domingo, 11 de janeiro de 2009

EM DEFESA DO CRESCIMENTO



Ricardo Grinbaum e Leandro Modé

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, tem um plano para financiar as obras de infraestrutura e exploração de petróleo no Brasil, em tempos de seca no mercado financeiro internacional. Com a bênção e a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Coutinho pretende visitar os países com dinheiro em caixa, especialmente na Ásia e no Oriente Médio, para buscar investimentos para o Brasil. O BNDES vai criar fundos para atrair esses recursos e investi-los em obras no País, acenando com retornos altos para os investidores internacionais. Essa é a resposta de Coutinho para aqueles que dizem que o Brasil não pode crescer muito em 2009 porque corre o risco de não ter como se financiar. "Há, de fato, um desafio de financiamento externo", disse Coutinho. "Mas tenho muita tranquilidade quanto à capacidade de o Brasil obter capitais."Acusado pelos liberais de ser um dinossauro por suas ideias keynesianas, Coutinho ri do fato de que até o analista inglês Martin Wolf, do Financial Times, conhecido pela sua aversão ao intervencionismo estatal, agora "só lê os economistas heterodoxos". Coutinho recebeu a reportagem do Estado na manhã de sexta-feira, na luxuosa sede do BNDES, em São Paulo. A seguir, trechos da entrevista:

Muitos críticos do governo dizem que é um risco acelerar o crescimento porque poderia haver um aumento explosivo das importações e uma dificuldade de financiar o déficit externo. O que o sr. acha disso?

Dizem que a balança comercial vai ter dificuldade, que a exportação vai cair, que não dá para financiar isso, que o País vai torrar reservas, que o câmbio vai para perto de R$ 3 e que tudo isso vai fragilizar o País... Eu digo o seguinte: há, de fato, um desafio de financiamento externo. Mas tenho muita tranquilidade quanto à capacidade de o Brasil obter capitais mais que suficientes para financiar o déficit em conta corrente de 2009 e o déficit que pode ser projetado para 2010. Porque hoje o Brasil se diferencia como uma das poucas economias com uma alta taxa de retorno, com oportunidades amplas para investidores estrangeiros. Temos duas avenidas importantes para a atração de capitais. Uma é o investimento estrangeiro e a outra é a estruturação de fundos de investimentos em infraestrutura e petróleo e gás. É uma determinação do presidente da República atrair capitais e mostrar ao mundo o potencial da economia brasileira.

Se um marciano desembarcasse na Terra, veria o mundo todo em crise, mas veria uma economia, chamada Brasil, com taxas de retorno sólidas e imbatíveis em infraestrutura. O peso relativo do Brasil na atração de capitais é muito pequeno, pode ser ampliado. Segundo: o mundo passa por um período muito forte de escassez de crédito, mas não há escassez de capitais na mesma proporção. Há uma redução tão generalizada de taxas de juro no mundo inteiro que o yield (taxa de retorno) da renda fixa tende a ser muito deprimido, especialmente nos papéis públicos. Isso cria uma necessidade que fundos de pensão, fundos de investimentos, seguradoras e outros investidores institucionais busquem segurança e rentabilidade. E poucas economias podem oferecer isso mais que o Brasil.

Como os srs. pretendem atrair esses investimentos?

Está sendo preparada uma espécie de road show (viagem para visita a investidores) do Brasil, a ser apresentado ao longo do ano. Ainda será anunciado, mas o próprio presidente Lula está engajado. Vamos não só mostrar aos investidores internacionais as oportunidades de investimentos e projetos, como vamos montar ?fundos-Brasil? de investimentos com o setor privado e o mercado de capitais. O BNDES estará preparado para auxiliar o setor privado. Nosso interesse é mobilizar o mercado de capitais brasileiro para oferecer ao mercado internacional fundos-Brasil. E fundos-Brasil em infraestrutura e em petróleo e gás terão um retorno de alta qualidade. Se alguém quer uma fuga para a qualidade com segurança e solidez, o Brasil oferece isso como nenhum lugar do planeta.

O que os srs. vão oferecer aos investidores?

A taxa de retorno desses projetos supera tranquilamente 13% ao ano. Temos de bater na porta dos grandes bolsões de poupança. Fundos soberanos (países com grandes reservas), países da Ásia, países petroleiros, ou seja, onde existir um imenso manancial de poupança. Isso é uma avenida aberta que precisa ser explorada. Vejo com absoluta tranquilidade a capacidade de financiarmos um déficit de conta corrente de US$ 30 bilhões em 2009, por meio da atração de capitais em diversas modalidades. E tem mais. Nessa semana, o Tesouro Nacional foi a mercado e obteve recursos a uma taxa bastante favorável. Essa janela de oportunidades estará aberta ao Brasil e há espaço para o governo brasileiro tomar recursos nos próximos meses.

Qual o potencial de atração de investimentos? Os US$ 30 bilhões a que o sr. se referiu?

Ah, pode atrair muito mais! Não tem uma meta. Estou dizendo que não é para imaginar que vamos ter um buraco externo e queimar reservas. A reserva é uma garantia de liquidez, importante para permitir que o câmbio reduza sua volatilidade e para aliviar pressões.

O quanto os srs. esperam captar nesses novos fundos voltados para investidores estrangeiros?

Os ingressos de capitais em geral devem ser diversificados. Os investimentos diretos (em produção) oscilavam entre US$ 30 bilhões a US$ 35 bilhões ao ano. No ano passado pode ter chegado a US$ 40 bilhões. Suponha que, por causa da crise, caia para US$ 20 bilhões em 2009. Os outros US$ 10 bilhões a gente financia. Podemos obter até mais do que imaginamos.

O BNDES anunciou uma política industrial no meio do ano passado e logo depois veio a crise. Qual o papel do banco agora?

O papel do BNDES foi ampliado e está sobrecarregado. Primeiro, porque o mercado de capitais e de crédito foram afetados pela crise. Esse fato tende a ser duradouro. Possivelmente, até 2010, a oferta de capitais e de crédito será menor do que o necessário para uma economia que tem as possibilidades que o Brasil tem. Nosso primeiro desafio é segurar o impulso de investimentos em infraestrutura. Cumpre ao BNDES suportar o deslanche dos últimos anos até que os mercados possam voltar e nos aliviar dessa carga. Além desses pacotes de infraestrutura - energia, rodovias, outros sistemas logísticos -, temos investimentos muito importantes no sistema Petrobrás. Apesar da dificuldade nos próximos dois anos, é indispensável que a capacidade competitiva do Brasil seja estimulada porque vamos depender no futuro de conseguir exportar e aumentar a participação de mercado de bens manufaturados e em serviços, para que não dependamos apenas de nossas commodities competitivas. Uma terceira e uma quarta missão relevantes são um forte estímulo à inovação tecnológica, da qual o País carece há tempos, e um reforço ao desenvolvimento socioambiental.

O sr. já disse que boa parte do crescimento do País pode ser garantido pela infraestrutura. Quanto dinheiro o BNDES terá disponível para esses projetos?

Aí há uma certa confusão. Os investimentos de infraestrutura em grande medida são impulsionados pelo BNDES. O banco tem 190 projetos do PAC e dezenas de outros também de infraestrutura. Os projetos que são movidos pelo setor privado ou em parceria com o setor privado vão muito bem. Quando se olha os projetos que fazem parte do Orçamento Geral da União, você vê um número relativamente pequeno com dificuldades. Mas esses números não são muito importantes. Na verdade, os investimentos em infraestrutura (privados) são muito relevantes. Temos uma carteira e investimentos nos próximos 4 anos, mapeados, de cerca de R$ 320 bilhões, sem incluir petróleo e gás.

O quanto o BNDES financia desses projetos?

No passado, era um quarto desse total. Já chegou a um terço (de janeiro a novembro do ano passado, o BNDES financiou o equivalente a R$ 31,3 bilhões em infraestrutura) e agora está caminhando para ficar entre 40% e 50%. Por uma questão conjuntural.

Não vai faltar dinheiro para infraestrutura?

Não. Também não vai faltar dinheiro para o BNDES. O ministro da Fazenda está orientado a assegurar os recursos para o BNDES. O BNDES desembolsou em 2008 a cifra recorde de R$ 91,5 bilhões, representando um crescimento de 41% em relação a 2007. E houve uma aceleração nos últimos 4 meses do ano. Com a crise, pisamos no acelerador.

E 2009?

Vamos deixar a carruagem andar, mas esperamos mais crescimento - R$ 110 bilhões pode ser um número perfeitamente factível para 2009.

Já existe recursos para isso?

Dentro de muito pouco tempo teremos 100% do funding assegurado para 2009.

Esse dinheiro vem de onde?

Não posso antecipar.

Vem de fundo soberano?

Não posso antecipar. É uma decisão do ministro da Fazenda. Parte virá de esforços do BNDES, do aumento da captação externa, uma participação do Banco Mundial e outras agências. O resto, não posso informar. Em breve, vocês saberão.

O sr. já disse que as obras de infraestrutura, petróleo e gás vão garantir pelo menos 3% de crescimento em 2009. Como isso será possível?

A robustez dos investimentos é muito alta e eles estão praticamente incólumes. Já outro bloco de investimentos, que será inevitavelmente afetado negativamente pela crise, é o privado. Grandes setores exportadores de commodities, como siderurgia, mineração e o agronegócio, devem reduzir seus investimentos. Eles vão ser afetados pela situação internacional. Trabalho com a expectativa de uma crise séria nos EUA em 2009 e um pedaço de 2010. A economia japonesa vai ter crescimento negativo e a Europa vai ficar estagnada. A China era um jumbo que vinha descendo e com a crise, caiu e vai ter de arremeter. Isso tudo vai afetar nossos exportadores. Há, ainda, um terceiro bloco de investimentos, que são os dos setores que têm um pé lá fora, mas tem como alvo principal o mercado interno. Para esses setores teremos um tremendo desafio: demonstrar que nossas reações à crise e as obras de infraestrutura permitirão que se retome o crescimento à frente. A cadeia automobilística e a de construção residencial são dois exemplos que se enquadram nessa situação. Teremos um período de transição desafiador. É preciso evitar efeitos exagerados e desorganizadores do emprego. Se o setor privado, o financeiro e o governo se entenderem de maneira harmônica, será possível minimizar os impactos sobre o emprego, defender a demanda doméstica e depois sustentar um novo processo de crescimento.

As empresas estão demitindo, propondo suspensão de contratos. O que o governo pode fazer para garantir o emprego?

Primeiro o governo demonstrará a sustentação dos investimentos em infraestrutura, que o agronegócio tem potencial de sustentar emprego e renda e as cadeias automobilísticas e de construção têm expectativa de retomada de crescimento. Isso tudo recomenda ao setor privado cautela no ajuste de transição, para que não se precipite e faça excessos. Há conversações em andamento de como minimizar esses efeitos, não é minha área, mas vejo que se deveria fazer um esforço entre o setor privado e o sindical de maneira a se buscar a preservação do emprego.

Quanto dinheiro o BNDES vai ter para o petróleo? O BNDES vai bancar o pré-sal?

Vai bancar os investimentos da Petrobrás em 2009 e 2010 até que possa restabelecer seu acesso aos mercados internacionais. Isso deve ocorrer logo, mas o BNDES estará a postos para ajudar.

Eles falam em um plano de investimentos de pelo menos US$ 40 bilhões.

A Petrobrás tem geração própria de caixa e acesso a várias fontes. Não posso dizer de quanto é nossa participação. Vamos contribuir de maneira relevante.
Estadão.

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