a ensaiar esse novo tom, buscando dar foco maior no candidato. E as farpas e as críticas ácidas já começam a salivar na boca dos Ferreira Gomes. O clima do segundo turno promete ser turvo e cheio de raios e trovoadas.
A candidatura do PSB tem trabalhado o mantra que falta ideias e vontade de realizar mais. E ancora sua ascensão na popularidade do governador Cid Gomes e do político Ciro Gomes. Em termos de argumentação, aponta alguns gargalos da administração como a questão da saúde e da educação, que na verdade são problemas estruturais da política nacional. A crise da saúde pública tem seu epicentro no baixo financiamento frente à crescente demanda social por atendimento médico-hospitalar. Apesar das dificuldades agravadas com o fim da CPMF, imposto social justo por incidir o seu maior bolo nas camadas sociais mais ricas, o Sistema Único de Saúde tem realizado muitos avanços na assistência, recuperação e promoção da saúde. Daí a questão da saúde pública ser um problema controverso em todas as campanhas municipais do país, independente da coloração partidária e ideológica. Não é um caso isolado, mas sistêmico e de insuficiência de recursos sustentáveis e necessários. A solução só será sanada com o incremento real do investimento, pois universalizamos o direito à saúde e somos um país, dentre os em desenvolvimento, que menos gasta por habitante em saúde. A educação pública também padece de não ser uma prioridade nacional, mas incontestáveis são os avanços significativos realizados e a comunidade começa a sentir os seus efeitos, mesmo que numa velocidade muito aquém do necessário e bem distante do ideal.
Assim como o PT tem obstáculos em alguns segmentos sociais, o PSB dos Ferreira Gomes sofrem uma certa rejeição do eleitor de Fortaleza. O estilo de governar e o destempero verbal não agradam, pois parecem emitir a soberba do poder. Os servidores públicos guardam receio da forma pouco hábil nas negociações e da ausência de valorização das carreiras profissionais, bem como a condução de megaprojetos de intervenção na cidade, tocados ou formulados, sem real diálogo democrático com a cidade, como é o caso do controverso aquário na Praia de Iracema e da tentativa frustrada de instalação do estaleiro na praia do Titanzinho.
Entendo que a questão principal que está em jogo no processo eleitoral é a questão do domínio político e as suas consequências práticas. O alarido em torno da questão da gestão tem sua importância por mexer com o cotidiano das pessoas. Hoje, o conteúdo deste debate é definido pelo marketing e embasado em pesquisas qualitativas. A política eleitoral foi terceirizada e os candidatos atendem ao comando da tecnicidade. Daí não ser estranho para o olhar atento que os candidatos transpareçam trejeitos de artificialismo, doses robotizadas na postura e entonações ensaiadas na voz. Os candidatos têm um pouco da embalagem mercadológica. A única diferença é que não existe o direito do consumidor para propagandas enganosas, como os efetivos produtos de mercado, que não garantida a satisfação se troca a mercadoria. O prazo de validade no mercado da política, na certeza ou no engano, é de quatro anos. Daí que o ato de votar implica muita reflexão e consciência, tendo que se ir além do fantástico mundo da propaganda política.
É visível que o nosso modelo de urbanização está falido. As cidades não suportam o volume de carros que adentram em suas vias; a especulação imobiliária tem reduzido áreas verdes e verticalizado as moradias, adensando o modo de viver e retirando os ingredientes de qualidade de vida. O saneamento básico é precário e os nossos rios e lagoas ainda são depósitos de lixo humano e empresarial. A Prefeitura tem feito ações pontuais nas lagoas da cidade e tentado minorar o descalabro da ausência de esgotamento sanitário e coibir as ligações clandestinas de esgoto em nossas redes fluviais. Hoje, em alguns lugares se discute que essa função do saneamento básico seja municipalizada, não mais papel do estado.
Existem medidas paliativas, mas não há enfrentamento concreto e propostas mais radicais para enfrentar a desordem urbana e a sua cavalgada para o caos. É insano querer solucionar o problema do trânsito, por exemplo, sem enfrentar as questões centrais. As ruas e os espaços urbanos não podem ser privilégios para os carros. E quem quer tratar com seriedade e coragem a questão deve priorizar uma política de transporte coletivo e sistema alternativo de ciclovias, que satisfaça as necessidades da população, dando-lhe uma real alternativa de mobilidade racional e taxando a circulação de veículos individuais em áreas específicas. A violência é também outro aspecto inconveniente do cotidiano, uma epidemia que devasta a cidade como as drogas, que tem seu fundo nas profundas desigualdades sociais. A superação desses problemas depende de um conjunto articulado de políticas públicas, mas a função do controle e repressão da violência cabe ao aparelho policial militar e civil do estado. Chega a ser desolador as propostas que querem converter a guarda municipal em um braço armado da polícia militar. O papel do município nessa área é essencialmente preventivo e de promoção da cidadania para desarticular focos de produção da violência.
Infelizmente, as pesquisas qualitativas só buscam satisfazer o prisma individualista dos dilemas urbanos. Ninguém, por exemplo, quer perder o cada vez mais questionável conforto do deslocamento do carro individual, mas soluções egoísticas buscam satisfazer desejos pessoais, sem ponderações com a dimensão coletiva dos problemas. É preciso vencer essa irracionalidade. Ainda não conseguíamos qualificar diretrizes urbanísticas que dialoguem com a cidade e seus problemas. As políticas urbanas tem sido uma tragédia em quase todo o Brasil. Daí ser um tormento viver nas grandes cidades e metrópoles. E os debates eleitorais e as plataformas dos programas partidários têm sido débeis, resultando mais em efeitos de perfumaria do que em conteúdos práticos e de transformação de itinerário.
Do ponto de vista administrativo, padecemos de um debate ralo e inconsistente para o enfrentamento do caos urbano e dependemos dos investimentos do Governo Federal para a infraestrutura e o planejamento urbano, que tem que ser readequado dentro da lógica para reconstrução de novo tipo de cidade. E se algum proveito teve de concreto os debates eleitorais é que a cidade de Fortaleza deve se apropriar de um instrumento de gestão que pense estrategicamente a cidade e realize um novo planejamento para o século XXI. E isso, aparentemente, foi incorporado por todos os candidatos. Resta saber como será implantado e em que dimensão atuará. E fundamental: definir a escala de prioridades com que serão acolhidos os problemas. A questão do saneamento básico e tratamento adequado do esgotamento sanitário e industrial tem povoado a cabeça dos gestores e pensadores do espaço urbano da cidade de Fortaleza desde o século XIX. Avanços tiveram, seguidas de paralisia na execução e atualização do planejamento. É bom que os candidatos pelo menos leiam o livro Fortaleza Belle Époque – Reforma Urbana e Controle Social (1860-1930), do historiador Sebastião Rogério Ponte, que traça, com rara competência, todo percurso de como foi pensada a gênese da cidade, quando ela deixou de ser planejada e quais os ideais que moviam esses personagens que fizeram o melhor ordenamento paisagístico que nossa terra experimentou, unindo a beleza estética à questão da higiene ambiental e saúde pública.
Dessa forma, mesmo salientando a questão da gestão, penso que a variável da natureza política, nas atuais circunstâncias, se constitui como elemento fundamental, pois definirá a arquitetura onde se moverão os atores principais da cena política no Ceará, que conduzirão as interfaces políticas no cenário nacional. Daí que o confronto final do PT com o PSB significará uma alteração de rumo na política do Ceará. E o acirramento da disputa inviabilizará as chances de eventuais rearranjos locais entre o PT e o PSB, que ocorreria se o desenho do segundo turno não fosse o de conflito direto. A política nacional se move por outros meandros e pactuações, numa matemática futura que definirá a manutenção ou não da base de apoio ao governo federal na sucessão de 2014. Mas antes mesmo de encerrado o primeiro turno, já se especula de eventual candidatura alternativa à Presidência do governador Eduardo Campos (PSB-PE). É claro que a expansão de poder do PSB nas capitais e municípios simboliza uma nova força ascendente na sucessão de 2014. Seja para uma candidatura própria ou no fortalecimento do seu papel no jogo de articulação das alianças políticas.
No entanto, os impactos dos resultados das urnas no Ceará será sentido de forma mais imediata. Caso o PSB conquiste a Prefeitura de Fortaleza, isso representará a definitiva hegemonia dos Ferreira Gomes. O acúmulo do poder do Estado e da Capital representa uma força política extraordinária, pois essas máquinas administrativas atuando em sintonia exercem um poder de atração e submissão que podem trucidar e calar qualquer célula política que queira se rebelar ou fazer oposição. O risco que corremos é o da capitulação e adesismo de muitos quadros políticos que se renderão a nova ordem para sobreviver politicamente. Não seduzidos por um projeto político, mas rumo à salvação pessoal e as conveniências do convívio com o poder. O PT pode sofrer os mesmos danos que o PSDB, vendo migrarem parte dos seus quadros para partidos da situação ou se sujeitando como força aliada subserviente a nova primazia política. A nossa democracia, representativa e partidária, é frágil. Requer equilíbrio entre forças que divergem nas ideias e nos projetos, assentadas em espaços concorrentes de poder. As forças exiladas totalmente das máquinas administrativas tendem a minguar e desaparecer, pois os ciclos históricos são de longa duração para reversão de hegemonias recém-consolidadas. Enquanto não ocorrer uma Reforma Política profunda no país, a tendência é que alguns tipos de ciclos de domínios políticos se alonguem.
A eleição do PT tende a manter um equilíbrio de forças no Ceará, pois o governo do estado permanece nas mãos do PSB. E novos pactos partidários surgirão, diante da ruptura com o PSB, que deve se acentuar no calor da disputa eleitoral do segundo turno. É importante o resgate de personagens como Lúcio Alcântara para a cena política, bem como mudanças e qualificação nos quadros da atual gestão municipal. A continuidade do projeto político do PT não pode significar a permanência das mesmas estratégias de gestão, pois os horizontes políticos também serão outros. Os princípios precisam ser consolidados, nunca os mesmos modos de agir e as mesmas mãos a gerir. Fato ainda não de todo esclarecido, mas fundamental para se visualizar essa nova etapa política e o desfecho eleitoral do segundo turno. Há sinalizações que já vivemos as transformações e se desenham novos arranjos nos blocos políticos que disputão os espaços de poder futuros.
Ainda patinamos no incerto e na imaginação de como se acomodará as demais forças políticas diante da polarização PT X PSB. É bom que se discuta os efeitos no território político dos resultados finais das urnas. Pois a realidade eleitoral não se completa só na linguagem administrativa; há a linguagem do poder, que não se pode ocultar ou desconhecer.
Entendo que a democracia só é boa quando existe oposição. Acredito que os gestores tendem a desempenhar com maior capricho e seriedade suas funções quando fiscalizados e acompanhados pelo olhar crítico. Os eleitores devem ser sábios quando escolhem os seus representantes, tanto prefeito como vereadores. Temo os políticos que são incapazes de fazer autocrítica e desconfio dos que perdem a cabeça diante da voz da oposição.
É verdade, toda unanimidade é burra, como dizia o anjo pornográfico Nelson Rodrigues. E ao eleitor cabe olhar pelo buraco da fechadura antes de votar. E por lá que se observam as nuances, se revelam os segredos e as verdades escondidas ganham as dimensões verdadeiras. Esses devem ser os alimentos do voto consciente, pois foi por esse orifício que o mundo foi desvendado e a alma brasileira despida em forma da prosa rodriguiana.
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