segunda-feira, 18 de agosto de 2008

QUE O BRASIL SIGA O EXEMPLO DA MINISTRA DA ESPANHA

NA MEDIDA

O ministro da Justiça, Tarso Genro, repetiu uma lição que se colhe da concepção positivista do Direito Natural e dos tratados e convenções internacionais: torturas e assassinatos não são crimes políticos.
À fala de Genro faltou acrescentar que o direito à verdade não pode ser escondido pelos Estados. Nem blindado o acesso à informação, a favorecer, por exemplo, tiranos, agentes assassinos de serviços secretos, quer da KGB, quer da CIA, quer do SNI, quer da “A Entidade”, nome do serviço secreto do Vaticano.
O pronunciamento do ministro Genro provocou irada reação dos militares. Eles invocaram a Lei de Anistia, de 1979, que imaginam garantir a impunidade e ser apta a passar uma borracha nos crimes que, consumados durante a ditadura militar, atentaram contra o imprescritível Direito Natural do ser humano: vida, honra, liberdade, integridade física e moral.
Essa legislação sobre anistia acabou complementada pela chamada Lei dos Arquivos (1991), cujos posteriores decretos e diretivas presidenciais, de Fernando Henrique a Lula, serviram para dificultar a identificação de fautores, mandantes e mandatários, de torturas, assassinatos e desaparecimentos. Enquanto Lula impunha silêncio obsequioso a Genro e ao secretário Especial dos Direitos Humanos com relação à questão da Lei de Anistia, o governo do premier José Luis Zapatero apoiava a iniciativa da ministra espanhola da Defesa, Carme Chacón.
Nesta semana, Carme Chacón resolveu abrir os arquivos da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), que produziu 1 milhão de vítimas. Também serão abertos os da ditadura do general Francisco Franco. Esses arquivos estão guardados nos porões do próprio Ministério da Defesa. No Brasil, os principais arquivos do período da ditadura militar continuam sob a guarda das Forças Armadas. Quanto aos arquivos sigilosos, importante é recordar o jogo de cena, materializado no Decreto nº 5.584, de 2005. Pelo referido decreto, Lula determinou a transferência para o Arquivo Nacional de documentos dos extintos Conselho de Segurança Nacional (CSN), Serviço Nacional de Informações (SNI) e Comissão Geral de Investigações (CGI).
O decreto nada determinou quanto aos que estão na posse das Forças Armadas. Pela Lei Brasileira dos Arquivos, documentos que dizem respeito à segurança da sociedade e do Estado, ainda que tenha ocorrido terrorismo de Estado, permanecem sigilosos pelo prazo de 30 anos, com possibilidade de prorrogação por igual período de tempo. E a ministra Dilma Rousseff declarou que os “documentos classificados como ultra-secretos não serão liberados”. Num pano rápido, o Direito Natural, ínsito ao ser humano, não pode ser revogado por leis de anistia e similares. A anistia só deve ser cogitada pós-condenação, por razões humanitárias: doença, senilidade etc.
Na semana passada, enquanto o ministro Nelson Jobim opunha-se a Genro de modo a ecoar o pensamento do Palácio do Planalto e dos militares, a França assistia ao fim da informal “Anistia Mitterrand”. O então presidente socialista permitiu, sem lei ou decreto, abrigar no país participantes de grupos terroristas da Itália, com o compromisso de declaração de renúncia à luta armada. Para a Justiça francesa, e conforme entende o nosso ministro Genro, torturadores e assassinos não cometem crimes políticos.
Nessa linha, a Justiça francesa deferiu, em julho, a extradição da terrorista Marina Petrella, membro das Brigadas Vermelhas, refugiada na França desde 1993. Marina, que está internada em hospital parisiense em razão de greve de fome, é co-autora no seqüestro e assassinato do ex-premier italiano Aldo Moro. Também foi partícipe no homicídio doloso de um agente de polícia. Ela nunca negou o cometimento dos crimes nem externou arrependimento. No momento, a Corte de Justiça de Versalhes autorizou a manutenção da sua internação hospitalar, sem escolta. Para o extraditando Cesare Battisti, havia concedido a prisão domiciliar e ele fugiu para Copacabana, no Rio de Janeiro.
O ministro Genro, se for minimamente coerente, vai se opor ao pedido de asilo feito por Battisti. Ele não era das Brigadas Vermelhas, mas de uma organização incipiente chamada Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Por vingança, Battisti é co-autor no assassinato de um joalheiro de periferia, de um açougueiro de bairro pobre e de um carcereiro. Nenhuma das vítimas mantinha atividade político-partidária. Quanto a Battisti, o nosso STF receberá na próxima semana, para juntada nos autos de extradição, uma carta do ex-presidente italiano Francesco Cossiga. Ele e o ex-premier Giulio Andreotti, durante os 55 dias de cativeiro de Moro, negaram-se a negociar a libertação com os brigadistas. Cossiga, por força da idade avançada, quer melhorar a sua biografia tingida pelo sangue de Aldo Moro. Na carta, afirma que Battisti cometeu crime político.

Nenhum comentário: