terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mídia, democracia e responsabilidade social


O Jornal de Brasília, desde quinta-feira passada (24/09) vem reproduzindo e requentando matérias já amplamente divulgadas no ano de 2007 e cujas denúncias não foram comprovadas em nenhuma instância, inclusive nesta Casa.

A série editorializada – parcial, tendenciosa e caluniosa – começou após pronunciamento que fiz nesta Casa exigindo a apuração dos fatos denunciados pela Revista Época envolvendo o secretário de governo do Distrito Federal e o diretor-superintendente do Jornal de Brasília.

A preocupação com a prática da imprensa de desvirtuar fatos, caluniar e condenar antecipadamente não é nova. Há 62 anos, era publicado nos Estados Unidos o primeiro volume do trabalho da Comissão Hutchins “Uma imprensa livre e responsável”, presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins, com 13 representantes do mundo acadêmico e empresarial.

Criada em 1942 como resposta a uma onda crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na verdade, diante da crescente oligopolização do setor, se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições pelos cidadãos. A saída foi a criação da “teoria da responsabilidade social da imprensa”, centrada no pluralismo de idéias e no profissionalismo dos jornalistas, como se a liberdade de imprensa das empresas de mídia fosse uma extensão da liberdade de expressão individual.

A responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, cujo modele está historicamente vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.

Para responder às críticas à imprensa, a Comissão Hutchins resumiu as cinco principais exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir:

(1) propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);
(2) servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;
(3) retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;
(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,
(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.

No Brasil, certamente, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal. O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior à Comissão Hutchins. Basta ver, por um lado, a concentração da propriedade e a ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que enfrenta o debate de temas e projetos com potencial de alterar o status quo legal. Um exemplo são as resistências manifestadas em relação à 1ª. Conferência Nacional de Comunicações.

Segundo Venício Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, as recomendações da Comissão Hutchins, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil, representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos depois.

Segundo o jornalista Luís Nassif, liberdade de imprensa é algo que transcende a mídia. Quando se misturam negócios e imprensa, há a necessidade de poderes moderadores para evitar o poder absoluto da mídia.

A contraparte fundamental, para se discutir liberdade de imprensa, é sobre os limites do poder da mídia, o direito de resposta, etc. Hoje, a discussão é sobre seus limites, os direitos dos cidadãos em relação aos seus abusos.

O STF, ao revogar Lei de Imprensa, deixou um vazio na regulação do setor, havendo necessidade, portanto, de um novo marco regulatório para a mídia, impedindo que ela própria se auto-regule, ferindo o processo democrático, o que representa um perigo para uma sociedade livre, já que a mídia desregulada pode condenar uma pessoa antes de ser julgada, pode ser tendenciosa em falir um banco ou uma empresa, pode escolher quem será o presidente, governador, pode esconder mazelas da gestão pública, e tantas outras coisas que tornam a sociedade livre refém de suas atividades e negócios.

A mídia se quiser pode instaurar perseguição política (caçada aos comunistas nos EUA) ou pode provocar holocausto (Alemanha Nazista) ou tentar enfraquecer e desestabilizar o governo Lula, como em 2005. A mídia pode ainda condenar antecipadamente pessoas inocentes, como no caso do jornalista José Cleves da Silva, do Estado de Minas, que, de vítima e testemunha do assalto e assassinato da própria mulher, viu-se convertido à condição de réu. Inocentado pela Justiça depois de oito anos de angústia, danos morais e materiais, ele narra a trágica história no livro “A Justiça dos Lobos – porque a imprensa tomou meu lugar no banco dos réus”, publicação que lançamos em Audiência Pública realizada nesta Casa.

Uma das principais peças do processo de acusação foram reportagens exibidas no Tribunal do Júri. A mídia que espetaculariza a falsa denúncia e, sem nenhuma prova, espalha manchetes reproduzidas, termina estigmatizando os acusados em “culpados”.

No passado, a ditadura censurava as denúncias sobre tortura no regime militar. Hoje, com a crescente centralidade da política, a grande mídia comercial tomou para si o papel de autoridade coatora. Sem qualquer pretensão de exercer papel decisivo na promoção da cidadania, não mais oculta seu caráter partidário.

Esse tipo de jornalismo, que se sente ameaçado na sua hegemonia privada neoliberal, já não se contenta mais em subordinar a apuração ao julgamento sumário de fatos e pessoas. E não só na política, mas também no cotidiano, a condenação antecipada, sem apuração criteriosa, quando não ao arrepio da lei, tem sido cada vez mais frequente.

As sociedades modernas pautam-se pela garantia dos Direitos Humanos. Em seu art. 5º, a Constituição Brasileira, promulgada em 1988, expressa vários destes princípios, dentre os quais o da presunção da inocência.

Quem julga e condena não é a polícia nem a mídia, mas a Justiça. A liberdade de imprensa vincula-se ao princípio democrático de que a sociedade tem o direto de ser informada corretamente em todos os seus contextos. A grande mídia vive da comercialização de seus espaços publicitários. A conquista da audiência é um valor de mercado, mas a ética profissional e a verdade dos fatos constituem valores superiores da civilização.

Em relação à série de matérias publicadas pelo Jornal de Brasília, que atentam à democracia, à verdade dos fatos, aos direitos individuais e à minha honra, adotarei as medidas legais e judiciais cabíveis, pois é injustificável utilizar a imprensa para perseguir pessoas e desqualificar a imagem de qualquer cidadão ou cidadã.

Erika Kokay, deputada distrital, líder da Bancada do PT na Câmara Legislativa do DF

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