quinta-feira, 14 de agosto de 2008

TRÊS ANOS SEM MIGUEL ARRAES


Publicada em:13/08/2008

MIGUEL ARRAES, TRÊS ANOS DEPOIS

Recife (PE) - Agora, nesse 13 de agosto, faz três anos que Miguel Arraes faleceu. Lembro que a notícia da sua morte, ainda que esperada, porque veio ao fim de uma agonia de dois meses em hospital, não recebeu um obituário digno, do gênero que os jornais costumam dedicar aos ilustres de uma nação.
Noticiaram-lhe o falecimento, quase a contragosto, poderia ser dito. E porque tinham que noticiar a morte de um líder amado pelo povo, fizeram-no aos cortes, aos lapsos, da sua melhor e mais heróica fase, quando governou Pernambuco pela primeira vez.
Do seu primeiro governo, diziam apenas que fora cortado pela “revolução de 1964”. Lembro que ao saber da sua última notícia escrevi no mesmo dia para La Insígnia um texto sob o título “Arraes, urgente”. Nele eu destacava, sob impacto: “os obituários que sempre esvoaçam e rondam a agonia dos grandes homens desta vez falharam no alcance e na sua mira. Abutres, de bom faro e argúcia, desta vez os obituários erraram o cadáver do brasileiro que se vai. E não exatamente por falta de tempo e de informações”.
Isso porque os obituários que tínhamos diante dos olhos haviam sido redigidos como se Arraes houvesse passado por nós como uma sombra do golpe de 1964, como um sobrevivente que resistisse a nos lembrar aquela infâmia, com uma insistência cujo desagrado era inevitável.
A Folha Online rascunhava que “em seu primeiro mandato como governador, foi deposto pela ditadura militar. Exilou-se na Argélia, em 1965, e só retornou ao Brasil 14 anos depois, beneficiado pela Lei da Anistia. Já foi eleito três vezes deputado federal”, relacionando dramas históricos como se fossem a ocorrência de chuvas, sol e gripes passageiras. Como fatalidades fúteis. O Globo On Line informava que desaparecera “o último representante da velha esquerda”. O JC Online reunia palavras do tipo “Quando a ditadura militar foi instalada, o governador foi deposto e permaneceu quase um ano preso na ilha de Fernando de Noronha. Depois de conseguir um habeas corpus, o político embarcou para a Argélia, onde viveu 14 anos no exílio....”.
Nada, em suma, que alcançasse o homem que estivera sob os olhos e olfato de todos a padecer durante 58 dias no hospital. Nada à altura dos 88 anos que partiam como um fio de luz naquele sábado de agosto. E nem precisariam compor uma hagiografia, um perfil de um santo, que é o mais convencional e falso perfil que se faz de alguém que morre. Bastava-lhe o respeito à história, sem filtro.
Então eu perguntava por que tamanho descaso contra um político mau orador, incapaz do discurso de arrepiar as massas, que falava baixo e ruim e com dicção difícil? E vinha a resposta: – Porque o povo o amava. Porque o povo o idolatrava. Porque o povo se rasgava por ele. O povo entrava em febre por ele. O povo entregaria a própria vida por ele. Mas tal amor era “apenas” manifestação testemunhal por atos concretos do que fora o primeiro governo Arraes. Porque havia sido com ele que surgira o revolucionário, o pioneiro e odiado “Acordo do Campo”: trabalhadores da cana-de-açúcar passaram a ter os mesmos direitos que os trabalhadores urbanos de Pernambuco: salário, décimo-terceiro, carteira assinada ... deixavam de ser escravos, apenas. Daí o fanatismo dos atrasados.
O artigo terminava com um “mais Miguel Arraes, urgente”. Hoje, três anos depois, sinto que a frase não precisa ser reescrita.
Comentários.
Tai um homem em quem votei três vezes e poderia ter votado mais, se a morte não o tivesse levado.
Dorme com os anjos, Dr. Arraia(era assim que o chamava o povão).

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