domingo, 11 de janeiro de 2009

ENTREVISTA COM TARSO GENRO

''Sou maduro demais para ficar magoado''

Agência Estado


Preterido no testamento do Palácio do Planalto para a sucessão de 2010, o ministro da Justiça, Tarso Genro, trabalha agora para se candidatar ao governo do Rio Grande do Sul e jura não guardar mágoa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que escolheu como herdeira, nas fileiras do PT, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Sou maduro demais na política para ficar magoado", afirma Tarso. "O diabo é mais sábio pelo tempo de serviço prestado do que por ser diabo."

A referência bem-humorada ao inferno da Esplanada é uma adaptação do ditado espanhol segundo o qual o diabo é sábio por ser velho. "Sábio dentre os sábios", diz um verso do poeta catarinense Cruz e Sousa (1861-1898), que mostra o diabo criador desencantado, "vencido" pela criatura.

Depois de provocar muita polêmica no PT e no governo ao lembrar que Dilma, ex-pedetista, não tem "vínculo" com o partido nem frequenta as intermináveis reuniões de suas correntes, Tarso intercalou elogios à ministra com advertências sobre o pós-Lula. Mas não recuou. "Dilma vai ter de estreitar muito a sua relação com o PT, se for candidata", constata ele, rebatendo ataques de colegas que torceram o nariz para suas observações. "As pessoas, às vezes, não querem ouvir determinadas realidades políticas que têm de ser ouvidas, para serem superadas e compreendidas."

Na avaliação de Tarso, somente uma reforma política pode acabar com o fisiologismo e o pragmatismo na composição das alianças. Para ele, no entanto, o pacote de mudanças em tramitação no Congresso está sendo discutido por "surtos de interesse". É com esse termo que o ministro define a proposta de terceiro mandato para Lula. "Parece que o surto, agora, é de mandato presidencial. Isso não tem nenhuma hipótese de passar."

Polêmico por natureza, Tarso nega que Lula tenha conversado com ele sobre saída do governo, após os atritos com militares e até com a Advocacia-Geral da União (AGU), por causa da sua defesa veemente de punição para torturadores da ditadura. "Não me arrependo de nenhuma polêmica no ministério", diz. "Não me saí mal nos conflitos em que entrei em 2008".

Nesta entrevista ao Estado, o ministro revela, ainda, que o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Paulo Lacerda - nomeado adido policial em Lisboa - será absolvido no inquérito da Polícia Federal.

É justo o governo criar um cargo de adido policial em Lisboa para abrigar o ex-diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, com salário de US$ 17 mil mensais?

Não foi uma criação feita para deslocar o doutor Lacerda. Temos um programa de criação de adidâncias e ainda precisamos instituir no mínimo mais três, para a articulação do combate à criminalidade, que exige forte presença da Polícia Federal nas embaixadas. Então, a ida do doutor Lacerda para Portugal foi determinada por uma ocasião política.

E foi interpretada como prêmio de consolação para ele. Foi o sr. que fez esse convite?

Fui eu que fiz o convite e fui eu que discuti com o presidente Lula a criação dessas adidâncias. Lacerda não precisa de prêmio de consolação. É um homem que tem um serviço público prestado de alto nível.

Para que serve o adido policial?

Se tu fizesses esta pergunta há 20 anos, eu diria que seria apenas uma representação formal. Mas hoje não há crime de repercussão econômica, social, político-institucional que não seja integrado em rede mundial. Não só os financeiros, como os de tráfico de pessoas, de drogas... É necessária uma colaboração muito forte entre as polícias.

Mas foi provado que o delegado Lacerda pôs a Abin a serviço de Protógenes Queiroz, na Operação Satiagraha, para grampear até mesmo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes?

Não só não foi provado como, pelas informações de que disponho, a conclusão do inquérito da Polícia Federal vai ser negativa sobre qualquer responsabilidade do doutor Lacerda. Essa situação de relacionamento informal entre a Abin e a Polícia Federal é a forma histórica pela qual as duas agências sempre cooperaram. O fato é que esse modelo está vencido.

Então, na prática, a ida dele para Portugal foi uma medida para apaziguar a guerra entre as diversas alas da Polícia Federal e da Abin...

Mas onde está o outro exército se existe essa guerra? Na Polícia Federal não há guerra de alas.

Como não? O próprio delegado Protógenes, que acusou o banqueiro Daniel Dantas, integrou esse exército.

Você acha que a inconformidade de uma pessoa pode ser considerada uma guerra? Absolutamente. O que houve foi uma sucessão de gerações em postos de mando. Em transições como essas é natural que pessoas fiquem descontentes.

Em outra polêmica, o presidente do STF pediu o fim do debate sobre a revisão da Lei de Anistia, alegando que isso pode produzir instabilidade política. Apesar das trombadas com o STF e com a Advocacia-Geral da União, o sr. levará essa discussão adiante?

O que se está discutindo não é a revisão da Lei de Anistia, mas, sim, se a lei atual é aplicável ou não a torturadores. Na minha opinião, não é. O debate sobre os crimes de tortura não vai se encerrar porque não é artificial. Não se pode considerar o diploma da anistia suficiente para não condenar torturadores. Não se trata de visão revanchista nem de olhar para o passado. Essa é uma discussão sobre o presente.

Pelo visto, o sr. está de um lado e o presidente do STF, de outro. Ele diz que terrorismo também é crime imprescritível, não é político.

Mas eu também concordo com essa visão de que terrorismo não é crime político.

Só que, quando o ministro Gilmar fez essa afirmação, ele se referia aos militantes de esquerda que participaram da luta armada, como a ministra Dilma Rousseff...

Não acredito que o ministro tenha feito essa declaração em alusão a Dilma. A concepção de terrorismo não se confunde com atos de resistência contra o arbítrio, mesmo que sejam violentos. Aqui no Brasil a esquerda, que fez resistência armada, não cometeu atos terroristas, embora isso não seja juízo de valor sobre a barbárie feita de parte a parte. A luta armada não foi terrorismo.

Militares dizem que o sr. tem posições ideológicas e revanchistas...

Eu desconheço quais militares dizem isso (risos). Deve ser alguém da reserva que participou de ato extremo da ditadura. As Forças Armadas têm dado exemplos de sobriedade, responsabilidade constitucional e isenção política.

Tantas polêmicas provocaram rumores sobre sua saída do governo. O presidente Lula chegou a conversar com o sr. sobre isso?

Nunca. Nem eu com ele. Esses rumores decorreram certamente do fato de que a ação do Ministério da Justiça, no ano passado, gerou polêmicas muito fortes. Mas não me arrependo de nenhuma delas. Não me saí mal nos conflitos em que entrei em 2008.

Mas o sr. gostaria de ser candidato à sucessão do presidente Lula, em 2010, embora ele tenha preferido a ministra Dilma. O sr., que é um dos ideólogos do PT, ficou magoado com o presidente?

Eu sou maduro demais na política para ficar magoado. E o diabo é mais sábio pelo tempo de serviço prestado do que por ser diabo (risos). Eu não me magoo com isso porque se trata de uma questão de natureza política. Ficaria magoado se o presidente me dissesse que sou incapaz como seu ministro ou como quadro político do partido. Isso nunca ocorreu. Pelo contrário, fui prestigiado ao longo desse período. Para mim, não há nenhum problema e, obviamente, vou estar do lado do nosso candidato, seja ele quem for.

O sr. vê outra candidatura no PT sem ser a da ministra Dilma?

Olha, o PT, na verdade, não tem opinião ainda sobre isso. Se você me disser que a maioria da direção do PT vai seguir a orientação do presidente, eu concordo que sim.

Até porque, hoje, o partido está a reboque do presidente.

Eu não diria a reboque porque isso seria diminuir a importância do partido. Mas eu diria que está subordinado à orientação política do presidente.

O lulismo é muito mais forte do que o petismo...

Sabe, sinceramente, que eu não sei se dá para colocar essa formulação de lulismo? Acho que não há um lulismo, há um presidente com muita liderança política que adquiriu força maior que o próprio partido.

Não é estranho que um partido prestes a completar 30 anos não tenha produzido quadros aptos a ocupar o Planalto e o presidente tenha de tirar um candidato do bolso do colete?

Mas aí não se trata de bolso do colete porque é uma pessoa que tem enorme responsabilidade no governo, desempenho altamente qualificado, relação de confiança com o presidente e dirige o principal projeto do governo, que é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma liderança que vem se consolidando dentro do governo e no partido. Agora, o PT tem outros nomes.

O senhor...

Até dispensando esse que vos fala, nós temos os governadores de Sergipe, Marcelo Déda, e da Bahia, Jaques Wagner; os ministros do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e da Educação, Fernando Haddad, que é um líder novo; a senadora Marina Silva, uma grande referência. O fato de o presidente eventualmente optar por Dilma não desqualifica os demais, que podem ter outras oportunidades. Agora, precisamos ter uma forte candidatura para ganhar as eleições, que não serão fáceis.

O sr. mesmo havia dito que a ministra Dilma não tinha militância nem vínculo com o PT. Isso mudou?

O que eu disse e que teve certo impacto - porque as pessoas às vezes não querem ouvir determinadas realidades políticas que têm de ser ouvidas, para serem superadas e compreendidas - é que a companheira Dilma não participava dos debates internos do partido. Que não era vinculada a correntes do partido. Fiz isso como uma mera constatação, e não como depoimento crítico. Ser mais antigo no PT não é nenhum mérito. Já tivemos muitos antigos que saíram. Alguns foram até para a direita.

Quem?

Faça um recenseamento aí (risos). Portanto, embora a ministra Dilma não seja mais antiga no partido, ela é uma militante de esquerda, respeitada, sóbria. Mas a minha colocação está relacionada a um fato concreto, um desafio que Dilma vai enfrentar, se for candidata. É que não tem nenhuma personalidade igual ao Lula. A pessoa que for nossa candidata - e, provavelmente, será Dilma - terá de estreitar muito sua relação com o PT para que o partido volte a ser um sujeito político forte no cenário nacional.

E o sr. vai ser candidato ao governo do Rio Grande do Sul?

Eventualmente, sim. Temos acordo no Estado, entre as principais lideranças do PT, para não fazer prévia. Vamos chegar a um nome consensual.

O sr. chegou a criticar alianças pragmáticas firmadas pelo PT, mas o partido volta a dar demonstrações de que seguirá esse caminho em 2010. Essa guinada à direita tem volta?

Eu acho que não é simplesmente guinada à direita. O nosso sistema político é adverso a alianças de conteúdo e estimula compromissos de curto prazo. O PT é um partido pós-comunista e pós-social-democrata que se encontra num vazio histórico de utopias renovadoras. É isso que o presidente Lula soube substituir. Nesse próximo ciclo, porém, o PT precisará ter maior capacidade de articulação, do centro em direção à esquerda, para fugir do pragmatismo.

Como?

Fugir do pragmatismo significa encaminhar o mais breve possível uma reforma política.

Mas do jeito que a reforma política está virou um remendo, não?

A reforma política está sendo discutida por surtos de interesse. Parece que o surto, agora, é de mandato presidencial.

E o surto do terceiro mandato pode emplacar?

Não, isso não tem nenhuma hipótese. A proposta de reforma política que o presidente Lula determinou que eu e o ministro José Múcio (Relações Institucionais) trabalhássemos está pronta. É modesta, mas muito profunda (prevê, entre outros pontos, o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada). Pode ser altamente positiva para acabar com as relações pragmáticas que têm orientado todos os partidos que chegam ao governo. Essas relações podem dar origem à corrupção.

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