Nirlando Beirão
Judith Martin, aliás Miss Manners, está para os Estados Unidos assim como Gloria Kalil está para o Brasil. Ela pontifica em mais de 250 jornais e na internet (MSN.com) como inflexível árbitro de um padrão social que tenta preservar noções elementares – e às vezes esquecidas – de elegância, tais como esperar que as pessoas deixem o elevador antes de se projetar nele, cumprimentar o porteiro do prédio e não jogar latinhas pela janela do automóvel.
Dessa idéia de etiqueta pode emanar um aroma de coisa velha, de ranzinzice azinhavrada, mas Miss Manners, de 69 anos, é uma criatura de nosso tempo, dona de humor galopante e de uma ironia bem contemporânea. A propósito do lançamento do livro No Vulgar Hotel: The Desire and Pursuit of Venice, o Financial Times foi saber dela o que esses novos tempos de estresse econômico podem trazer aos ex-prósperos. Miss Manners acabara de chegar a Londres. A gente sabe o que aviões e aeroportos significam hoje em dia em termos de comportamento coletivo. Ainda assim, Miss Manners está otimista. Diz ela:
1. A arrogância, praga social, tende a diminuir, com essa derrocada dos super-ricos. Estão experimentando na pele a lição de que devem tratar bem aqueles a quem julgam inferiores. De uma hora para outra as posições se invertem.
2. Bons modos são um recurso operacional para a vida em sociedade. Mesmo nas situações rudes. De que adianta ser grosseiro em face do funcionário grosseiro de uma companhia aérea? Não resolve o problema e só duplica a grosseria do mundo.
3. É reconfortante saber que, com a crise econômica, a gente vai receber menos daqueles convites para coquetéis, jantares e eventos que disfarçam o business por trás de um glacê social. A situação tinha chegado ao ponto insuportável de ninguém mais ter vida privada.
4. As pessoas terão maior pudor na exibição pública de joias, roupas, acessórios, relógios e carrões. O que não implica o fim do exibicionismo, mas o início de um neonarcisismo em que o corpo passa a ser a grife. Plásticas, ginástica, creminhos, bronzeamento artificial – taí um negócio que sobreviverá às intempéries. Afinal, para os neopobres do mercado, o corpinho sarado é em alguns casos o único bem que sobrou.
5. O último bastião da vulgaridade é o celular e a mania de ligar para alguém, já dentro do avião: “Estou dentro do avião”. Tal patetice não há crise que cure.
Nirlando é colunista de CartaCapital.
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