sábado, 10 de janeiro de 2009

RISCOS E MENTIRAS



Gianni Carta

As imagens de três crianças mortas em um hospital na Faixa de Gaza, vítimas de ferozes ataques israelenses contra uma escola transformada em campo de refugiados da ONU, chocam o mundo. Ainda nesta semana, em outra escola abrigando refugiados palestinos, 40 civis perderam a vida.

Quem é a vítima neste mais recente confronto iniciado em 27 de dezembro entre Israel, potência militar armada até os dentes por americanos e europeus, e um território com extensões inferiores ao município de Campinas, onde 1,5 milhão de pessoas estão carentes de água, eletricidade, gás e comida?

Avi Shlaim, professor de ciências políticas da Universidade de Oxford, fornece dados concretos suficientes para revelar o Golias e o Davi da história: nos últimos três anos, após a retirada de Gaza de colônias israelenses pelo ex-premier Ariel Sharon, onze israelenses foram mortos por foguetes palestinos Qassam – e 1.290 palestinos, incluindo 222 crianças, foram vítimas do Exército israelense, o Tsahal.

Claro, o Hamas, legenda palestina considerada terrorista por governos ocidentais, vitorioso em democrático pleito legislativo em janeiro de 2006, representa uma ameaça a Israel. Militantes do Hamas lançaram foguetes caseiros em cidades na fronteira com Gaza, até o momento em que o Egito mediou um cessar-fogo de seis meses, em junho.

Israel deve se defender. Contudo, quais foram, neste último conflito, os reais motivos da maciça (e desnecessária) intervenção israelense contra Gaza? O governo de Israel alega ter atacado as escolas ocupadas por refugiados porque o Hamas as estava utilizando para atacar o Tsahal; por tabela, os sunitas do Hamas, ainda segundo o governo israelense, teriam rompido o cessar-fogo mediado pelos egípcios. Eis uma mentira.

Israel rompeu o cessar-fogo em 4 de novembro. Um bombardeio de seu Exército matou seis palestinos, em Gaza. Treze dias mais tarde, outro bombardeio matou mais quatro palestinos. O timing dos ataques contra Gaza tem explicação: acontecem a menos de um mês das eleições legislativas. Os candidatos do governo querem se mostrar fortes contra a oposição do ex-premier Binyamin Netanyahu, da legenda de direita Likud. Ou seja, o falcão Netanyahu volta à ribalta nestes dias em que o Irã, país interessado no extermínio de Israel, ganha força, e George W. Bush, aliado de Israel na sua “guerra contra o terror” no Oriente Médio, será substituído por uma incógnita, Barack Obama.

Nesse contexto, o israelense Ehud Barak, ministro da Defesa, integrante do Partido Trabalhista, quer mostrar as suas qualidades de falcão contra o Hamas. Por sua vez, a ministra do Exterior, Tzipi Livni, da legenda centrista Kadima, fundada pelo mítico Ariel Sharon (hoje em estado de coma), defende um compromisso territorial.

Já Ehud Olmert, o premier demissionário por estar atolado em um mar de falcatruas, quer, assim como o Exército israelense, derrotado pelo Hezbollah em 2006 na guerra contra o Líbano, sair do governo com alguma dignidade. Para Olmert, uma vitória militar em Gaza seria a luz no fim do túnel, pelo menos nos livros israelenses de história.

Enquanto isso, o Ocidente mobiliza-se para solucionar a crise no Oriente Médio. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, é destaque nesta empreitada. Ele costura uma trégua entre Israel e Palestina, via negociações com o Egito e a Síria. O crédito tem de ser dado a Sarkozy. Ao contrário de George W. Bush, em fim de reinado, que permanece em cima do muro, ou seja, favorável a Israel e sem disposição para iniciativas mínimas.

Já Obama diz estar com as mãos atadas, “profundamente preocupado” com a crise no Oriente Médio. O presidente eleito poderá agir a partir de 20 de janeiro, uma vez empossado no cargo de presidente dos EUA. Mas até que ponto Obama poderá exercer a sua influência na região?

Por ora, Sarkozy está com as rédeas nas mãos: teme ofensivas terroristas na França, como os atentados de Madri, em 2004, e Londres, em 2005. A Europa tem de se distanciar da ofensiva israelense contra Gaza simplesmente porque ela não renderá frutos militares nem éticos. Por outro lado, uma guerra de Israel contra o Hamas é errônea: foi, afinal, o povo palestino que votou pelo partido. Portanto, dificilmente o Hamas desaparecerá. Outras artérias da organização brotarão.

A guerra no Oriente Médio continua. E a Europa poderá ser a vítima de suas consequências.

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